terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Cada vida conta

Antes que surjam quaisquer dúvidas, digo que fui absolutamente favorável à marcha de Paris.

Por Lev Chaim*

Logo após os atentados terroristas de  Paris, - 17 mortos -, depois da grande marcha na capital francesa que contou com a participação recorde de líderes mundiais, com exceção gritante do governo brasileiro, o grão rabino de Amsterdã, Benjamin Jakobs, fez uma sugestão luminosa que já rondava a minha cabeça: por que não fazer, também, uma grande marcha para os nigerianos, vítimas dos terroristas?

Antes que surjam quaisquer dúvidas, digo que fui absolutamente favorável à marcha de Paris. É claro que existem normas aceitáveis de condutas, até mesmo no que cabe à chacota de costumes e religiões ou o que quer que seja. Mas nada, nada neste mundo, justifica o assassinato de ofensores. Isto fica a cargo da lei. Tem-se a polícia para registrar as queixas e o tribunal para julgá-las.

Mas o ensandecido terror na Nigéria, que somente em 2014 fez cerca de 8 a 9 mil vítimas fatais, - grande parte crianças-, não está motivando ninguém no Ocidente e muito menos na própria Nigéria do presidente Goodluck Jonathan a fazer qualquer coisa. Até parece que todos viraram a cara para outro lado.

Quando o mundo tomou conhecimento do rapto de 200 meninas nigerianas de uma escola, pelos terroristas do Boko Haram, surgiu uma ameaça de solidariedade internacional, comandada por Michelle Obama, esposa do presidente norte-americano, que não foi em frente. Nem o mundo e nem as autoridades nigerianas tomaram qualquer providência além de inventar um slogan que correu mundo: “devolvam as nossas meninas”.

Que o corrupto governo nigeriano não faça nada, já era de se esperar. Os corruptos só estão preocupados em manter o poder e acumular fortunas pessoais, sem tempo para qualquer outra questão, como esta que está acontecendo no nordeste da Nigéria. Mas, eu me pergunto: por que o resto do mundo parece adormecido e olha para o outro lado?

Será que isto acontece porque o país esteja longe do visor ocidental? Ou por que não se tem imagens ao vivo das brutalidades cometidas pelos terroristas ali? Ou mesmo por que as atrocidades só são tomadas a sério pelo Ocidente quando efetivadas pela Al-Qaeda e associados, e não por agrupações como a do Boko Haram na Nigéria ou Al-Shabaab na Somália? Paris está na Europa, não é mesmo?

Ou essa passividade toda não passa de uma questão racista? É sangue africano e não europeu, fazer o quê? Segundo o pesquisador nigeriano de Estudos Africanos da Universidade de Leiden, na Holanda, - Akinyinka Akinyoade -, o racismo é uma das causas para este silêncio todo sobre o que acontece na Nigéria. Na mídia social, quando se toca no assunto, enfatizou ele, a seguinte frase aparece com frequência: “São negros que abatem negros, o que acontece com frequência nesses lugares”.

Racistas e historicamente ignorantes, já que no próprio Continente Europeu, no século 19,  já se debatia contra o terror, a angústia e os mais variados ‘complôs’ para assassinar pessoas. Foi a própria Revolução Francesa que estimulou o terror em outros lugares contra a ordem pré-estabelecida da época, tal qual relata o livro do historiador Adam Zamoyski, - “Phantom Terror” ( Terror Fantasma), recém lançado na Holanda.

Os acontecimentos recentes de Paris abalaram o mundo e não era para menos. Mas a matança na Nigéria, em aldeias do nordeste do país pelos terroristas do Boko Haram, vai pesar na consciência de todos que a assistem e não fazem nada.

Mesmo porque, já que não se pode esperar nada das autoridades nigerianas, o Ocidente deveria pelo menos fazer algo, nem que fosse uma ponte de ajuda humanitária, para os milhões de refugiados nigerianos que se esvaíram pelos países vizinhos. A morte e o êxodo continuam na Nigéria e o mundo assiste impassível. Ali é África, planeta Terra, não em Marte.

A mensagem do Grão Rabino de Amsterdã, Benjamin Jakobs, foi a gota d’água que me motivou a escrever este artigo. E nunca é demais lembrar esta omissão culposa do Ocidente para com o banho de sangue na Nigéria. Na Torá, está gravada uma frase que deveria a estimular a todos nós a pensar duas vezes sobre o assunto: “para Deus, cada vida conta”.
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou mais de 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para o Domtotal.

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