sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Um grito pelo ser humano

Gilmar P. da Silva SJ*
Se você ri muito é porque é superficial. Se gosta de comer é porque é ansioso. Se não gosta de política é porque não entende. Se não gosta de determinados filmes, obras de arte ou áreas de conhecimento humano é porque não se deixou afetar por nada disso. Não concorda? Isso é resistência em admitir os próprios limites. Caiba na caixinha. Quem você pensa que é para querer fugir a previsibilidade ou não querer caber nos conceitos estabelecidos por seja lá quem for?

Virginiano com ascendente em Sagitário! Isso diz muito! Por isso você é assim e não foge à regra. Segundo Jung, você é do tipo Extroversão, Intuição, Pensamento e Percepção. Já dá para saber onde se encaixará melhor na empresa. Todo mundo sabe que você não vai dar conta disso. Um tipo 7 do Eneagrama não consegue fazer de tal coisa. E se nada disso corresponder ao seu caso, não ache que as teorias estão erradas. Há sempre uma hipótese ad hoc para sustenta-las.

É preciso definir, estabelecer regras que possam garantir previsibilidade sobre qualquer ação. Conhecendo os mecanismos do funcionamento humano, pode-se antecipar às suas ações e, desse modo, assegurar-se de que a pessoa não fará nada de prejudicial. Se conhecimento é poder, definir as pessoas e reduzi-las a uma tipologia, conceito ou ideia pode ser uma tentativa de dominação ou, ao menos, de ter uma segurança em relação a elas, de mantê-las sobre controle.

Olhar para o indivíduo em sua peculiaridade, aceitar a diferença, assimilar a complexidade da vida que ultrapassa qualquer sistema teórico pode não ser tão fácil. Talvez haja na base de tudo isso uma negação da humanidade. Na história, há muitos exemplos de tentativas de fazer com que o homem caiba na ideia que se pré-estabelece sobre ele. É daí que vem muitas posturas castradoras, disciplinares e punitivas, do não enquadramento da vida à ao conceito. Em vez de se mudar a ideia, quer-se violentar a vida.

De Portinari a Miséria Fashion

Um pintor que volta seu olhar grandemente ao homem é Candido Portinari. A ênfase na humanidade se dá tanto no lirismo das imagens que remontam sua infância em Brodowski, como na contestadora temática social que desenvolve. Ainda que se trate de um painel cuja temática aparente é a natureza, como acontece com “As quatro estações”, pode-se vislumbrar o ser humano. No mural, a constância de trevos contrastando com o movimento livre das linhas, por exemplo, pode remontar a imbricação de temporalidade e infinitude que compõe o homem. Mesmo a obra “Civilização Mineira” talvez não fale tanto de progresso como se possa imaginar.

Na casa Fiat há a mostra “Recosturando Portinari”, cujo curador, Ronaldo Fraga, busca recompor o processo de restauração da peça “Civilização Mineira” e, desse modo, ajudar o visitante a entrar na obra do pintor. O único pecado da exposição talvez seja aquilo que Ronaldo faz de melhor. O curador e também estilista criou uma coleção para a moda verão 2015, “O caderno secreto de Cândido Portinari”, que pode ser conferida na mostra. As roupas são fantásticas! Contudo, esvaziam o sentido da arte na qual se inspiram. A dor da itinerância dos Retirantes não combina com o glamour do desfile que aconteceu no dia 02 de Abril na SPFW. A dor humana é ocultada pelo brilho das passarelas. Ainda que valha a pena ir à mostra, cabe lembrar, ao estar lá, que a miséria não é fashion.

Serviço

Recosturando Portinari na Casa Fiat de Cultura, por Ronaldo Fraga
De 26 de agosto a 26 de outubro de 2014.
Visitação: 3ª a 6ª das 10h às 21h | sábados, domingos e feriados das 10h às 18h.
Entrada gratuita    .

*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

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