sexta-feira, 2 de maio de 2014

Os furos da notícia

Livro mostra como, por meio de recursos simples, a informação é manipulada na internet.

Por Max Velati*
Ryan Holiday tem 26 anos, mora em New Orleans e em muitos aspectos é um produto típico de sua geração: antenado, confortável no uso das novas mídias e extremamente ambicioso. Na verdade, tão ambicioso que, mesmo com a barba ainda rala, tornou-se um estrategista de mídia para clientes importantes e marcas famosas, uma espécie de Feiticeiro do Marketing contratado a peso de ouro.
Estrategista de marketing é um termo gentil e sofisticado. Ryan Holiday é, na realidade, um "manipulador de mídia" e isso significa que ele é pago para enganar. É ele mesmo quem descreve as suas funções no livro "Acredite, estou mentindo", lançado pela Companhia Editora Nacional e com tradução de Antônio Carlos Vilela.
O livro, uma mistura de desabafo, confissão e denúncia, é um catálogo de falcatruas orquestradas pelo jovem Ryan, que declara com todas as letras que seu trabalho é mentir para os meios de comunicação para que eles mintam para nós, leitores e espectadores desavisados. Ryan diz como faz isso: "eu trapaceio, suborno e conspiro para marcas bilionárias e escritores best-sellers, abusando do meu conhecimento de Internet para tanto".
O Feiticeiro do Marketing explica tudo sem pudores. Gasta as 260 páginas do livro gabando-se da ingenuidade dos grandes jornais e agências de notícias, alimentados com mentiras e notícias falsas e expelindo orgulhosamente como se fossem grandes furos jornalísticos meros factoides rasos sem nenhum tipo de confirmação
De maneira muito resumida, o que Ryan Holiday faz é iniciar um ciclo com uma notícia falsa, fabricada quase sempre por ele mesmo e que serve aos interesses de seus clientes.
Em uma campanha encomendada para promover um filme polêmico, o que ele fez foi vandalizar os cartazes, tirar fotos e sob falsa identidade enviar a imagem a blogs escolhidos como se a pichação fosse uma reação indignada de um cidadão sobre o tema da obra. A partir daí, a notícia foi subindo na pirâmide do jornalismo até chegar aos noticiários respeitáveis, como por exemplo os editoriais do Washington Post e do Chicago Tribune, alçando um filme menor à categoria de grande e polêmico lançamento da sétima arte. Dentre os serviços prestados para esta campanha, Ryan publicou anúncios polêmicos em blogs estratégicos e redigiu ele próprio respostas ainda mais polêmicas, publicadas em outros blogs. Jogando ping pong dos dois lados da mesa, manipulou os fatos falsos e as versões até concluir mais uma campanha de sucesso.
O que me parece mais assustador em tudo isso é que o livro de Ryan Holiday talvez seja apenas a ponta do Iceberg. Com os recursos simples de postagem, o número de blogs e as escalas de fluxo da Internet, fica muito difícil avaliar nesta montanha de dados as diferenças entre uma opinião bem informada e um delírio em letra de forma, um fato real de uma mentira bem construída.
Para alguém que conhece os gatilhos certos, o mundo da informação se revela como um suporte poderoso para qualquer ideologia, um canhão que pode ser apontado para qualquer direção.
Vale para os tempos modernos a frase que meu avô costumava dizer: confie, mas confira.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.

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