Valor das propriedades confiscadas de cidadão norte-americanos pela Revolução cubana chega a 7 bilhões de dólares.
Por Marco Lacerda*
Era um sábado comum, dois anos depois de Fidel Castro tomar o poder em Cuba. Lois e Roy Schechter fizeram sua visita habitual à plantação de tabaco que tinham numa fazenda em Pinar del Rio, a 160 quilômetros de sua casa em Havana. O casal de americanos encontrou a área cercada por soldados.
“Meu marido desceu do carro, trocou meia dúzia de palavras com eles e voltamos para casa”, recorda Lois – de Saratoga, no Estado de Nova York – numa conversa recente por email sobre aquele dia em outubro de 1960. “A situação estava ficando perigosa, não havia nada que pudéssemos fazer”. Depois de 60 anos de atividades no país a família Schechter se viu obrigada a deixar o país.
A fazenda da família dos Schechter em Pinar del Rio logo se tornaria uma das 6 mil propriedades de cidadãos e empresas norte-americanas confiscadas pelo governo cubano. Com uma canetada ou sob a mira de um fuzil, incontáveis fazendas, refinarias de petróleo, fábricas e outros negócios foram sumariamente nacionalizados – perdas que levaram o governo americano a proibir o comércio com Cuba.
O recente anúncio do presidente Barack Obama da normalização das relações diplomáticas com Cuba levou a família Schechter a acreditar que está mais próxima da solução de uma questão judicial internacional que já dura mais de seis décadas.
Mesmo que o tema não tenha sido abordado por Obama, os advogados da família acreditam que o restabelecimento das relações levarão em breve a uma compensação pelos danos financeiros sofridos por americanos pelas propriedades perdidas em Cuba, estimados em US 7 bilhões. Levando em conta que PIB cubano atualmente é de US 68 bilhões, a compensação é pouquíssimo provável.
Xanadu, um paraíso em Varadero
Um dos poucos a escapar ileso do regime comunista de confiscos imposto por Fidel Castro foi o milionário franco-americano Irenée Dupont. Além de negócios mantidos na ilha, o magnata era praticamente dono de Varadero, um dos resorts mais belos do mundo com 20 quilômetros de praias de areia branca e águas límpidas azul-turquesa.
Antes de se estabelecer em Cuba, nos anos 30, Dupont teve a intuição sobrenatural – segundo fontes do regime – de assegurar seus bens, no Lloyd´s de Londres, contra todo tipo de catástrofe, inclusive revoluções.
O Lloyd´s sempre foi conhecido, como mercado de seguros, por sua capacidade e disposição de oferecer tipos incomuns de coberturas, em geral de alto risco. Em 1906 pagou US$ 4 milhões às vítimas do Titanic, já segurou as pernas de Betty Grable, Marlene Dietrich e Tina Turner em US$ 1 milhão cada e a voz de Bruce Springsteen em US 6 milhões.
A fortuna de Dupont na ilha era avaliada em US 50 milhões, na época, e incluía, além de subsidiárias do seu império de produtos químicos, uma vasta rede de entretenimento que incluía cassinos, hotéis e uma mansão em Varadero que ele batizou de Xanadu, rebatizada de Las Americas, depois da revolução comunista.
Las Américas é o restaurante mais famoso e luxuoso de Cuba, ostenta toda a opulência de uma época em que Varadero foi o quintal dos americanos e refúgio de mafiosos que controlavam a prostituição e o jogo no país, como os incorrigíveis Al Capone e Lucky Luciano que lá tinham suas mansões.
Ao ser informado da perspicácia e visão empresarial incomum de Dupont, Fidel perdoou toda a divida que ele tinha com o estado cubano em impostos e outros tributos. Em retribuição, o deixar a ilha em 1963 Dupont doou à Revolução todo o patrimônio que acumulara em Cuba. Hoje, seus descendentes tem livre acesso ao país onde são recebidos pelo Comandante e pelas altas esferas do Partido Comunista e tratados com deferência especial.
Cuba, um antro de criminosos
Entre 1952 e 1959, com o objetivo de criar a Monte Carlo do Caribe, a Máfia construiu grandes cassinos, boates e hotéis turísticos. Lucky Luciano, Meyer Lansky e Santo Trafficante, a realeza da Máfia, planejaram a criação de um estado criminoso no país.
Para tanto contaram com o apoio do presidente Fulgencio Batista. Tudo contou com a participação de Lansky, o judeu que funcionou como cérebro da Máfia e foi imortalizado no filme “O Poderoso Chefão 2” como Hyman Roth.
Quando cantava no Colonial Inn, um cassino-nightclub americano de Lansky, Carmem Miranda exigiu um conjunto de maracas cubanas, pedido prontamente atendido pelo facínora, que voou a Havana para buscá-las. O advogado Bernard Frank perguntou por que tinham de ser cubanas. O chefão explicou que “Carmen, a temperamental cantora, atriz e estrela brasileira, então no auge de sua celebridade, estava pedindo um conjunto específico de maracas que ela havia visto numa loja em Havana e não aceitaria outras”. Os cantores Eartha Kitt (namorada de Orson Welles), Nat King Cole, Dorothy Dandridge, Sarah Vaughan, Ella Fitgerald e Mario Lanza também trabalharam para a Máfia em Havana.
Para atrair jogadores de vários países, notadamente dos Estados Unidos, os mafiosos investiram em atrações culturais e sexuais. O nightclub Tropicana ganhou reputação internacional. O arranjador Pérez Prado e sua banda criaram, no fim da década de 1940, “uma febre chamada mambo. O mambo foi a dança oficial da Máfia de Havana. Cuba tinha tudo aquilo que os estrangeiros, especialmente os americanos, queriam: bebida, jogo e sexo. Mafioso atuante em Nova York, Lansky percebeu o potencial da ilha já em 1928. Em 1933, procurou Lucky Luciano e propôs a “compra” de Cuba. O jovem militar Fulgencio Batista, convocado para ser o agente “oficial” e legal, aceitou fazer parte do rentável negócio.
Para fazer negócios em Cuba, a Máfia organizou a conferência de Havana, em 1946, no Hotel Nacional. O filme “O Poderoso Chefão 2”, de Francis Ford Coppola, mostra os mafiosos dividindo um bolo — uma metáfora para o fatiamento de Cuba.
Michael Corleone diz no filme: “Ocorreu a mim que os soldados são pagos para lutar. Os rebeldes, não”. Hyman Roth pergunta: “O que isso lhe diz?” Mike Corleone acrescenta: “Eles podem vencer”. E venceram. Participaram do célebre encontro: Lucky Luciano, Lansky, Vito Genevose. Albert Anastasia, Moe Dalitz, Frank Costello, Doc Stacher, Carlos Marcello e Santo Trafficante (os dois últimos entraram na lista de suspeitos de terem conspirado para matar o presidente John Kenndey). Lansky disse aos “sócios” que seu objetivo era “transformar todo” o “Caribe no centro da maior operação de jogo do mundo”, uma espécie de Monte Carlo internacional.
O envolvimento de Frank Sinatra
Meticuloso, Lansky começou a estruturar os negócios da Máfia em Havana, construindo hotéis e cassinos. Frank Sinatra deu sua colaboração. Em 1947, o cantor entregou 2 milhões de dólares a Lucky Luciano. Ele era um investidor nos negócios da Máfia. Era sócio de uma revenda de carros com os irmãos mafiosos Rocco e Charles Fischetti e possivelmente “sócio oculto num cassino-boate que Willie Moretti planejava abrir em Palisades, Nova Jersey, e estava pensando em investir na construção de um hotel-cassino em Las Vegas”.
Lucky Luciano esclareceu a situação do amigo: “Quando chegou a hora de colocar grana para lançar Frank ao público, nós colocamos”. Em “O Poderoso Chefão”, um cantor, supostamente Sinatra, visita Vito Corleone e sugere que precisa fazer um filme para voltar a fazer sucesso. O diretor não quer. Sob pressão, acaba cedendo. O filme seria “A Um Passo da Eternidade” (1953), de Fred Zinnemann. Sinatra brilha como o injustiçado Maggio. O cantor era protegido, então, de Lucky Luciano, que, como Vito Corleone no filme, também condenou o tráfico de drogas, pelo menos num certo período.
O rei de Cuba era Lansky, tido como “o mais astuto operador do submundo americano”. O mafioso conquistou Fulgencio Batista e trabalharam juntos cerca de 15 anos. Batista era o abre-te sésamo do criminoso. O presidente cubano chegou a nomeá-lo conselheiro do governo para reformular o jogo em Cuba. Lansky voltou a Havana em 1952, para ficar.
O Hotel Nacional passara, antes do governo de Batista, para controle público. Com Batista, Lansky assumiu sua direção. O criminoso transformou-o no palácio da Máfia, com um cassino que era uma mina de dinheiro. Para arranjar dinheiro público para a Máfia construir hotéis e cassinos, o presidente cubano criou o Banco para o Desenvolvimento Econômico e Social (Bandes). Os negócios da Máfia e do governo de Cuba passaram a ser um só.
Fulgêncio, um presidente mafioso
Para aprovar uma legislação favorável à Máfia, e para protegê-la, Batista recebia por ano cerca de 10 milhões de dólares. Com dinheiro do governo, Lansky e seus colegas mafiosos decidiram construir os hotéis-cassinos Havana Hilton, o Hotel Deauville e o Hotel Capri.
Sem Lucky Luciano, deportado para a Itália, Lansky só não assumiu o comando sozinho porque havia outro mafioso poderoso e perigoso, Santo Trafficante, rei do Sans Souci. Mas, como todos estavam ganhando muito dinheiro com a jogatina, os mafiosos não precisaram se matar. Cuba, a pérola do Caribe, havia se tornado um Estado mafioso, no qual era difícil distinguir onde começavam e acabavam os negócios da Máfia e os do presidente Batista, uma espécie de rei de Cuba, ou “o Estado sou eu”.
Em 1956, para acelerar os negócios, Lansky criou a empresa La Compañia Hotelera Riviera de Cuba. O mafioso planejava construir mais um hotel-cassino, o Riviera, com 21 andares e 440 quartos. A Máfia investiu maciçamente em Cuba. No final de 1958, com os rebeldes entrando em Havana, Lansky e outros mafiosos começaram a retirada de dinheiro de Cuba. Mas não deu tempo para retirar a maior parte dos dólares. “Por curiosidade”, Lansky “esperou até que Castro entrasse na cidade em 8 de janeiro”. Os mafiosos não conseguiram entender que Fidel não era um mero sucessor de Batista.
Sua ideologia, a marxista, não combinava com a dialética mafiosa. Trafficante e Norman Rothman, certamente avaliando que Fidel seria o Batista de amanhã, possivelmente deram dinheiro e armas ao revolucionário. O oficial da CIA Robert D. Weicha também arranjou armas e 50 mil dólares para Raúl Castro.
O velho e, no caso, equivocado pragmatismo americano. “Nós não estamos dispostos apenas a deportar os gângsteres, mas a atirar neles”, vociferou Fidel. O revolucionário chegou a prender Santo Trafficante. Trafficante foi liberado porque teria subornado Raúl Castro com 100 mil dólares. Lansky caiu fora. Batista teria tirado 300 milhões de dólares de Cuba. Os mafiosos, como Lansky e Tra-fficante, os que mais investiram no país, tiveram grandes perdas. “Cuba foi a derrota mais custosa para a Máfia.”
Frank Sinatra mantinha negócios estreitos com a máfia. Em 1939, quando Tommy Dorsey não queria liberá-lo de um contrato draconiano, o mafioso Willie Moretti, o primeiro capo do cantor, fez-lhe uma visita. Pôs “uma pistola em sua boca e exigiu que o líder da banda reconsiderasse os termos do contrato”. Dorsey cedeu. O cantor teria dito: “Prefiro ser um queridinho da Máfia do que presidente dos Estados Unidos”. Em 1951, Sinatra e Ava Gardner passaram a lua de mel em Havana. Sinatra chegou a ser acionista do Hotel Monte Carlo.
O congueiro Marlon Brando
Marlon Brando, apaixonado por música latina, esteve em Havana, em 1950. “Brando fez questão de conhecer a banda” do “Tropicana. Liderada por Armando Romeu, a orquestra” do “Tropicana era a maior e mais completa da ilha. Brando estava hipnotizado. ‘Descobrir música afro-cubana quase me enlouqueceu’”, relata T. J. English.
“Brando era um congueiro (tocador de conga) amador. Enquanto estava em Havana, ele foi numa louca caça noturna pela tumbadora perfeita. Ele ofereceu comprar uma de Romeu, mas foi recusado. Brando deixou o clube com duas das mais lindas modelos do Tropicana e seguiu pela noite. Sungo Carreras [ex-jogador de baseball] levou Brando para o Club Choricera, onde o ator pôde tocar conga ao lado do grande timbaleiro Silvano ‘El Chori’ Echevarría. Brando comprou um par de congas.”
O ator George Raft atuou como anfitrião do cassino e da boate do Hotel Capri. Elizabeth Taylor, Eddie Fisher, Edith Piaf, Tyrone Power, Ava Gardner e Cesar Romero era habitués de Havana. “A ilha era o lugar onde estar.”
Tropicana, uma referência mundial
A boate Tropicava era onde quase tudo acontecia. “As meninas” do “Tropicana eram conhecidas no mundo todo por sua voluptuosidade e o cabaré trazia um tipo de musical de plumas que seria copiado em Paris e Las Vegas. Todo mundo que era alguém queria ser visto no Tropicana”.
Ofelia Fox, mulher do dono do Tropicana, Martín Fox, teria dito: “A natureza definidora de um cubano é uma pessoa que faz de tudo por um minuto de prazer”. Martín Fox tinha ligações com os mafiosos.
Um dos segredos do sucesso do Tropicana era o coreógrafo Roderico Neyra, conhecido como Rodney. Beny Moré era “conhecido como o maior artista cubano de todos os tempos”. “Um compositor completo e líder de banda que atingiu aclamação pública com a orquestra Pérez Prado, Moré era tão hábil tocando um mambo tórrido como era com um bolero suave. Sua música mais conhecida” era “o bolero sedutor ‘Como fue’.” Ele era “El Bárbaro del Ritmo”.
Como Cuba era o paraíso dos americanos, o jovem senador John Kennedy também esteve por lá, em 1957, acompanhado do senador George Smathers, da Flórida. Santo Trafficante e Evaristo García organizaram uma orgia para Kennedy. O futuro presidente dos Estados Unidos passou a noite com “três lindas prostitutas”. “Sem que Kennedy soubesse, a suíte” tinha “um espelho de dois lados que permitia que Trafficante e García observassem o encontro de Kennedy do outro quarto”, relata T. J. English.
O pianista Bebo Valdés, autor de um magnífico CD (e DVS) com o cantor espanhol Dieguito Cigala, diz que a prostituição era forte. “Os americanos do Sul queriam apenas negras”, conta.
Juan Manuel Fangio, piloto de Fórmula 1 (sim, Cuba fazia parte do circuito internacional), foi sequestrado pelos revolucionários cubanos. E, depois, saiu falando bem dos fidelistas.
A revolução cubana em vídeo:
“Meu marido desceu do carro, trocou meia dúzia de palavras com eles e voltamos para casa”, recorda Lois – de Saratoga, no Estado de Nova York – numa conversa recente por email sobre aquele dia em outubro de 1960. “A situação estava ficando perigosa, não havia nada que pudéssemos fazer”. Depois de 60 anos de atividades no país a família Schechter se viu obrigada a deixar o país.
A fazenda da família dos Schechter em Pinar del Rio logo se tornaria uma das 6 mil propriedades de cidadãos e empresas norte-americanas confiscadas pelo governo cubano. Com uma canetada ou sob a mira de um fuzil, incontáveis fazendas, refinarias de petróleo, fábricas e outros negócios foram sumariamente nacionalizados – perdas que levaram o governo americano a proibir o comércio com Cuba.
O recente anúncio do presidente Barack Obama da normalização das relações diplomáticas com Cuba levou a família Schechter a acreditar que está mais próxima da solução de uma questão judicial internacional que já dura mais de seis décadas.
Mesmo que o tema não tenha sido abordado por Obama, os advogados da família acreditam que o restabelecimento das relações levarão em breve a uma compensação pelos danos financeiros sofridos por americanos pelas propriedades perdidas em Cuba, estimados em US 7 bilhões. Levando em conta que PIB cubano atualmente é de US 68 bilhões, a compensação é pouquíssimo provável.
Xanadu, um paraíso em Varadero
Um dos poucos a escapar ileso do regime comunista de confiscos imposto por Fidel Castro foi o milionário franco-americano Irenée Dupont. Além de negócios mantidos na ilha, o magnata era praticamente dono de Varadero, um dos resorts mais belos do mundo com 20 quilômetros de praias de areia branca e águas límpidas azul-turquesa.
Antes de se estabelecer em Cuba, nos anos 30, Dupont teve a intuição sobrenatural – segundo fontes do regime – de assegurar seus bens, no Lloyd´s de Londres, contra todo tipo de catástrofe, inclusive revoluções.
O Lloyd´s sempre foi conhecido, como mercado de seguros, por sua capacidade e disposição de oferecer tipos incomuns de coberturas, em geral de alto risco. Em 1906 pagou US$ 4 milhões às vítimas do Titanic, já segurou as pernas de Betty Grable, Marlene Dietrich e Tina Turner em US$ 1 milhão cada e a voz de Bruce Springsteen em US 6 milhões.
A fortuna de Dupont na ilha era avaliada em US 50 milhões, na época, e incluía, além de subsidiárias do seu império de produtos químicos, uma vasta rede de entretenimento que incluía cassinos, hotéis e uma mansão em Varadero que ele batizou de Xanadu, rebatizada de Las Americas, depois da revolução comunista.
Las Américas é o restaurante mais famoso e luxuoso de Cuba, ostenta toda a opulência de uma época em que Varadero foi o quintal dos americanos e refúgio de mafiosos que controlavam a prostituição e o jogo no país, como os incorrigíveis Al Capone e Lucky Luciano que lá tinham suas mansões.
Ao ser informado da perspicácia e visão empresarial incomum de Dupont, Fidel perdoou toda a divida que ele tinha com o estado cubano em impostos e outros tributos. Em retribuição, o deixar a ilha em 1963 Dupont doou à Revolução todo o patrimônio que acumulara em Cuba. Hoje, seus descendentes tem livre acesso ao país onde são recebidos pelo Comandante e pelas altas esferas do Partido Comunista e tratados com deferência especial.
Cuba, um antro de criminosos
Entre 1952 e 1959, com o objetivo de criar a Monte Carlo do Caribe, a Máfia construiu grandes cassinos, boates e hotéis turísticos. Lucky Luciano, Meyer Lansky e Santo Trafficante, a realeza da Máfia, planejaram a criação de um estado criminoso no país.
Para tanto contaram com o apoio do presidente Fulgencio Batista. Tudo contou com a participação de Lansky, o judeu que funcionou como cérebro da Máfia e foi imortalizado no filme “O Poderoso Chefão 2” como Hyman Roth.
Quando cantava no Colonial Inn, um cassino-nightclub americano de Lansky, Carmem Miranda exigiu um conjunto de maracas cubanas, pedido prontamente atendido pelo facínora, que voou a Havana para buscá-las. O advogado Bernard Frank perguntou por que tinham de ser cubanas. O chefão explicou que “Carmen, a temperamental cantora, atriz e estrela brasileira, então no auge de sua celebridade, estava pedindo um conjunto específico de maracas que ela havia visto numa loja em Havana e não aceitaria outras”. Os cantores Eartha Kitt (namorada de Orson Welles), Nat King Cole, Dorothy Dandridge, Sarah Vaughan, Ella Fitgerald e Mario Lanza também trabalharam para a Máfia em Havana.
Para atrair jogadores de vários países, notadamente dos Estados Unidos, os mafiosos investiram em atrações culturais e sexuais. O nightclub Tropicana ganhou reputação internacional. O arranjador Pérez Prado e sua banda criaram, no fim da década de 1940, “uma febre chamada mambo. O mambo foi a dança oficial da Máfia de Havana. Cuba tinha tudo aquilo que os estrangeiros, especialmente os americanos, queriam: bebida, jogo e sexo. Mafioso atuante em Nova York, Lansky percebeu o potencial da ilha já em 1928. Em 1933, procurou Lucky Luciano e propôs a “compra” de Cuba. O jovem militar Fulgencio Batista, convocado para ser o agente “oficial” e legal, aceitou fazer parte do rentável negócio.
Para fazer negócios em Cuba, a Máfia organizou a conferência de Havana, em 1946, no Hotel Nacional. O filme “O Poderoso Chefão 2”, de Francis Ford Coppola, mostra os mafiosos dividindo um bolo — uma metáfora para o fatiamento de Cuba.
Michael Corleone diz no filme: “Ocorreu a mim que os soldados são pagos para lutar. Os rebeldes, não”. Hyman Roth pergunta: “O que isso lhe diz?” Mike Corleone acrescenta: “Eles podem vencer”. E venceram. Participaram do célebre encontro: Lucky Luciano, Lansky, Vito Genevose. Albert Anastasia, Moe Dalitz, Frank Costello, Doc Stacher, Carlos Marcello e Santo Trafficante (os dois últimos entraram na lista de suspeitos de terem conspirado para matar o presidente John Kenndey). Lansky disse aos “sócios” que seu objetivo era “transformar todo” o “Caribe no centro da maior operação de jogo do mundo”, uma espécie de Monte Carlo internacional.
O envolvimento de Frank Sinatra
Meticuloso, Lansky começou a estruturar os negócios da Máfia em Havana, construindo hotéis e cassinos. Frank Sinatra deu sua colaboração. Em 1947, o cantor entregou 2 milhões de dólares a Lucky Luciano. Ele era um investidor nos negócios da Máfia. Era sócio de uma revenda de carros com os irmãos mafiosos Rocco e Charles Fischetti e possivelmente “sócio oculto num cassino-boate que Willie Moretti planejava abrir em Palisades, Nova Jersey, e estava pensando em investir na construção de um hotel-cassino em Las Vegas”.
Lucky Luciano esclareceu a situação do amigo: “Quando chegou a hora de colocar grana para lançar Frank ao público, nós colocamos”. Em “O Poderoso Chefão”, um cantor, supostamente Sinatra, visita Vito Corleone e sugere que precisa fazer um filme para voltar a fazer sucesso. O diretor não quer. Sob pressão, acaba cedendo. O filme seria “A Um Passo da Eternidade” (1953), de Fred Zinnemann. Sinatra brilha como o injustiçado Maggio. O cantor era protegido, então, de Lucky Luciano, que, como Vito Corleone no filme, também condenou o tráfico de drogas, pelo menos num certo período.
O rei de Cuba era Lansky, tido como “o mais astuto operador do submundo americano”. O mafioso conquistou Fulgencio Batista e trabalharam juntos cerca de 15 anos. Batista era o abre-te sésamo do criminoso. O presidente cubano chegou a nomeá-lo conselheiro do governo para reformular o jogo em Cuba. Lansky voltou a Havana em 1952, para ficar.
O Hotel Nacional passara, antes do governo de Batista, para controle público. Com Batista, Lansky assumiu sua direção. O criminoso transformou-o no palácio da Máfia, com um cassino que era uma mina de dinheiro. Para arranjar dinheiro público para a Máfia construir hotéis e cassinos, o presidente cubano criou o Banco para o Desenvolvimento Econômico e Social (Bandes). Os negócios da Máfia e do governo de Cuba passaram a ser um só.
Fulgêncio, um presidente mafioso
Para aprovar uma legislação favorável à Máfia, e para protegê-la, Batista recebia por ano cerca de 10 milhões de dólares. Com dinheiro do governo, Lansky e seus colegas mafiosos decidiram construir os hotéis-cassinos Havana Hilton, o Hotel Deauville e o Hotel Capri.
Sem Lucky Luciano, deportado para a Itália, Lansky só não assumiu o comando sozinho porque havia outro mafioso poderoso e perigoso, Santo Trafficante, rei do Sans Souci. Mas, como todos estavam ganhando muito dinheiro com a jogatina, os mafiosos não precisaram se matar. Cuba, a pérola do Caribe, havia se tornado um Estado mafioso, no qual era difícil distinguir onde começavam e acabavam os negócios da Máfia e os do presidente Batista, uma espécie de rei de Cuba, ou “o Estado sou eu”.
Em 1956, para acelerar os negócios, Lansky criou a empresa La Compañia Hotelera Riviera de Cuba. O mafioso planejava construir mais um hotel-cassino, o Riviera, com 21 andares e 440 quartos. A Máfia investiu maciçamente em Cuba. No final de 1958, com os rebeldes entrando em Havana, Lansky e outros mafiosos começaram a retirada de dinheiro de Cuba. Mas não deu tempo para retirar a maior parte dos dólares. “Por curiosidade”, Lansky “esperou até que Castro entrasse na cidade em 8 de janeiro”. Os mafiosos não conseguiram entender que Fidel não era um mero sucessor de Batista.
Sua ideologia, a marxista, não combinava com a dialética mafiosa. Trafficante e Norman Rothman, certamente avaliando que Fidel seria o Batista de amanhã, possivelmente deram dinheiro e armas ao revolucionário. O oficial da CIA Robert D. Weicha também arranjou armas e 50 mil dólares para Raúl Castro.
O velho e, no caso, equivocado pragmatismo americano. “Nós não estamos dispostos apenas a deportar os gângsteres, mas a atirar neles”, vociferou Fidel. O revolucionário chegou a prender Santo Trafficante. Trafficante foi liberado porque teria subornado Raúl Castro com 100 mil dólares. Lansky caiu fora. Batista teria tirado 300 milhões de dólares de Cuba. Os mafiosos, como Lansky e Tra-fficante, os que mais investiram no país, tiveram grandes perdas. “Cuba foi a derrota mais custosa para a Máfia.”
Frank Sinatra mantinha negócios estreitos com a máfia. Em 1939, quando Tommy Dorsey não queria liberá-lo de um contrato draconiano, o mafioso Willie Moretti, o primeiro capo do cantor, fez-lhe uma visita. Pôs “uma pistola em sua boca e exigiu que o líder da banda reconsiderasse os termos do contrato”. Dorsey cedeu. O cantor teria dito: “Prefiro ser um queridinho da Máfia do que presidente dos Estados Unidos”. Em 1951, Sinatra e Ava Gardner passaram a lua de mel em Havana. Sinatra chegou a ser acionista do Hotel Monte Carlo.
O congueiro Marlon Brando
Marlon Brando, apaixonado por música latina, esteve em Havana, em 1950. “Brando fez questão de conhecer a banda” do “Tropicana. Liderada por Armando Romeu, a orquestra” do “Tropicana era a maior e mais completa da ilha. Brando estava hipnotizado. ‘Descobrir música afro-cubana quase me enlouqueceu’”, relata T. J. English.
“Brando era um congueiro (tocador de conga) amador. Enquanto estava em Havana, ele foi numa louca caça noturna pela tumbadora perfeita. Ele ofereceu comprar uma de Romeu, mas foi recusado. Brando deixou o clube com duas das mais lindas modelos do Tropicana e seguiu pela noite. Sungo Carreras [ex-jogador de baseball] levou Brando para o Club Choricera, onde o ator pôde tocar conga ao lado do grande timbaleiro Silvano ‘El Chori’ Echevarría. Brando comprou um par de congas.”
O ator George Raft atuou como anfitrião do cassino e da boate do Hotel Capri. Elizabeth Taylor, Eddie Fisher, Edith Piaf, Tyrone Power, Ava Gardner e Cesar Romero era habitués de Havana. “A ilha era o lugar onde estar.”
Tropicana, uma referência mundial
A boate Tropicava era onde quase tudo acontecia. “As meninas” do “Tropicana eram conhecidas no mundo todo por sua voluptuosidade e o cabaré trazia um tipo de musical de plumas que seria copiado em Paris e Las Vegas. Todo mundo que era alguém queria ser visto no Tropicana”.
Ofelia Fox, mulher do dono do Tropicana, Martín Fox, teria dito: “A natureza definidora de um cubano é uma pessoa que faz de tudo por um minuto de prazer”. Martín Fox tinha ligações com os mafiosos.
Um dos segredos do sucesso do Tropicana era o coreógrafo Roderico Neyra, conhecido como Rodney. Beny Moré era “conhecido como o maior artista cubano de todos os tempos”. “Um compositor completo e líder de banda que atingiu aclamação pública com a orquestra Pérez Prado, Moré era tão hábil tocando um mambo tórrido como era com um bolero suave. Sua música mais conhecida” era “o bolero sedutor ‘Como fue’.” Ele era “El Bárbaro del Ritmo”.
Como Cuba era o paraíso dos americanos, o jovem senador John Kennedy também esteve por lá, em 1957, acompanhado do senador George Smathers, da Flórida. Santo Trafficante e Evaristo García organizaram uma orgia para Kennedy. O futuro presidente dos Estados Unidos passou a noite com “três lindas prostitutas”. “Sem que Kennedy soubesse, a suíte” tinha “um espelho de dois lados que permitia que Trafficante e García observassem o encontro de Kennedy do outro quarto”, relata T. J. English.
O pianista Bebo Valdés, autor de um magnífico CD (e DVS) com o cantor espanhol Dieguito Cigala, diz que a prostituição era forte. “Os americanos do Sul queriam apenas negras”, conta.
Juan Manuel Fangio, piloto de Fórmula 1 (sim, Cuba fazia parte do circuito internacional), foi sequestrado pelos revolucionários cubanos. E, depois, saiu falando bem dos fidelistas.
A revolução cubana em vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Domtotal
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