5/11/2014 | domtotal.com
Se a maioria dos cristãos aceitaram as parábolas como alegorias,os ouvintes judeus de Jesus certamente não.
Anos atrás, em um curso de literatura que eu dei em uma faculdade comunitária, comecei uma discussão sobre "O Filho Pródigo", leitura que aparece no primeiro capítulo da antologia Structure, Sound, and Sense. Minha turma da noite era formada, principalmente, por mulheres de meia-idade, da classe trabalhadora, normalmente, uma turma muito empenhada e participativa, o que me dava grande satisfação, porque eu sabia que pelo menos metade dos alunos iria diretamente da aula para os seus trabalhos de limpeza em escritórios, no acompanhamento a pacientes em asilos locais. Mas, antes que eu pudesse levantar tais questões formais como trama, caracterização, estrutura e ironia, um aluno disse: "Isso não é ficção, é a verdade".
Atordoado com o silêncio constrangedor, eu reconheci que estava forçando meus alunos a abandonar a sua leitura habitual e reverente da Sagrada Escritura, e a redescobrir "O Filho Pródigo" como uma mera história.
Por mais provocativa como essa leitura secularizada pode ter sido aos meus alunos, a discussão finalmente chegou a uma lição fundamental: a de que esta, como todas as parábolas de Jesus, é uma alegoria - uma narrativa simbólica - em que, na minha leitura, pelo menos, o pai representa Deus sempre misericordioso e clemente, e os dois filhos representam maneiras em que os filhos de Deus podem se extraviar. Inicialmente assustados, meus alunos acabaram confortados pela direção da discussão: A história tinha sido domada, e sua interpretação original, validada.
Mas eu não tinha considerado uma forma ainda mais desafiadora da leitura: o que acontece quando lemos essa parábola literalmente, abandonando o esforço tradicional de alegorizar? E se o pai e os filhos são apenas isso, e o pai, que parece exagerar em seu esforço para fornecer ao filho mais novo uma recepção pródiga, é verdadeiramente um esbanjador? E se essa parábola, e todas essas histórias que Jesus conta aos seus discípulos, não se destina a confirmar nossos preconceitos e a reforçar a doutrina cristã tradicional, mas sim a provocar, a incomodar e a nos obrigar a questionar nossas suposições?
Essas são as perguntas que Amy-Jill Levine coloca no livro Short Stories by Jesus. Levine, professora de Novo Testamento e Estudos Judaicos da Vanderbilt University, nos desafia a reler as parábolas e a resistir às interpretações tradicionais (incluindo as contextualizações dos próprios evangelistas) que "domesticam" essas histórias e moderam o seu impacto pretendido. É somente quando abrimos esses textos à reinterpretação é que podemos recuperar as lições difíceis, às vezes perturbadoras, ainda profundamente relevantes de Jesus.
A análise minuciosa de Levine não apenas libera as parábolas de suas leituras habituais, mas também argumenta de forma convincente que as parábolas são gloriosamente abertas, impossíveis de definir e, portanto, textos vivos e vibrantes.
Se a maioria dos leitores cristãos aceitaram as parábolas como alegorias de consolação, os ouvintes judeus de Jesus certamente não o fizeram. O argumento de Levine repousa sobre sua afirmação de que nós podemos abraçar o desafio das parábolas somente se nós as vermos em seu contexto original, e Levine se esforça para recuperar esse contexto e, assim, nos permite ler as parábolas e a missão de Jesus de formas não tradicionais . Os ouvintes judeus de Jesus não tinham uma alta estima pelos pastores, nem eles necessariamente desrespeitavam comerciantes, juízes e fariseus. Jesus e seus ouvintes judeus estavam preocupados não tanto com a vida após a morte, mas com suas vidas diárias, e as parábolas, lidas em seus contextos, revelam um rabino pragmático transmitindo lições práticas.
Os discípulos de Jesus entenderiam o dono da vinha não como um símbolo de Deus, mas como um proprietário de uma vinha, aquele que contrata todos os que precisam de trabalho e paga um salário mínimo a todos os trabalhadores, seja o primeiro ou o último contratado. Lendo dessa forma, argumenta Levine, tratamos as parábolas corretamente, como textos provocativos que nos desafiam a tratar os outros com justiça em nossas comunidades imediatas, "para agir como Deus age, com generosidade para com todos".
Mais importante ainda, quando lemos as parábolas de Jesus em seu contexto original, devemos abandonar o antissemitismo persistente e destrutivo de muitas interpretações tradicionais.
Por que, pergunta Levine continuamente, um rabino judeu contaria histórias antissemitas a um público de judeus? Como os judeus poderiam possivelmente aceitar, e ainda entender, uma lição que supostamente os rebaixa e glorifica os gentios? Levine analisa e rejeita as muitas interpretações das parábolas que esticam o significado para difamar e estereotipar os judeus, argumentando que Jesus não estava interessado em persuadir os judeus a abandonarem a sua fé, mas a viverem em paz e com amor, com todas as crenças. Como Reza Aslan faz em Zealot: The Life and Times of Jesus of Nazareth, Levine revela que, ao historicizar a vida e os ensinamentos de Jesus, minamos a base de séculos de ódio e opressão.
O livro de Levine é um híbrido fascinante. Por um lado, Short Stories of Jesus é um texto acadêmico que critica as leituras exegéticas tradicionais e contemporâneas de parábolas específicas, e depois se envolve na análise de quase linha por linha dessas parábolas, reconsiderando as traduções do grego, encontrando escrituras análogas e utilizando livremente vários textos rabínicos.
No entanto, o livro de Levine também é homilético, ao encorajar os leitores a aceitarem o desafio não só de uma leitura resistente das parábolas, mas também a aceitarem o desafio de viver nossos valores de acordo com o que essas novas leituras apresentam.
Por fim, ela também é uma leitura divertida, salpicada com referências à cultura pop e temperada com humor. Às vezes, os esforços de Levine para utilizar trocadilhos parecem minar o seu propósito mais sério, mas podemos perdoar uma piada como a que afirma que a parábola do fermento "deve obter um crescimento de seus ouvintes, mas, a fim de experimentar isso, precisamos limpar nossos paladares de ambas as interpretações brandas de pão branco e também das interpretações tóxicas" como uma pausa bem-vinda durante a prosa mais séria.
No geral, Short Stories of Jesus é um valioso trabalho de crítica que nos convida a reimaginar Jesus como um mestre que está preocupado com a vida e as condições de seus seguidores, não apenas com as condição de suas almas na vida após a morte. As parábolas, argumenta Levine, são sobre este mundo, e não sobre o outro, e nesse sentido elas têm muito a dizer sobre como "como viver em comunidade; como determinar o que importa em última análise, como viver a vida que Deus quer que vivamos".
National Catholic Reporter, 05-11-2014.
*Dennis McDaniel é professor adjunto e presidente do departamento de Inglês no St. Vincent College, Estados Unidos.
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