Seu Reino não é uma dívida, mas um dom. E como todo presente, é para ser apreciado e conservado.
Por Marcel Domergue*
Comparando o Evangelho de hoje com o texto de Isaías (1ª leitura), constatamos que Jesus retoma quase exatamente a cena descrita pelo profeta. Nos dois textos, um homem possui uma vinha e cuida dela com amor. O que isto quer dizer? O que representa o dono da vinha e a própria vinha? Claro que o "amigo" da primeira leitura é o próprio Deus, que não só possui a vinha, mas também a faz existir e dá a ela todo o necessário para que dê frutos. Já a vinha pode representar várias realidades.
Nessa leitura, trata-se da "casa de Israel", o povo que Deus fundou, escolheu, acompanhou, cuidou e alimentou por toda a sua história. E este povo, que foi arrancado da escravidão, perverteu-se ao longo do tempo. O profeta prevê a sua ruína. Este esquema é por assim dizer universal e aplicável a qualquer decadência (ver versículo 7). Israel, o povo testemunha, põe em cena aos olhos de todos e em sua própria história a parábola do drama vivido por todas as sociedades que zombam "do direito e da justiça" (versículo 7).
Outros textos irão falar da restauração de Israel. No longo prazo, não podemos subsistir se não "produzimos frutos" para alimentar os que são derrubados pela fome e esmagados pela injustiça. Os versículos que seguem a este texto de Isaías traduzem esta "injustiça" como sendo a corrida à riqueza e à vontade de poder.
Dar graças a Deus
O nosso evangelho pretende também recapitular a história do Povo de Deus. Mas, depois de descrever uma cena idêntica (os cuidados dispensados à vinha), a paisagem se modifica. Eis que agora aparecem personagens que estavam ausentes em Isaías: os vinhateiros. Da mesma forma que em Gênesis 1,28-31, Deus confia aos homens o mundo que havia criado. Logo após, Ele se vai. E esta ausência de Deus deixa aos homens a responsabilidade de dominar o mundo, explorá-lo, domesticar as suas nocividades e fazê-lo produzir frutos. Por aí é que o homem se faz livremente "imagem e semelhança de Deus", aproximando-se também do seu repouso do sétimo dia.
Conforme todo dia podemos constatar, se Deus se ausentou é porque, dali em diante, será pelo homem e no homem que Ele se fará presente. Mas uma questão se põe: será que podemos comparar Deus a um proprietário que põe os empregados a trabalhar e que, no final, exige deles um preço pelos frutos que produziram? Bom, nesta parábola a questão não é de salário. E nem podemos lê-la na lógica do empregador e do assalariado, tal como a conhecemos. Aqui, os frutos todos pertencem ao Senhor! Será um egoísmo divino? O que Deus exige de nós? Uma só coisa: o reconhecimento, no sentido forte do termo. Ou seja, que entremos no universo da reciprocidade, do intercâmbio e da doação mútua. Não podemos trancar-nos no mundo que nos foi dado; temos de, a partir dele, voltarmos à Origem.
Uma história que sempre recomeça
Trata-se, pois, novamente, de estabelecermos uma relação verdadeira com quem nos faz produzir frutos. Porque, ao contrário do texto de Isaías, a vinha da parábola produz frutos. Significa não monopolizá-los, não nos fecharmos neles. De fato, a tentação de apoderar-se, de tomar posse, conduz diretamente ao contrário da verdadeira relação, ou seja, à violência. Vem daí a enumeração das brutalidades exercidas pelos vinhateiros contra os enviados do Senhor.
Lembremos que Gênesis inicia a história humana fora do paraíso por um assassinato: o de Abel por Caim. E se este assassinato deveu-se a uma rivalidade, a rivalidade é onipresente; nos escritórios, nas oficinas, nas empresas, entre os políticos… Por isso a história bíblica está marcada pelos conflitos dos irmãos inimigos: Jacó e Esaú, Davi e Saul, Israel e Judá, judeus e pagãos.
Até ouvirmos Paulo afirmar que "não há mais Judeu nem Grego", foi preciso esperar o assassinato do Filho. Os irmãos inimigos puseram-se de acordo, primeiro, para matar o Filho; depois, para "olhar para aquele que traspassaram". A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular (versículos 42-43). A pedra angular de uma nova casa, de um novo povo.
É preciso compreender que estamos aqui num sobrevoo da história de Israel. Mas não só, é um sobrevoo também da história de toda a humanidade. E seria um erro acreditar que isto tudo seria coisa do passado: o mistério da recusa do Filho não cessa de estar sempre recomeçando na história de todos e de cada um de nós. Temos inumeráveis maneiras de matar em nós o Filho de Deus: sentimentos de superioridade, palavras enganosas, hipocrisias diversas. Mas Ele, a Palavra primeira, é que terá em nós e no mundo a última palavra.
Comparando o Evangelho de hoje com o texto de Isaías (1ª leitura), constatamos que Jesus retoma quase exatamente a cena descrita pelo profeta. Nos dois textos, um homem possui uma vinha e cuida dela com amor. O que isto quer dizer? O que representa o dono da vinha e a própria vinha? Claro que o "amigo" da primeira leitura é o próprio Deus, que não só possui a vinha, mas também a faz existir e dá a ela todo o necessário para que dê frutos. Já a vinha pode representar várias realidades.
Nessa leitura, trata-se da "casa de Israel", o povo que Deus fundou, escolheu, acompanhou, cuidou e alimentou por toda a sua história. E este povo, que foi arrancado da escravidão, perverteu-se ao longo do tempo. O profeta prevê a sua ruína. Este esquema é por assim dizer universal e aplicável a qualquer decadência (ver versículo 7). Israel, o povo testemunha, põe em cena aos olhos de todos e em sua própria história a parábola do drama vivido por todas as sociedades que zombam "do direito e da justiça" (versículo 7).
Outros textos irão falar da restauração de Israel. No longo prazo, não podemos subsistir se não "produzimos frutos" para alimentar os que são derrubados pela fome e esmagados pela injustiça. Os versículos que seguem a este texto de Isaías traduzem esta "injustiça" como sendo a corrida à riqueza e à vontade de poder.
Dar graças a Deus
O nosso evangelho pretende também recapitular a história do Povo de Deus. Mas, depois de descrever uma cena idêntica (os cuidados dispensados à vinha), a paisagem se modifica. Eis que agora aparecem personagens que estavam ausentes em Isaías: os vinhateiros. Da mesma forma que em Gênesis 1,28-31, Deus confia aos homens o mundo que havia criado. Logo após, Ele se vai. E esta ausência de Deus deixa aos homens a responsabilidade de dominar o mundo, explorá-lo, domesticar as suas nocividades e fazê-lo produzir frutos. Por aí é que o homem se faz livremente "imagem e semelhança de Deus", aproximando-se também do seu repouso do sétimo dia.
Conforme todo dia podemos constatar, se Deus se ausentou é porque, dali em diante, será pelo homem e no homem que Ele se fará presente. Mas uma questão se põe: será que podemos comparar Deus a um proprietário que põe os empregados a trabalhar e que, no final, exige deles um preço pelos frutos que produziram? Bom, nesta parábola a questão não é de salário. E nem podemos lê-la na lógica do empregador e do assalariado, tal como a conhecemos. Aqui, os frutos todos pertencem ao Senhor! Será um egoísmo divino? O que Deus exige de nós? Uma só coisa: o reconhecimento, no sentido forte do termo. Ou seja, que entremos no universo da reciprocidade, do intercâmbio e da doação mútua. Não podemos trancar-nos no mundo que nos foi dado; temos de, a partir dele, voltarmos à Origem.
Uma história que sempre recomeça
Trata-se, pois, novamente, de estabelecermos uma relação verdadeira com quem nos faz produzir frutos. Porque, ao contrário do texto de Isaías, a vinha da parábola produz frutos. Significa não monopolizá-los, não nos fecharmos neles. De fato, a tentação de apoderar-se, de tomar posse, conduz diretamente ao contrário da verdadeira relação, ou seja, à violência. Vem daí a enumeração das brutalidades exercidas pelos vinhateiros contra os enviados do Senhor.
Lembremos que Gênesis inicia a história humana fora do paraíso por um assassinato: o de Abel por Caim. E se este assassinato deveu-se a uma rivalidade, a rivalidade é onipresente; nos escritórios, nas oficinas, nas empresas, entre os políticos… Por isso a história bíblica está marcada pelos conflitos dos irmãos inimigos: Jacó e Esaú, Davi e Saul, Israel e Judá, judeus e pagãos.
Até ouvirmos Paulo afirmar que "não há mais Judeu nem Grego", foi preciso esperar o assassinato do Filho. Os irmãos inimigos puseram-se de acordo, primeiro, para matar o Filho; depois, para "olhar para aquele que traspassaram". A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular (versículos 42-43). A pedra angular de uma nova casa, de um novo povo.
É preciso compreender que estamos aqui num sobrevoo da história de Israel. Mas não só, é um sobrevoo também da história de toda a humanidade. E seria um erro acreditar que isto tudo seria coisa do passado: o mistério da recusa do Filho não cessa de estar sempre recomeçando na história de todos e de cada um de nós. Temos inumeráveis maneiras de matar em nós o Filho de Deus: sentimentos de superioridade, palavras enganosas, hipocrisias diversas. Mas Ele, a Palavra primeira, é que terá em nós e no mundo a última palavra.
Croire
*Marcel Domergue é sacerdote jesuíta. O texto é baseado na leitura do 27º Domingo do Tempo Comum (05 de outubro de 2014). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
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