15/11/2014 | domtotal.com
Deus nos pede apenas em função do que cada um é capaz de oferecer.
Por Marcel Domergue*
Esta parábola dos talentos é bem conhecida. Limitemo-nos aqui a algumas linhas de força apenas. Primeiro, notemos que o patrão, ao confiar seu dinheiro aos empregados, não lhes deu qualquer orientação quanto ao que fazer com ele. Não lhes disse para fazê-lo frutificar. Caberia a eles inventá-lo. Isto nos faz pensar no Decálogo: depois de nos dizer para amar, ele não precisa quais condutas devam concretizar este amor. Somente enumera as que nos fariam sair fora dele.
De fato, amor não é coisa que se possa mandar. Não pode vir do exterior, só pode nascer de dentro de nós mesmos. O terceiro empregado não se viu repreendido pelo que fez, mas pelo que deixou de fazer. Antigamente, ouvíamos às vezes de alguém que vinha confessar os seus pecados: "Não matei, não roubei, não vejo em que possa ter pecado". Deveria lembrar-se do que diz Jesus na parábola que vem em seguida a esta (25,31-46): "Tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber; era um forasteiro e não me acolhestes…"
É, sobretudo, pelo bem que deixamos de fazer que podemos medir o valor das nossas vidas. Em Lucas 16,19-31, o rico sem nome foi condenado não porque tivesse feito lautos banquetes, mas porque sequer viu o pobre Lázaro estendido faminto à sua porta. Cabe a nós, à luz destas palavras, rever o que acontece em nossas vidas e em nossas sociedades.
Uma falsa imagem de Deus
Por que este terceiro empregado deixou de fazer frutificar o que havia recebido? Ele mesmo o diz: «Sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. (…) Fiquei com medo.» Genesis 3 já nos dizia em linguagem mítica que vivemos sob o regime de uma falsa imagem de Deus. O homem vê Deus como mentiroso: Ele vos disse que se comerdes deste fruto morrereis, mas não é verdade. Ao contrário, vos tornareis como Deuses… E também como avaro: se Ele vos mente, é porque não quer vos dar a sua própria natureza divina. Para traduzir este mito, podemos dizer que para nós é mais fácil ver Deus como um senhor exigente, um inspetor minucioso e formalista que não deixa passar nada: um juiz impiedoso. Em resumo, não vemos Deus “tal como ele é” (cf. 1 João 3,1-2).
Notemos que é deste Deus desfigurado que, em Gênesis 3, o homem quer se tornar imagem ("Sereis como Deuses…"). É uma tentativa impossível, porque escolher tornar-se semelhante a um Deus que não existe é escolher o nada. O nada é improdutivo e é isto provavelmente que impede o terceiro empregado de produzir frutos. No fundo, ele viu o Senhor conforme aquilo que ele mesmo é, servidor, e - aqui algo que pode nos surpreender - o Senhor, por sua vez, vai se conformar à imagem que este homem se faz d’Ele. Somos nós que medimos a generosidade de Deus para conosco: Ele tem necessidade da nossa permissão para poder nos amar.
A fecundidade do amor
Os dois primeiros empregados fizeram frutificar os talentos que lhes foram confiados. Temos, portanto, agora, algo novo que não estava ali de início: o fruto do seu trabalho. Assim também somos chamados a fazer surgir o novo: somos, como se diz, criaturas de Deus. Ora, tudo o que Deus criou, sendo a sua imagem, é também criador. Isto se verifica na matéria, nos viventes e culmina com os homens. Entre estes, o novo advém sem cessar. E não devemos ter medo do que a ciência e a técnica fazem sair da inteligência e das mãos dos homens. Mesmo que isto se revele cada vez mais como necessidade de dominar e sujeitar a nossa faculdade de inventar e produzir.
Mas por que Jesus apresentou dois servidores produtivos em sua parábola? Um só já seria o suficiente, parece, para mostrar o bom em oposição ao mau. Ele quer sem dúvida nos tranquilizar, se a nossa fecundidade não é assim tão extraordinária. Cada um é chamado a produzir frutos conforme o que recebeu, conforme o que a vida lhe deu. A árvore que não dá frutos é uma árvore morta, sem posteridade, quer dizer, sem futuro. Os que se sentem arbustos mirrados não devem se preocupar. O que nos é pedido é crer no amor que nos traz a fecundidade. Expandir este amor; deixar-nos atravessar por ele, para que ele atinja os outros: é isto o que multiplica os talentos que temos recebido.
Esta parábola dos talentos é bem conhecida. Limitemo-nos aqui a algumas linhas de força apenas. Primeiro, notemos que o patrão, ao confiar seu dinheiro aos empregados, não lhes deu qualquer orientação quanto ao que fazer com ele. Não lhes disse para fazê-lo frutificar. Caberia a eles inventá-lo. Isto nos faz pensar no Decálogo: depois de nos dizer para amar, ele não precisa quais condutas devam concretizar este amor. Somente enumera as que nos fariam sair fora dele.
De fato, amor não é coisa que se possa mandar. Não pode vir do exterior, só pode nascer de dentro de nós mesmos. O terceiro empregado não se viu repreendido pelo que fez, mas pelo que deixou de fazer. Antigamente, ouvíamos às vezes de alguém que vinha confessar os seus pecados: "Não matei, não roubei, não vejo em que possa ter pecado". Deveria lembrar-se do que diz Jesus na parábola que vem em seguida a esta (25,31-46): "Tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber; era um forasteiro e não me acolhestes…"
É, sobretudo, pelo bem que deixamos de fazer que podemos medir o valor das nossas vidas. Em Lucas 16,19-31, o rico sem nome foi condenado não porque tivesse feito lautos banquetes, mas porque sequer viu o pobre Lázaro estendido faminto à sua porta. Cabe a nós, à luz destas palavras, rever o que acontece em nossas vidas e em nossas sociedades.
Uma falsa imagem de Deus
Por que este terceiro empregado deixou de fazer frutificar o que havia recebido? Ele mesmo o diz: «Sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. (…) Fiquei com medo.» Genesis 3 já nos dizia em linguagem mítica que vivemos sob o regime de uma falsa imagem de Deus. O homem vê Deus como mentiroso: Ele vos disse que se comerdes deste fruto morrereis, mas não é verdade. Ao contrário, vos tornareis como Deuses… E também como avaro: se Ele vos mente, é porque não quer vos dar a sua própria natureza divina. Para traduzir este mito, podemos dizer que para nós é mais fácil ver Deus como um senhor exigente, um inspetor minucioso e formalista que não deixa passar nada: um juiz impiedoso. Em resumo, não vemos Deus “tal como ele é” (cf. 1 João 3,1-2).
Notemos que é deste Deus desfigurado que, em Gênesis 3, o homem quer se tornar imagem ("Sereis como Deuses…"). É uma tentativa impossível, porque escolher tornar-se semelhante a um Deus que não existe é escolher o nada. O nada é improdutivo e é isto provavelmente que impede o terceiro empregado de produzir frutos. No fundo, ele viu o Senhor conforme aquilo que ele mesmo é, servidor, e - aqui algo que pode nos surpreender - o Senhor, por sua vez, vai se conformar à imagem que este homem se faz d’Ele. Somos nós que medimos a generosidade de Deus para conosco: Ele tem necessidade da nossa permissão para poder nos amar.
A fecundidade do amor
Os dois primeiros empregados fizeram frutificar os talentos que lhes foram confiados. Temos, portanto, agora, algo novo que não estava ali de início: o fruto do seu trabalho. Assim também somos chamados a fazer surgir o novo: somos, como se diz, criaturas de Deus. Ora, tudo o que Deus criou, sendo a sua imagem, é também criador. Isto se verifica na matéria, nos viventes e culmina com os homens. Entre estes, o novo advém sem cessar. E não devemos ter medo do que a ciência e a técnica fazem sair da inteligência e das mãos dos homens. Mesmo que isto se revele cada vez mais como necessidade de dominar e sujeitar a nossa faculdade de inventar e produzir.
Mas por que Jesus apresentou dois servidores produtivos em sua parábola? Um só já seria o suficiente, parece, para mostrar o bom em oposição ao mau. Ele quer sem dúvida nos tranquilizar, se a nossa fecundidade não é assim tão extraordinária. Cada um é chamado a produzir frutos conforme o que recebeu, conforme o que a vida lhe deu. A árvore que não dá frutos é uma árvore morta, sem posteridade, quer dizer, sem futuro. Os que se sentem arbustos mirrados não devem se preocupar. O que nos é pedido é crer no amor que nos traz a fecundidade. Expandir este amor; deixar-nos atravessar por ele, para que ele atinja os outros: é isto o que multiplica os talentos que temos recebido.
Croire
*Marcel Domergue é sacerdote jesuíta. O texto é baseado nas leituras do Domingo 14º do Tempo Comum (16 de novembro de 2014). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
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