Johan Konings*
Ouvi hoje uma história... interessante. Aconteceu numa das maiores cidades do maior país da América do Sul. A cidade tem dois times que se revezam no campeonato nacional do futebol. Os nomes dos clubes – evidentemente fictícios – são: os Cachorros e os Gatos.
Há um padre, pouco convencional por sinal, que é torcedor doido dos Cachorros. De repente, porém, os “outros”, os Gatos, são convocados para um jogo no outro lado do mundo. Algum intermediário sugere ao padre cachorrista que ele dê a benção aos Gatos e os acompanhe na viagem. Dito, feito. O padre engole seu antigatismo, benze solenemente os Gatos e se manda com eles para o outro lado do mundo. Com as devidas honrarias.
Pensei comigo mesmo: por que as pessoas dão tanta importância à bênção do padre, que não é nenhum são João da Cruz? Aí passou por minha cabeça a palavra “talismã”: o padre deveria dar sorte aos Gatos.
Eu já me admirei muitas vezes com a importância que as pessoas – não necessariamente as mais igrejeiras -- dão à bênção do padre. Eu não fui criado assim e viajei por muitas regiões, inclusive bem católicas, onde não existe essa necessidade de ter para tudo a bênção do padre. Talvez essa necessidade não seja tanto uma busca de Deus, em sua inefável transcendência, ou de Jesus Cristo, em seu inefável amor que o levou a enfrentar a morte de cruz. Talvez seja antes uma busca de proteção, de sorte, de prosperidade, por vias meio mágicas, coisa que se conhece em todos os tempos e lugares da humanidade. Em outras palavras, algo que nada tem a ver com Jesus Cristo, nem com Aquele que ele chamava de Pai. Do ponto de vista cristão, uma espécie de superstição, paganismo.
Levanto essa questão aqui em nível de “teologia pública”, porque acho que está na hora de cultivar a fé cristã com toda a seriedade, não com a mentalidade de torcedores de futebol ou de jogadores de loteria, mas procurando ser o que Jesus desejava: uma comunidade de discípulos que procuram amar-se mutuamente com amor radical e irradiar este amor a toda a humanidade. Realizando, assim, a mais profunda reverência a Deus, aquilo que Jesus chamava: o reino de Deus.
Assumir esse “reino de Deus”, nos moldes em que Jesus o apresentou em sua própria pessoa e obra, esse é o compromisso fundamental do ser cristão. Os enfeites religiosos são meios didáticos, nada mais. Úteis, dentro do quadro de cada cultura, mas não devem sufocar o essencial, nem banalizar o legado de Cristo, nem instrumentalizar a boa-fé de pessoas que não se dão ao trabalho de refletir um pouco mais...
Ultimamente tive de ouvir, inclusive da parte de alguns intelectuais, que é preciso respeitar a religiosidade popular. Uns dizem isso com paternal condescendência (“o povo não sabe melhor”). Outros chegam ao ponto de se misturar à religiosidade popular como se a vivessem por dentro... mas em alguns casos é para estudá-la, em outros, para ganhar as pessoas para sua causa, seja ela cultural, social ou política. Porém, não sentem a mesma coisa que “o povo”.
Eu sou mais a favor de tratar a religiosidade popular de modo “cristão crítico”: conscientizar as pessoas daquilo que estão fazendo. Expressem-se, diante do Pai de Jesus Cristo e de todos nós, de qualquer maneira que seja aceitável cultural, social e eclesialmente, mas alimentem no coração esse amor recebido de Deus, reconhecido de modo incomparável em Jesus de Nazaré e destinado a ser compartilhado com as irmãs e os irmãos na comunidade e no mundo inteiro. A começar com aqueles que ficam sempre para trás, pois enquanto excluímos os últimos, o amor nunca será universal, nem digno de Jesus. Por isso devemos começar pelos últimos.
É totalmente anticristão invocar Deus, Jesus Cristo e os santos para finalidades egoístas. Ora, se for para o bem da família, no quadro da sociedade, sem exploração dos outros, pode até ser aceitável. Mas, em muitos casos, seria mais eficiente resolver cuidadosamente o que nós mesmos podemos resolver. E no caso do time dos Gatos, nada melhor que um bom treinamento, disciplina e solidariedade. Dá muito mais garantia que um padre-talismã...
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