12/12/2014 | domtotal.com
São como empadinhas. À primeira vista, se assemelham a frases comuns, inofensivas. Aí você dá a mordida e – uau!
Por Fernando Fabbrini*
Na condição de um homem que ganhou a vida criando e escrevendo todo tipo de coisa, confesso uma frustração secreta: a de nunca ter assinado um único e mísero para-choque de caminhão. Seria um prazer especial ler alguma frase de minha autoria pintada na traseira de uma carreta, algo como "Levo o Scania no peito e a Jéssica no coração". Desde que o caminhoneiro não fizesse a besteira de inverter os objetos diretos, estaria aí minha contribuição para uma longa quilometragem de amor sincero.
Fechada essa possibilidade, trabalho atualmente numa nova frente: conceber, gerar e dar a luz a novos provérbios. Ah! Os provérbios me fascinam. São como empadinhas. À primeira vista, se assemelham a frases comuns, inofensivas. Aí você dá a mordida e – uau! – lá está a azeitona, a moral da história, a lição sutil. Grande arte ancestral essa de rechear sentenças. Mas, por enquanto, meus novos provérbios não passam de humildes protótipos. Ainda grosseiros, meus adágios exibem imperfeições, problemas de acabamento, folgas nos encaixes. Porém, continuo trabalhando neles, experimentando ajustes, lixando-os aqui e ali - aos sábados, quando me sobra tempo.
“O corpo dói porque o tempo rói”. Criei este e dediquei-o de imediato aos colegas nascidos em torno da metade do século passado. Volta e meia somos cutucados pelos otimistas com o irritante bordão “Ora, a velhice está é na cabeça da pessoa.” E eu retruco baixinho: “Sim, na cabeça e também nas juntas, no nervo ciático, nos cabelos brancos e na hiperplasia benigna da próstata”.
“Se queres a lã, cuida de teus carneiros.” Desconfio que este esboço de provérbio oculta uma lição profundamente sábia. Inventei-o há pouco, mas ainda não captei completamente a sua essência. É bucólico e primitivo. Usei a segunda pessoa de propósito para conferir ao dito um ar lusitano. Já tentei citá-lo como “um velho provérbio do Algarve”, mas a turma desconfia logo de meu sotaque falso e da cara dos carneiros, muito novinhos.
“Segurança só serve para segurar a gente.” Pelo menos para mim este já tem alguma utilidade. Lembro-me dele nas transições pessoais, quando a vida me convida para surfar e minha outra metade - aquela medrosa - se agarra desesperada na barraquinha da praia.
“Quem ama de coração merece todo o perdão.” Recém-saído da forma, é um dos meus favoritos. Primeiro, porque tem a rima, um ótimo ingrediente. Depois, porque fala de amor, um tema universal, e de perdão, eficiente bicarbonato contra mágoas indigestas. Ministrado em doses generosas, o perdão tem o efeito de um fortificante às avessas, amolecendo nossa alma, tornando-nos mais humanos, falíveis e tolerantes.
“Dinheiro tem preço.” Nasceu de um desabafo, de puro arrependimento por ter aceitado um trabalho chatíssimo de um cliente idem. Disse-o quase sem pensar, assim de repente. Não é verdade? Ás vezes, para ganharmos um, com muito esforço, gastamos dez em aborrecimentos de todo o tipo. Não vale a pena.
E assim prossigo, buscando inspiração naqueles fantásticos adágios de autoria da Vida, mestra pós-graduada em provérbios. Costumam surgir quando lançamos apelos angustiados ao Infinito. Perguntamos:
—Ó Vida, por que esse 'não'?
A Vida nos lança um olhar irônico e nos responde:
— “Tem 'não' que não tem 'porque'". Fique na sua, cara.
Na condição de um homem que ganhou a vida criando e escrevendo todo tipo de coisa, confesso uma frustração secreta: a de nunca ter assinado um único e mísero para-choque de caminhão. Seria um prazer especial ler alguma frase de minha autoria pintada na traseira de uma carreta, algo como "Levo o Scania no peito e a Jéssica no coração". Desde que o caminhoneiro não fizesse a besteira de inverter os objetos diretos, estaria aí minha contribuição para uma longa quilometragem de amor sincero.
Fechada essa possibilidade, trabalho atualmente numa nova frente: conceber, gerar e dar a luz a novos provérbios. Ah! Os provérbios me fascinam. São como empadinhas. À primeira vista, se assemelham a frases comuns, inofensivas. Aí você dá a mordida e – uau! – lá está a azeitona, a moral da história, a lição sutil. Grande arte ancestral essa de rechear sentenças. Mas, por enquanto, meus novos provérbios não passam de humildes protótipos. Ainda grosseiros, meus adágios exibem imperfeições, problemas de acabamento, folgas nos encaixes. Porém, continuo trabalhando neles, experimentando ajustes, lixando-os aqui e ali - aos sábados, quando me sobra tempo.
“O corpo dói porque o tempo rói”. Criei este e dediquei-o de imediato aos colegas nascidos em torno da metade do século passado. Volta e meia somos cutucados pelos otimistas com o irritante bordão “Ora, a velhice está é na cabeça da pessoa.” E eu retruco baixinho: “Sim, na cabeça e também nas juntas, no nervo ciático, nos cabelos brancos e na hiperplasia benigna da próstata”.
“Se queres a lã, cuida de teus carneiros.” Desconfio que este esboço de provérbio oculta uma lição profundamente sábia. Inventei-o há pouco, mas ainda não captei completamente a sua essência. É bucólico e primitivo. Usei a segunda pessoa de propósito para conferir ao dito um ar lusitano. Já tentei citá-lo como “um velho provérbio do Algarve”, mas a turma desconfia logo de meu sotaque falso e da cara dos carneiros, muito novinhos.
“Segurança só serve para segurar a gente.” Pelo menos para mim este já tem alguma utilidade. Lembro-me dele nas transições pessoais, quando a vida me convida para surfar e minha outra metade - aquela medrosa - se agarra desesperada na barraquinha da praia.
“Quem ama de coração merece todo o perdão.” Recém-saído da forma, é um dos meus favoritos. Primeiro, porque tem a rima, um ótimo ingrediente. Depois, porque fala de amor, um tema universal, e de perdão, eficiente bicarbonato contra mágoas indigestas. Ministrado em doses generosas, o perdão tem o efeito de um fortificante às avessas, amolecendo nossa alma, tornando-nos mais humanos, falíveis e tolerantes.
“Dinheiro tem preço.” Nasceu de um desabafo, de puro arrependimento por ter aceitado um trabalho chatíssimo de um cliente idem. Disse-o quase sem pensar, assim de repente. Não é verdade? Ás vezes, para ganharmos um, com muito esforço, gastamos dez em aborrecimentos de todo o tipo. Não vale a pena.
E assim prossigo, buscando inspiração naqueles fantásticos adágios de autoria da Vida, mestra pós-graduada em provérbios. Costumam surgir quando lançamos apelos angustiados ao Infinito. Perguntamos:
—Ó Vida, por que esse 'não'?
A Vida nos lança um olhar irônico e nos responde:
— “Tem 'não' que não tem 'porque'". Fique na sua, cara.
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália.
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