sexta-feira, 6 de junho de 2014

Jornalismo e literatura

De naturezas distintas, escritas jornalística e literária se aproximam e se complementam.

Por Carlos Ávila*
As escritas jornalística e literária são de natureza diferente. Em geral, o jornalismo é rápido, breve, muitas vezes tenso – e, em certa medida, até “improvisado” – mais sujeito a erros, por seu caráter imediato e transitório. O profissional de imprensa nunca está “escrevendo nos papiros da eternidade” – como dizia o poeta e jornalista Mário Faustino (1930/1962).
A escrita literária – seja ela prosa, poesia ou ensaio – já tem ou pede um “outro tempo”. Pode até ser rápida no insight; na “inspiração” ou na ideia inicial; pode até fazer uso de uma forma ou estrutura mais breve (por exemplo, o soneto, em poesia). Mas pede densidade, quase nenhuma improvisação, a busca do mot juste, ou seja, do acerto vocabular, da expressão exata. A natureza da verdadeira literatura (não estamos falando de best-sellers ou de outras produções intencionalmente comerciais) não é imediatista ou transitória, pressupõe alguma permanência, solidez ou sobrevida maior que a do jornalismo.
No entanto, em alguns sentidos, o jornalismo pode ser uma espécie de “alimentador” da escrita literária. Aliás, já que mencionamos Faustino, é bom lembrar também de Carlos Drummond de Andrade (1902/1987), que atuou tanto no jornalismo, quanto na poesia e na prosa. São dele estas palavras certeiras: “o jornalismo é escola de formação e aperfeiçoamento para o escritor, isto é, para o indivíduo que sinta a compulsão de ser escritor”. Ainda segundo o poeta de Itabira, o jornalismo “ensina a concisão, a escolha das palavras, dá noção do tamanho do texto, que não pode ser muito curto, nem muito espichado”. Para ele, “o jornalismo é uma escola de clareza de linguagem, que exige antes clareza de pensamento”.
Aí está. Embora sejam de natureza diferente, as escritas jornalística e literária se aproximam em alguns pontos. Concisão, escolha de vocabulário, noção de tamanho (ou forma final do texto), clareza de linguagem e pensamento são elementos que perpassam essas duas escritas – como pontuou Drummond.
As diferenças são intrínsecas a essas duas maneiras de escrever. O jornalismo não pode prescindir da rapidez. O “fechamento” – o deadline – estabelece um ritmo veloz de produção. Repórteres, redatores e editores, enfim, toda uma equipe “corre contra o tempo” para que o produto final (no papel ou na tela) seja formatado e entregue aos leitores.
Já a literatura não pode prescindir da constante reescrita, de cortes ou acréscimos para o ajuste satisfatório do poema, do conto ou do romance, do artigo ou do ensaio. Ou seja, a literatura pede maturação, inclusive “tempo de gaveta”. Mas ambos – jornalismo e literatura – necessitam de bom texto final, sem ornamentos, nem firulas.
*Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, Bissexto Sentido e Área de Risco (poesia); Poesia Pensada (crítica) e Bri Bri no canto do parque (infantil). Foi, por quatro anos (1995/98), editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Trabalhou também na Rede Minas de Televisão e foi editor do caderno de cultura do jornal “Hoje em Dia”. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior.

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