terça-feira, 11 de novembro de 2014

Riqueza sem trabalhadores

11/11/2014  |  domtotal.com

Revolução digital promove a desagregação e a divisão do mundo do trabalho em escala sem precedentes.

Por Flávio Saliba*

"Riqueza sem trabalhadores, trabalhadores sem riqueza" é o título da matéria publicada na primeira semana de outubro pela "The Economist" sobre os efeitos perversos da revolução digital. O artigo não teria maior interesse, não fosse o fato de ele retomar o tema da crescente ampliação das desigualdades sociais que, por seu viés marxista, foi solenemente ignorado por economistas e elites governantes. Estes argumentam que o desemprego setorial provocado pela revolução tecnológica seria facilmente sanado pela reabsorção do desempregado em outros setores da economia, notadamente no setor de serviços, que tende a crescer nas economias maduras.

Acontece que, na realidade, a coisa é bem diferente. No artigo acima mencionado, argumenta-se que a revolução digital tem promovido a desagregação e a divisão do mundo do trabalho numa escala sem precedentes. Uma enorme riqueza tem sido criada sem muitos trabalhadores e, a não ser para uma pequena elite, o trabalho nao garante a elevação da renda.

As rendas dos altamente educados - aqueles com maiores habilidades para interagir com os computadores - vem aumentando, enquanto que a dos trabalhadores não qualificados vêm sendo reduzidas. Na metade dos países integrantes da OCDE, os salários reais médios encontram-se estagnados desde o ano 2000 e países como a Alemanha e a Inglaterra, onde o emprego cresce a níveis decentes, estão entre aqueles onde os salários foram mais achatados.

O artigo alinha um conjunto de razões para afirmar que, nos próximos anos, tal ruptura será sentida em mais regiões e por mais pessoas. Com a emergência da máquina inteligente, mais trabalhadores terão seus empregos ameaçados, desta feita os mais qualificados, como auditores, radiologistas, pesquisadores e professores que começam a competir com as máquinas. Empreendedores podem transformar suas ideias em firmas altamente rentáveis com equipes extremamente reduzidas.

O artigo em pauta analisa a realidade de países desenvolvidos, embora conclua que a transformação digital está minando a rota tradicional dos países pobres para promover o crescimento econômico. Como argumenta Manuel Castells, a tecnologia de informação não é senão o acúmulo de conhecimento baseado na manipulaçao de simbolos e, como tal, as populações pouco escolarizadas destes países enfrentariam obstáculos na sua plena utilização.

Aliás, não é à toa que a economia brasileira se recente da falta de mão de obra especializada nesta area. Países como o Brasil não podem abrir mão da tecnologia de ponta, sem a qual jamais terão uma economia competitiva e, ao mesmo tempo, gerar os empregos  para a imensa maioria dos trabalhadores pouco qualificados. Se é verdade que a renda destes últimos tem sido "artificialmente" elevada, através de programas como o Bolsa Família, tambem é verdade que a indústria nacional vem sendo sucateada e se mostrando incapaz de gerar os empregos necessários.  A revolução digital tornou a indústria tradicional antieconômica. Ainda assim, a melhor coisa que os governos podem fazer é elevar a produtividade e a empregabilidade dos trabalhadores menos qualificados.
*Flávio Saliba é formado em Ciências Sociais pela UFMG (1968), Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris (1980), Pós-doutorado na Berkeley University (1994), Professor de Sociologia da UFMG. Livros publicados: 'O diálogo dos clássicos: divisão do trabalho e modernidade na Sociologia' (Ed. C/Arte, BH, 2004), 'História e Sociologia' (Ed. Autêntica, BH, 2007). Vários artigos publicados em revistas e jornais nacionais.

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