Como um adolescente, me preparei durante semanas para ver ‘14 On Fire’ no deserto.
Por Luiz Sérgio Toledo*
Nos últimos dois meses eu estava vivendo uma pequena espectativa, desde que comprei os ingressos para o “14 On Fire” o primeiro show dos Rolling Stones aqui nos Emirados, que aconteceu no fim de semana passado. Seria a terceira vez em que assistiria um show ao vivo da banda. Secretamente contava os dias para o evento, lia as notícias de jornal e me preparava como um adolecente que vai ver um show de Justin Bieber.
Valeria a pena ir de carro de Dubai até a duArena em Yas Island? Eu havia comprado também ingressos para um ônibus especial que levaria em uma hora as pessoas de Dubai até o show. Meus ingressos davam direito a early entry, podia entrar na arena às seis e meia da tarde, para o show que começaria a partir das 8 e meia da noite. Daí a dúvida. Ir de carro ou de ônibus. Aqui em Dubai se beber não dirija, porque se for pego dá cana e depois de cumprir pena é expulso do país. Uma dessas leis que funciona. Intimida, e por isso funciona. Havia também combinado com um grupo de amigos ingleses para talvez ir de carro com eles, mas acabei me sentindo meio bobo, me imaginando sentado apertado num carro ou num ônibus, com um bando de malucos-beleza cantando Satisfaction e se preparando para os riffs de Keith Richards.
Acabei indo, eu e minha mulher, no meu carro confortável, com tempo suficiente para passar em frente ao local do show e verificar o melhor lugar onde estacionar, para poder sair facilmente de carro na hora do rush da saída. A bilheteira me avisou para chegar cedo e pegar um bom lugar para parar o carro, já que era uma platéia de... gente mais velha, e que esperavam cerca de 30 mil pessoas, e a maioria viria de carro. Foi aí que comecei a me dar conta que tudo mudou no meu mundo do rock e dos espetáculos. Sozinho, quando escuto as músicas da minha juventude, eu estou ainda nos meus vinte anos, não sinto o peso da idade. Mas ao ver alguns exemplos do que seria a platéia do show eu comecei a me sentir um dinossauro. Mas no fundo queria comprovar se ainda corria no sangue aquela velha vontade de botar os ya-yas prá fora.
Um bando animado de velhinhos
Mas ainda faltava tempo para o show começar e, sinal da idade, resolvi partir para um bom almoço al mare, peixe e frutos do mar, antes de nos dirigirmos para a fila de entrada. Já que o dia era dedicado a prazeres, porque não mais um, o da gula. Deixaria ainda para fumar o charuto cubano durante o show. Ao chegar à entrada não tive coragem de fotografar os meus “colegas” da fila de espera.
Um bando muito animado de velhinhos e velhinhas, a maioria com camisetas estampadas com uma variação do logotipo da boca com a língua prá fora dos Rolling Stones e todos vestidos com jeans ou calças de couro, roupas para gente pelo menos quarenta anos mais jovem do que eles, conversando excitados sobre quantos e quais os shows dos Stones já tinham assistido. Eu me lembrei de uma entrevista de Cary Grant, no fim da carreira, em que ele dizia: “As pessoas ainda me reconhecem na rua. Leva um tempo, mas me reconhecem.
E eu sei que durante esse tempo elas devem estar pensando: "será que eu também envelheci tanto’?” A resposta é simples. Sim. Estamos todos muito velhos. E me lembrei também de uma entrevista do jovem Mick Jagger dizendo que não se imaginaria cantando Satisfaction aos cinquenta anos de idade. Não imaginaria que estaria cantando aos setenta.
Nossos ingressos eram para o Fire Pit, o popular gargarejo. Tudo muito bem organizado. Pulseirinhas coloridas demarcavam as nossas áreas de acesso em vermelho, e a licença para consumir álcool em azul. Álcool só podia ser vendido a maiores de 21 anos e se alguém fosse pego dando bebida a menores seria expulso do show.
Tambores tribais
De repente um som de tambores tribais estremece a platéia e o show começa com Start Me Up. O palco era gigantesco, dois telões laterais enormes e um gigantesco atrás do palco mostravam os detalhes em close-up, misturados com vídeos e animações. Tentáculos elevados para os músicos se movimentarem invadiam a platéia, permitindo até aos portadores de handicap vertical poder ver todo o show dos rockeiros enrugados sem problemas. E todos estão muito enrugados.
O excesso de pele no rosto de Keith Richards daria para fabricar uns dez tamborins. E aquela célebre bandana que ele usa agora também esconde o fato de que os cabelos da parte de trás da cabeça já se foram. Ronnie Wood, que acaba de trocar a mulher por uma mais nova (e foi notícia aqui quando foi com ela tomar banho de mar antes do show,) também não fica atrás, parece um cão shar-pei. O beiço de Charlie Watts enquanto toca bateria agora chega até quase o queixo, cobrindo toda a boca. E a cabeleira de Mick Jagger, milagrosamente sem um fio branco aos 69 anos, também não esconde o resultado de 50 anos de estrada.
Jagger entrou vestindo uma jaqueta vermelha brilhante - a primeira de cerca de meia dúzia de mudanças de roupa – e abriu com Start Me Up, e com a voz em boa forma e segurou a maior parte do show com absoluta convicção. Foi engraçado ver os velhinhos, meus “colegas” da fila, botando prá quebrar como se fossem adolescentes. Durante as duas horas de show ninguém conseguiu ficar parado.
Uma aula de rock and roll
Tumbling Dice continua sendo uma das músicas mais fortes, com a sua magia de rhythm and blues virando gospel. Um Emotional Rescue meio funk deu à multidão a oportunidade de praticar falsetes antes da calmaria de Angie. Mick Jagger comandava o espetáculo. Sempre gentil, ele até tentou frases em árabe como "shukran jazeelan" (muito obrigado) e "Kaifa Halek?" (Como você está?) levando a turma local ao delírio.
O susto da noite ficou por conta de Mick Taylor, gordo feito um balão, uma decepção para quem se lembrava dele na sua fase de Rolling Stone substituindo Brian Jones, quando foi responsável por muitos dos melhores momentos musicais da banda. Taylor entrou no palco como quem não quer nada, ajudando Keith Richards em Slipping Away antes de ser apresentado corretamente à platéia no começo de Midnight Rambler em que ele trocou licks de guitarra com gaita de Jagger.
Os dois bis from Brown Sugar e o agora famoso por causa do Dr. House, You Can’t Always get What You Want, esplendidamente acompanhado pelo coro local Al Khubairat Singers. A banda terminou com I Can’t Get No Satisfaction, a multidão em delírio acompanhando os quadris de Jagger e no final um show de fogos de artifício terminou a noite. Foi um desempenho sólido. O show 14 On Fire mostrou porque os Rolling Stones continuam firmes há 50 anos. Eles ainda mostram como se faz rock and roll.
*Luiz Sérgio Toledo é cirurgião plástico brasileiro e mora em Dubai
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