sexta-feira, 20 de junho de 2014

Invasão ao som do jazz

Dia D trouxe de volta, há 70 anos, a liberdade e a criatividade musical jazzística à Europa.

Por Carlos Ávila*
Em junho de 1944 (há exatos 70 anos), nas praias da Normandia, norte da França, tropas aliadas – formadas por norte-americanos, ingleses e canadenses – protagonizaram a mais importante operação de toda a Segunda Guerra Mundial, virando o jogo contra os nazistas e dando início à libertação da Europa (na verdade, pelo leste, as tropas soviéticas também já vinham avançando, depois do desastre que foi a invasão da Rússia por Hitler; ajudadas pelo “general inverno”, elas derrotaram os alemães em Stalingrado e “nas portas” de Moscou). A invasão da Normandia – cujo nome de código era Operação Overlord – ficou conhecida como o Dia D.

Mas a invasão foi também musical. Há um curioso e precioso CD intitulado “The Jazz Invasion” (Kuarup Jazz), lançado na comemoração dos 50 anos do Dia D, que reúne todos os grandes hits do jazz que rodavam nas vitrolas na época. Este texto está sendo escrito ao som desse CD, ou seja, ao som de grandes orquestras, como as de Benny Goodman e de Cab Calloway, ou de pequenas formações como o Duke Ellington Septet ou ainda o Nat King Cole Trio. Há também faixas com solos do pianista Art Tatum e do guitarrista Django Reinhardt. O “show” termina simplesmente com a voz da grande Ella Fitzgerald.

O jazz já estava sendo curtido na Europa, especialmente na França, antes do trágico conflito mundial. O Hot Club de France havia sido fundado em 1932 para divulgar o jazz, promovendo inúmeros concertos com gente como Sidney Bechet e Coleman Hawkins. Segundo Janine Houard, no encarte do CD, “o próprio Armstrong reconheceu a importância do público francês na sua carreira”. O Hot Club manteve durante quinze anos um quinteto que consagrou dois grandes nomes do jazz europeu: Django Reinhardt (violão) e Stéphane Grappelli (violino).

Durante a ocupação nazista na Europa, as coisas ficaram difíceis para o jazz (também considerado “arte degenerada”) e seus músicos. O intercâmbio sonoro com a América acabou. Havia censura de ordem política e obstáculos financeiros (“não era mais possível pagar direitos autorais aos compositores americanos, muitos deles judeus”, conforme afirma Jacques Pescheux, presidente do Hot Club, em outro texto do CD). Toda uma juventude que tinha começado a curtir o swing, ainda nos anos 1930, inclusive na Alemanha, perdeu “a sua música”, dançante e vibrante. Na França ocupada ainda se ouviu algum jazz, mas de forma restrita e limitada a alguns espaços.

O Dia D trouxe de volta, há 70 anos, não somente a liberdade como também a criatividade musical, jazzística, à Europa, particularmente à França, que retomou o diálogo com a música norte-americana. A partir da invasão da Normandia, oswing virou moda e foi revivido; o Hot Club voltou a todo vapor. No CD “The Jazz Invasion” temos a oportunidade de ouvir clássicos da época como “Caravan”, “Begin The Beguine” e “In The Mood”. E chegamos à conclusão que o jazz é mesmo libertário. O contrário exato dos totalitarismos nazifascista e stalinista – agressores e repressores.
*Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, Bissexto Sentido e Área de Risco (poesia); Poesia Pensada (crítica) e Bri Bri no canto do parque (infantil). Foi, por quatro anos (1995/98), editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Trabalhou também na Rede Minas de Televisão e foi editor do caderno de cultura do jornal “Hoje em Dia”. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior.

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