Afinal candidato a presidente da República, Aécio Neves sequer era conhecido em todo o país.
Por David Paiva*
Perdoem essa falta de jeito, essas palavras de duplo sentido, mas não achei outras. Dirijo-me à distância ao ainda candidato Aécio Neves. "Ainda candidato" podem não ser também as melhores palavras, porque, nas conversas reservadas, ele talvez já admita que na vida real não o é mais, ou já pergunte aos mais próximos: "candidato a quê?" Ou pode até acreditar que vai vencer.
O fato é que, candidato a algum cargo público ou não, Aécio merece descansar logo depois das eleições. É possível até que mereça um ano sabático inteiro, numa aldeia montanhesa do Tibete, na Patagônia ou em Fernando de Noronha – ignoro seus gostos pessoais. Seja onde for, que o lugar lhe permita um reencontro interior e franco entre os vários Aécios Neves.
Fazer bobagens é estafante. Aécio Neves, antes de ser político, era um jovem. Agora com cinquenta e poucos anos, continua jovem. Mas, começando muito cedo a carreira política – carreira perfeitamente convencional –, aprendeu a ser velho quase ao mesmo tempo. Tornou-se o velho político mais jovem do país. Isso não se confunde necessariamente com político nocivo, malfeitor, um outro Collor, digamos. Mas equivale a político contido, que abafa sob o convencional os impulsos inovadores, como se julgasse impróprio sair de casa sem colete.
O jovem Aécio Neves foi eleito deputado federal pouco depois da morte do avô. Tinha 26 anos e foi o parlamentar mais votado de Minas, em 1986. Com sua votação, sua ascendência e sua idade, era natural que surgisse como força renovadora dos hábitos políticos de Minas, um estado de tradicionais lideranças conservadoras. Uma boa sacudida no conservadorismo mineiro, arejando esse centro de equilíbrio do Brasil, seria decisiva para a qualidade do Congresso e a afirmação de um polo de avanço social, político e cultural. Àquela altura, estava aberta a temporada de inovações, uma vez encerrada a dura experiência do autoritarismo, vindo como recurso para manter as crianças bem-comportadas.
Aécio revelou-se um hábil parlamentar. Ouvi de um antigo deputado, que convivera com ele no congresso, uma avaliação que o situava entre os melhores congressistas da história brasileira. Não duvido. Mas nada havia de novo no jovem Aécio: políticos de talento, as chamadas raposas, especializados justamente na costura e desmanche do intricado jogo da política, são um dos produtos mais antigos e característicos de Minas Gerais. Até o discurso de Aécio, sua visão e seu vocabulário exibidos em milhares de entrevistas de TV, revelava a presença de um político mineiro tradicional.
Como governador de Minas, o jovem Aécio fez alianças com o Aécio do Partido Republicano Mineiro, pré-revolução de1930, o coronel Aécio. Houve dezenas de denúncias de pressão do governo estadual contra jornalistas e publicações, a ponto de chamar atenção de comentaristas de outros estados o fato de não existir em Minas imprensa de oposição. O volume de propaganda oficial – essa perversão da política no Brasil – nada ficou a dever aos piores casos, como o governo Newton Cardoso.
Até a construção da Cidade Administrativa, que reúne todo o governo mineiro em quatro prédios no terreno de um antigo hipódromo, uma das obras mais festejadas do governador Aécio, traz a marca do político preso ao ritual: o projeto é assinado por Oscar Niemeyer. Quer dizer: é puro déjà-vu. Quando Juscelino Kubitschek o descobriu como arquiteto do poder, Oscar oferecia novidades, ainda que discutíveis. Já o arquiteto de Aécio, setenta anos depois, era apenas o homem que copiava.
Afinal candidato a presidente da República, o ex-governador de um dos maiores estados brasileiros, senador, líder da oposição a um governo fracassado (segundo ele), um jovem com tanta riqueza genealógica, sequer era conhecido em todo o país. Na campanha, suas propostas são encabeças por um grande sonho popular: "regras estáveis e previsíveis". Aos mineiros, prometeu Pimenta da Veiga; e a todos os brasileiros, como a cereja do bolo, prometeu Armínio Fraga. Era previsível que Aécio precisasse descansar.
Perdoem essa falta de jeito, essas palavras de duplo sentido, mas não achei outras. Dirijo-me à distância ao ainda candidato Aécio Neves. "Ainda candidato" podem não ser também as melhores palavras, porque, nas conversas reservadas, ele talvez já admita que na vida real não o é mais, ou já pergunte aos mais próximos: "candidato a quê?" Ou pode até acreditar que vai vencer.
O fato é que, candidato a algum cargo público ou não, Aécio merece descansar logo depois das eleições. É possível até que mereça um ano sabático inteiro, numa aldeia montanhesa do Tibete, na Patagônia ou em Fernando de Noronha – ignoro seus gostos pessoais. Seja onde for, que o lugar lhe permita um reencontro interior e franco entre os vários Aécios Neves.
Fazer bobagens é estafante. Aécio Neves, antes de ser político, era um jovem. Agora com cinquenta e poucos anos, continua jovem. Mas, começando muito cedo a carreira política – carreira perfeitamente convencional –, aprendeu a ser velho quase ao mesmo tempo. Tornou-se o velho político mais jovem do país. Isso não se confunde necessariamente com político nocivo, malfeitor, um outro Collor, digamos. Mas equivale a político contido, que abafa sob o convencional os impulsos inovadores, como se julgasse impróprio sair de casa sem colete.
O jovem Aécio Neves foi eleito deputado federal pouco depois da morte do avô. Tinha 26 anos e foi o parlamentar mais votado de Minas, em 1986. Com sua votação, sua ascendência e sua idade, era natural que surgisse como força renovadora dos hábitos políticos de Minas, um estado de tradicionais lideranças conservadoras. Uma boa sacudida no conservadorismo mineiro, arejando esse centro de equilíbrio do Brasil, seria decisiva para a qualidade do Congresso e a afirmação de um polo de avanço social, político e cultural. Àquela altura, estava aberta a temporada de inovações, uma vez encerrada a dura experiência do autoritarismo, vindo como recurso para manter as crianças bem-comportadas.
Aécio revelou-se um hábil parlamentar. Ouvi de um antigo deputado, que convivera com ele no congresso, uma avaliação que o situava entre os melhores congressistas da história brasileira. Não duvido. Mas nada havia de novo no jovem Aécio: políticos de talento, as chamadas raposas, especializados justamente na costura e desmanche do intricado jogo da política, são um dos produtos mais antigos e característicos de Minas Gerais. Até o discurso de Aécio, sua visão e seu vocabulário exibidos em milhares de entrevistas de TV, revelava a presença de um político mineiro tradicional.
Como governador de Minas, o jovem Aécio fez alianças com o Aécio do Partido Republicano Mineiro, pré-revolução de1930, o coronel Aécio. Houve dezenas de denúncias de pressão do governo estadual contra jornalistas e publicações, a ponto de chamar atenção de comentaristas de outros estados o fato de não existir em Minas imprensa de oposição. O volume de propaganda oficial – essa perversão da política no Brasil – nada ficou a dever aos piores casos, como o governo Newton Cardoso.
Até a construção da Cidade Administrativa, que reúne todo o governo mineiro em quatro prédios no terreno de um antigo hipódromo, uma das obras mais festejadas do governador Aécio, traz a marca do político preso ao ritual: o projeto é assinado por Oscar Niemeyer. Quer dizer: é puro déjà-vu. Quando Juscelino Kubitschek o descobriu como arquiteto do poder, Oscar oferecia novidades, ainda que discutíveis. Já o arquiteto de Aécio, setenta anos depois, era apenas o homem que copiava.
Afinal candidato a presidente da República, o ex-governador de um dos maiores estados brasileiros, senador, líder da oposição a um governo fracassado (segundo ele), um jovem com tanta riqueza genealógica, sequer era conhecido em todo o país. Na campanha, suas propostas são encabeças por um grande sonho popular: "regras estáveis e previsíveis". Aos mineiros, prometeu Pimenta da Veiga; e a todos os brasileiros, como a cereja do bolo, prometeu Armínio Fraga. Era previsível que Aécio precisasse descansar.
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é autor do livro "Memórias dos ‘abitantes’ de Paris".
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