domingo, 31 de agosto de 2014

Woody Allen não apresenta seu melhor truque

Percebe-se que 'Magia ao Luar' é também obra sobre o próprio cinema e como a ilusão por ele criada é necessária a todos.

Por Nayara Reynaud

O segredo de uma boa mágica consiste em ludibriar os olhos do espectador. Neste sentido, o trabalho do ilusionista é bem semelhante ao do cineasta, que também deve iludir o seu público ao ponto de fazê-lo acreditar, mesmo que seja somente naqueles instantes, no que está vendo na tela.
Woody Allen é, sem dúvida, um dos grandes “mágicos” da área ao tornar tanto uma coisa simples quanto um caso absurdo em algo verdadeiro quando transposto em seus filmes. No entanto, nem toda plateia se deixará “ser enganada” em seu último truque, “Magia ao Luar”.
O mais novo longa da fase europeia do diretor centra-se na tentativa de desmascarar Sophie Baker (Emma Stone), uma médium norte-americana cujos dons anunciados têm impressionado uma rica família, também dos Estados Unidos, hospedada no sul da França, que deseja financiar um projeto dela de estudos sobre o oculto.
O encarregado desta missão é Stanley Crawford (Colin Firth), um inglês que roda o mundo se apresentando como o famoso ilusionista chinês Wei Ling Soo – uma referência ao norte-americano William Ellsworth Robinson, que se apresentava como o mágico chinês Chung Ling Soo, no século 19 – e é um especialista em descobrir os truques usados por falsos místicos e outros tipos de charlatões.
Convidado pelo seu amigo de infância e colega de ofício, Howard Burkan (Simon McBurney), para desvendar o mistério sobre a garota que se comunica com o falecido marido da Sra. Catlegde (Jacki Weaver) e faz o caçula da família, Brice (Hamish Linklater), cair de amores por ela – com direito a constrangedoras serenatas de ukelele –, ele deixa sua turnê em Berlim e parte para a charmosa Cote d’Azur de 1928.
Hospedado na casa de sua querida tia Vanessa (Eileen Atkins), Stanley espera uma vigarista ao encontrar com Sophie e sua mãe (Marcia Gay Harden), mas tão logo a bela moça revela detalhes da vida dele que lhe pareciam secretos, o cético, como em um passe de mágica, começa a duvidar de seus próprios conceitos.
O fato do protagonista acreditar tão rápido na ocultista pode ser relevado se for levado em conta que o recente trabalho do diretor tem um tom de homenagem às comédias românticas clássicas. Por isso, tamanha inocência e leveza que levam ao escasso desenvolvimento dos conflitos da trama.
Aliás, a reconstituição de época do filme é destaque, sendo realizada cuidadosamente pela direção de arte de Anne Seibel, pelo figurino de Sonia Grande e pela trilha sonora, que conta com nomes como Cole Porter, além de muito jazz e músicas de cabaré, a la Charleston.
Tudo isso completa a excelente fotografia em 35mm de Darius Khondji, cuja câmera desliza pelas belas paisagens do sul da França sob a luz do Sol, ressaltando o azul do mar de Cote d’Azur e as cores das plantas e ervas da Provence.
Ela também destaca a beleza de Emma Stone que, além da graça e carisma habituais, consegue imprimir o tom cômico exato a sua personagem, fazendo com que o espectador, tal qual Stanley, se deixe levar pelos seus encantos e não se atente em saber se ela o engana ou não.
Colin Firth como o típico misógino presente nas obras de Woody está bem como seu egocêntrico protagonista, principalmente por não ser um mímico de Allen, como é comum aos intérpretes dos filmes do cineasta. A química entre os dois em cena é suficiente para que o público não se preocupe com a diferença de 28 anos de idade entre eles.
Mesmo assim, ambos não são capazes de sustentar, sozinhos, os 97 minutos da produção. Os diálogos longos nem sempre funcionam e o sarcasmo usual do texto de Allen se perde em repetições e “bifes” – falas adicionais, não tão imprescindíveis à história – que não chegam a divertir tanto. Com isso, o filme oscila em seu ritmo.
O roteiro se baseia em arquétipos que representam várias dualidades, seja entre homem e mulher ou entre cientificismo e misticismo, respectivamente, o qual pretende discutir. E assim, no meio desse debate que o longa propõe, Woody Allen fala, direta e indiretamente, sobre a necessidade humana de, às vezes, abandonar a lógica e crer em uma fantasia para suportar a dureza e os infortúnios da vida.
No fim, percebe-se que “Magia ao Luar” é também uma obra sobre o próprio cinema e como a ilusão por ele criada é necessária a todos. Contudo, acreditar nesta magia dependerá, não só do conhecido mágico, mas também do espírito do espectador.

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