Uma folia que mistura peruas, periguetes, acadêmicos e lobistas em fuga de Brasília.
Por Ricardo Soares*
Aeroporto de Brasília lotado em véspera de feriado. Corredores repletos, obras em curso, gente se trombando , cenas que incomodam por certo a “gente diferenciada” que se irrita com a conversão de aeroporto em rodoviária. O problema não reside aí mas na indiscriminada falta de educação que é um “privilégio” interclasses e empana a divertida tarefa de observar a diversidade dessa fauna humana nesse aeroporto em véspera de feriado.
Mas tudo é uma questão de ponto de vista não é? porque provavelmente a madame vestida com roupa de oncinha e adereços dourados se sente incomodada com o tiozão de poucos dentes, pés esparramados numa havaianas velha que revela bizarras e horrendas unhas dos dedos dos pés martirizadas por fungos e encravamentos múltiplos. Sucede que o incômodo que causa à madame essa visão é proporcional ao desconforto que ela me causa com sua estética Beverly Hills e o seu perorar monótono e fútil ao celular. Madame acha que sua prosa importa aos que estão ao redor.
Sento num banco no amplo corredor que leva do terminal 1 ao 2 e observo o desfile humano. Adolescentes maquiadas precocemente vestidas de periguetes com sandálias de salto agulha. Grupos de foliões esculachados que já antevêem esbórnias etílicas com mulheres luxuriantes, um outro folião solitário com um anacrônico chapéu de arlequim sobre a cabeça, uma mãe de família evangélica que esquece o senhor Jesus ao esculhambar o marido por ter levado a família ao terminal de embarque errado. Vejo também a mesma eterna horda de executivos estridentes falando ao fone, dedilhando laptops, enxergo os lobistas de meia idade contando vantagens (“ O ministro me disse que...) e duas moças de shorts curtos e coxas colossais que não sei se estão indo ou voltando se é que vocês me entendem...
Minha mulher diz que devo ver isso tudo com bom humor pois todos estão em clima de pré-carnaval , em busca de alegria. E eu, com humor de quarta de cinzas, penso : “esse é o sentido da vida ?”, buscar a alegria perdida ou a alegria constante ? Na verdade pouco importa. O que quero mesmo é embarcar logo, fugir da muvuca e curtir meu carnaval silencioso. Não sem antes, é lógico, entrar no avião da Gol , que de novo sai atrasado e ter que ouvir uma “intelectual” atrás de mim agendar reunião com conselhos e preparar salas para encontros acadêmicos pós-carnaval. Pela chatura deve ser uma acadêmica importante pois quanto mais vivo mais me asseguro que a academia premia mais os tediosos e os prolixos do que os ousados.
Mas me recolho à minha insignificância de não doutorado e constato que para tolerar esse clima pré-carnaval é preciso mesmo , mais do que paciência, é preciso uma overdose de bom humor. To me entocando até quando o carnaval acabar.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor , roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor , entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação
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