Moradores de condomínios de luxo nada ficam a dever aos favelados.
Por Carlos Eduardo Leão*
Junto-me a Celso, Ricardo, Alex e João. Somos daquele tipo de amigos das famosas horas certas e incertas. Ficamos ainda mais felizes quando se juntam a nós Fabrício, Toninho e Leão que, por circunstâncias alheias às nossas vontades, não são tão freqüentes, mas totalmente e igualmente queridos. Falamo-nos diariamente e nos reunimos semanalmente em happy hours. Temos gostos e pensamentos muito parecidos. Confesso que destoo um pouco na hora do vinho. Sendo o Guaraná de uma boa safra, não titubeio. Se no dia seguinte não tenho cirurgia, acrescento umas gotas de whisky e perpetuo a canção "Dois prá lá dois prá cá", de Blanc e Bosco, imortalizada na de Elis Regina.
Entre as tendências da arte contemporânea, os valores proibitivos da arte moderna e a crescente valorização dos artistas ingênuos, naifs e populares, sobra-nos tempo para reflexões filosóficas sobre a vida e o cotidiano. No nosso último encontro, a pauta foi a deseducação das pessoas, independente de suas inserções sociais.
A começar pelos problemas que temos em prédios e condomínios, normalmente de excelente padrão sócio-econômico, onde os direitos e deveres dos moradores estão sendo confundidos com aqueles que habitam as favelas, principalmente no quesito "deveres". E não me refiro apenas à violência, típica dos conglomerados sem lei e sem ordem, mas à falta de educação básica necessária ao convívio pleno em comunidades humanas. E o problema nos parece epidêmico, Brasil afora.
Um dos amigos conta que foi testemunha de uma agressão física de um morador contra o motorista de um vizinho que estacionou o carro pouco além do permitido. Embora não causasse nenhum prejuízo para os usuários, o fato incitou a ira. A cena, que mais parecia treinamento de UFC, foi chocante principalmente pela discrepância física entre o morador - jovem e bombado - e o franzino e sessentão "chauffer" que apanhou feito boi ladrão.
Outro relata que a área comum de seu prédio está freqüentemente ornada por cotonetes usados, algodões sujos de maquiagem, palitos de picolé, papéis de bala e assemelhados que são arremessados pelas janelas do condomínio, sem dó nem piedade, como se lá embaixo fosse espaço reservado para um aterro sanitário.
Uma outra contribuição a este texto remeteu-se a uma guimba de cigarro acesa que, atirada pela janela, caiu sobre sua cabeça. Ato-contínuo, o amigo espanou-a sem maiores danos físicos. Diferentemente se caísse, por exemplo, num carrinho de bebê com ele dentro e as graves consequências que lhe poderiam acontecer. Isso sem falar nos prejuízos que o referido condomínio já teve com toldos, cadeiras, espreguiçadeiras e protetores de piscina, vítimas impotentes das guimbas insanas e irresponsáveis.
O mais grave relato, porém, diz respeito ao que vem acontecendo no prédio de outro amigo do nosso grupo. Lá, nas áreas de convivência do condomínio é freqüente encontrar, pasmem, preservativos usados lançados pela janela. Conta o síndico que na semana passada a faxineira, indignada, apresentou-lhe um preservativo usado e repleto.
Felizmente, aquelas milhares de futuras vidas lançadas pela janela não perpetuarão o legado genético do despreparo, desrespeito, deseducação e imoralidade que permeia a sociedade brasileira, vítima maior do descaso institucional com a educação, a arma mais poderosa, mais arrebatadora e única capaz de exterminar esse estado de coisa em que nos encontramos como povo e pátria. Outubro está à nossa porta. Depende de nós.
Em tempo: "Deseducados": educados que desistiram dessa prerrogativa; educados que, para estarem a par e passo com o pensamento político nacional vigente, entraram em férias prolongadas dessa prerrogativa há quase 12 anos.
*Carlos Eduardo Leão é médico e cronista
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