Qual o mistério dessa mulher magrinha, parda, pálida, com voz de bateria fraca?
Por David Paiva*
É bem provável que os alienados não saibam que o são. Melhor, é provável que não saibam nem mesmo o que vem a ser alienado. Ou talvez pensem que o único sentido da palavra é o de louco, tendo aprendido esse significado nas inúmeras comédias românticas que adoram.
E assim, alienados e trapalhões, seguem em frente. Não são necessariamente loucos nem inevitavelmente estúpidos. No meu tempo de estudante, a acepção política dessa palavra era corrente e quem frequentava alguma escola sabia o seu sentido: designava a pessoa que nada sabia do mundo, da realidade ao redor, da política, da cultura, de coisa nenhuma que tivesse importância. Mas que provavelmente sabia tudo de Jovem Guarda, se fosse um caso perdido, ou de Bossa Nova, se fosse recuperável, ou de futebol e samba (caso mais complexo, que merece estudo à parte). O alienado podia até ter talento no campo da sua preferência e fazer carreira de sucesso; mas nem a glória o livrava da condição de alienado. Os exemplos são muitos e variados.
O problema é que, vez ou outra, essa tribo – que hoje não sabe ligar sua pessoa ao nome – depara-se com um evento estranhíssimo ao seu universo, as tais eleições. Digamos que é o inferno astral da nossa personagem. Nesse momento tormentoso, o alienado é induzido, em defesa da própria vaidade ameaçada numa mesa de chope, a dizer o que pensa de candidatos, a achar isso ou aquilo sobre as raízes da violência e até mesmo sobre corrupção (neste item, é indispensável admirar o ex-ministro Joaquim Barbosa). Em geral suas opiniões são cortantes, definitivas, axiomáticas. “Quero nem saber se o ministro foi criticado. Ele botou políticos na cadeia e isso pra mim basta!”.
Pesquisa do instituto Datafolha realizada em maio deste ano revelou que 57% dos eleitores brasileiros não votariam se o ato fosse facultativo. Dizem que “não confio em políticos”. Gravíssima razão. Se esse raciocínio se alastra, os cargos públicos não seriam preenchidos e se estabeleceria o caos. Seria assim o paraíso do alienado? Com sua desinformação voluntária, orgulhosa como se fosse sinal de pureza, ele na verdade espera que outros votem por ele, ou que um dono do país – um general? – nomeie alguém para o serviço. Durante qualquer ditadura, o alienado é um ser feliz, ouvindo sua música em paz.
Na campanha eleitoral deste ano, por força de uma desgraça, o alienado encontrou sua candidata: Marina Silva. Desde a eleição de 2010, ficou evidente a atração que ela exerce sobre o tipo de eleitor que só quer expressar o seu grande desprezo. Pelo fato simples de que esse eleitor não aprecia políticos nem política, nem se interessa em saber de nada que ocorreu antes que ele próprio existisse, o alienado não conhece Marina Silva nem sabe dos seus fundamentos, assim como não conhece Dilma, Aécio ou Levy Fidelix. Como é que se dá então a simbiose entre Marina Silva e essas hordas de eleitores que até ontem torciam o nariz para toda a tralha de urnas e políticos?
Na pesquisa divulgada no início deste mês, o Ibope apontou Eduardo Campos com 9% de intenções de voto. Marina parecia não ajudar. Morto Eduardo, assumiu Marina e, em menos de quinze dias, a intenção de voto no partido passou a 29%, deixou Aécio em terceiro plano e acena com a vitória sobre Dilma no segundo turno. Uma razia! Um fenômeno! E mais: além de invadir o quintal de outros, Marina foi buscar votos novos entre indecisos, brancos e nulos, que repentinamente caíram para a metade.
Qual o mistério dessa mulher magrinha, parda, pálida, com voz de bateria fraca? A velocidade da sua subida indica que a contribuição do PSB foi nula; e enquanto a cabeça de chapa esteve com Campos, o PSB era o mesmo – ou muito melhor, pois tinha Campos – mas nem por isso foi além do entorno dos 10%. A façanha, duradoura ou não, é obra exclusiva de Maria Osmarina Marina. É diferente de Jânio, de Collor, de todos os aventureiros messiânicos do mercado político. Desistiu de ser bonita há décadas e não é furiosa. A entender.
É bem provável que os alienados não saibam que o são. Melhor, é provável que não saibam nem mesmo o que vem a ser alienado. Ou talvez pensem que o único sentido da palavra é o de louco, tendo aprendido esse significado nas inúmeras comédias românticas que adoram.
E assim, alienados e trapalhões, seguem em frente. Não são necessariamente loucos nem inevitavelmente estúpidos. No meu tempo de estudante, a acepção política dessa palavra era corrente e quem frequentava alguma escola sabia o seu sentido: designava a pessoa que nada sabia do mundo, da realidade ao redor, da política, da cultura, de coisa nenhuma que tivesse importância. Mas que provavelmente sabia tudo de Jovem Guarda, se fosse um caso perdido, ou de Bossa Nova, se fosse recuperável, ou de futebol e samba (caso mais complexo, que merece estudo à parte). O alienado podia até ter talento no campo da sua preferência e fazer carreira de sucesso; mas nem a glória o livrava da condição de alienado. Os exemplos são muitos e variados.
O problema é que, vez ou outra, essa tribo – que hoje não sabe ligar sua pessoa ao nome – depara-se com um evento estranhíssimo ao seu universo, as tais eleições. Digamos que é o inferno astral da nossa personagem. Nesse momento tormentoso, o alienado é induzido, em defesa da própria vaidade ameaçada numa mesa de chope, a dizer o que pensa de candidatos, a achar isso ou aquilo sobre as raízes da violência e até mesmo sobre corrupção (neste item, é indispensável admirar o ex-ministro Joaquim Barbosa). Em geral suas opiniões são cortantes, definitivas, axiomáticas. “Quero nem saber se o ministro foi criticado. Ele botou políticos na cadeia e isso pra mim basta!”.
Pesquisa do instituto Datafolha realizada em maio deste ano revelou que 57% dos eleitores brasileiros não votariam se o ato fosse facultativo. Dizem que “não confio em políticos”. Gravíssima razão. Se esse raciocínio se alastra, os cargos públicos não seriam preenchidos e se estabeleceria o caos. Seria assim o paraíso do alienado? Com sua desinformação voluntária, orgulhosa como se fosse sinal de pureza, ele na verdade espera que outros votem por ele, ou que um dono do país – um general? – nomeie alguém para o serviço. Durante qualquer ditadura, o alienado é um ser feliz, ouvindo sua música em paz.
Na campanha eleitoral deste ano, por força de uma desgraça, o alienado encontrou sua candidata: Marina Silva. Desde a eleição de 2010, ficou evidente a atração que ela exerce sobre o tipo de eleitor que só quer expressar o seu grande desprezo. Pelo fato simples de que esse eleitor não aprecia políticos nem política, nem se interessa em saber de nada que ocorreu antes que ele próprio existisse, o alienado não conhece Marina Silva nem sabe dos seus fundamentos, assim como não conhece Dilma, Aécio ou Levy Fidelix. Como é que se dá então a simbiose entre Marina Silva e essas hordas de eleitores que até ontem torciam o nariz para toda a tralha de urnas e políticos?
Na pesquisa divulgada no início deste mês, o Ibope apontou Eduardo Campos com 9% de intenções de voto. Marina parecia não ajudar. Morto Eduardo, assumiu Marina e, em menos de quinze dias, a intenção de voto no partido passou a 29%, deixou Aécio em terceiro plano e acena com a vitória sobre Dilma no segundo turno. Uma razia! Um fenômeno! E mais: além de invadir o quintal de outros, Marina foi buscar votos novos entre indecisos, brancos e nulos, que repentinamente caíram para a metade.
Qual o mistério dessa mulher magrinha, parda, pálida, com voz de bateria fraca? A velocidade da sua subida indica que a contribuição do PSB foi nula; e enquanto a cabeça de chapa esteve com Campos, o PSB era o mesmo – ou muito melhor, pois tinha Campos – mas nem por isso foi além do entorno dos 10%. A façanha, duradoura ou não, é obra exclusiva de Maria Osmarina Marina. É diferente de Jânio, de Collor, de todos os aventureiros messiânicos do mercado político. Desistiu de ser bonita há décadas e não é furiosa. A entender.
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é autor do livro “Memórias dos ‘abitantes’ de Paris”.
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