Depois da pirotecnia de Collor, o Brasil volta a se mostrar disposto a encontrar um "messias".
Por David Paiva*
O personagem original era tosco. Observado de perto, uma decepção, mesmo para admiradores iniciais. Não passava de um playboy aventureiro, intelectualmente primitivo; no tête-à-tête, era incapaz de manifestar qualquer ideia ou algum apagado sinal de qualidades de liderança. Na televisão e nos palanques, porém, apresentava-se como centro de uma pirotecnia brega e caríssima; essa era sua linguagem e seu ambiente. Dava banana para adversários na rua, fugia de debates e se expressava por slogans e frases feitas.
Por obra da velha busca do brasileiro pelo "homem diferente", o político para desmascarar os políticos – o que é um aspecto da desconfiança da população diante das instituições –, esse grotesco personagem foi eleito presidente da República em 1990. Mais ou menos pelas mesmas razões, a crença ingênua no outsider vociferante, o país já elegera em 1960 um tipo inacreditável como Jânio Quadros. Tanto no caso de Jânio como no de Collor, deu no que deu.
Mas estamos todos avisados de que "pau que nasce torto morre torto". Outra vez, o Brasil se mostra disposto a encontrar o "messias" que o salve da incapacidade – ou da capacidade para o mal – das nossas instituições políticas e seus profissionais. Esse discurso apocalíptico é alimentado à direita e à esquerda. Por um lado, pelo interesse em promover o apocalipse; por outro, pela falta de determinação em promover mudanças reais e perceptíveis na qualidade de vida e na representação política dos brasileiros.
Enquanto isso, a população se exaspera e aparece um novo "messias", que já faz exercícios vocais para entrar em cena. Como Collor, um "homem diferente", vindo de fora "dessa politicalha", inatacável e corajoso caçador de corruptos, como o outro era “caçador de marajás”. Mas, nesta nova edição, o homem não é um tosco: é preparado, respeitado na sua área e, para coroar, dono de uma característica que parece ter sido doação da própria Providência Divina: o homem é negro!
"Collor é branco, um branco europeu" – escreveu Paulo Francis, num dos seus piores momentos, elogiando o personagem. Mas o novo "homem diferente" tem raízes muito mais fortes nesta terra que deve ao afro-brasileiro uma definitiva ação de resgate. Portanto, ser negro pode significar um altíssimo capital eleitoral. Junte-se a isso, na corrida presidencial, o cacife de primeiro caçador de corruptos, inimigo número um da impunidade e grão-castigador da República.
Com essas credenciais minuciosamente preparadas, o presidente do STF dá sinais de que está pronto para tirar a toga e subir ao palanque. Para realçar seu papel e as diferenças que o distinguem do político comum, o (ainda) ministro Barbosa admitiu diante do próprio plenário do Tribunal que, acima do espírito da lei e do princípio de humanidade, agravou penas de réus do Mensalão para outros efeitos além da punição cabível. Coisa muito natural, ora! Aliás, desde que o STF atraiu a atenção da mídia, e mesmo depois que ele assumiu a presidência do Tribunal, sua voz sempre se faz ouvir como instrumento de truculência. O excesso, a teatralidade e a crueza são traços comuns de messiânicos em geral. Na política, Jânio Quadros e o canastrão das Alagoas já nos ensinaram o suficiente quanto às consequências.
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é escritor.
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