Neste 31 de março comemora-se o centenário de nascimento do escritor e Nobel mexicano
Por Marco Lacerda*
A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. A primeira atitude do homem diante da linguagem foi de confiança. O ritmo não apenas é o elemento mais antigo e permanente da linguagem como é bem possível que seja anterior à própria fala. O homem se derrama no ritmo, marca da sua temporalidade; o ritmo, por sua vez, se declara na imagem; e a imagem volta para o homem sempre que alguns lábios repetem o poema.
Religião e poesia pretendem realizar de uma vez por todas essa possibilidade de Ser que somos. A revelação da nossa condição é, também, criação de nós mesmos. As palavras do poeta, justamente por serem palavras, são suas e são de outros. Por um lado, são históricas: pertencem a um povo e a um momento da fala desse povo: são datadas. Por outro, são anteriores a qualquer data: são um começo absoluto. A história da poesia moderna é a história de uma desmesura.
Este é o ano do centenário do nascimento de Octavio Paz, Prêmio Nobel de Literatura de 1990 e um dos maiores poetas e pensadores da América Latina. O seu falecimento, em 1998, representou, nas palavras de Gabriel García Márquez, "a irreparável interrupção de uma torrente de beleza, reflexão e análise que saturou de extremo a extremo o século 20 e cuja onda expansiva há de sobreviver-nos por muito tempo".
Para celebrar o seu centenário e refletir sobre a vigência da onda expansiva do percurso de sua obra no século 21 está sendo realizada, no México, nesta última semana de março, uma série de eventos e encontros.
Flerte com o Concretismo
Octavio sabia que a literatura brasileira, por ser escrita em português, diz respeito a um universo linguístico irredutível ao espanhol. Daí a sua fisionomia própria, porém próxima, pois para Octavio existem "relações muito especiais" entre a literatura de língua espanhola e as literaturas fronteiriças, como a brasileira. Essas relações muito especiais explicam o seu interesse pela nossa literatura, particularmente por seus poetas, entre eles Bandeira, Drummond, João Cabral, Murilo Mendes.
Foi, no entanto, com os concretistas que ele efetivamente mais interagiu, em função da convergência com a visão destes sobre o desafio da criação poética no mundo contemporâneo e o papel da tradução da poesia. Essa convergência fica clara no ensaio Los Signos en Rotación, que Octavio escreveu em 1965.
A nossa antologia foi o ponto de partida do que veio a ser a crescente presença no Brasil de obras de Octavio em português e de suas intervenções na agenda da discussão pública brasileira todas caracterizadas por um agudo espírito crítico, assinalado pela valentia de espírito e pela intrepidez do olhar. Assim, quando Octavio, acompanhado de sua mulher, Marie Jô, veio em 1985 matar saudades, ao Brasil, o Brasil já tinha antecipada saudade de sua pessoa e de sua obra.
A estadia de Octavio no Brasil foi plena de atividades. Octavio valorizou a leitura pública da poesia, na qual a palavra viva coincide com a palavra vivida por meio da participação, no poema, dos ouvintes. O alcance desse laço entre o poeta e o grupo que o escuta pode ser testemunhado pelos que acompanharam Octavio e Haroldo de Campos, quando transformaram o anfiteatro da USP na casa da presença da poesia, lendo sucessivamente, dividida em partes, Blanco, no original e na sua transcrição para o português.
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e editor-especial do Domtotal
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