segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Quando a esmola é demais...

Dissidentes cubanos acusam Barack Obama de oferecer demais ao regime dos Castro em troca de quase nada.

Por Marco Lacerda*
Sonia Garro acaba de passar três na prisão em Cuba por sua militância no grupo dissidente conhecido como Mulheres de Branco. Sua inesperada libertação faz parte das mesmas negociações secretas que levaram à reaproximação diplomática entre Cuba e Estados Unidos, depois de meio século de conflitos.

Apesar de feliz por ter sido liberada a tempo de passar o Natal com a filha de 18 anos, Garro tem sérias críticas aos acordos firmados por Barack Obama e Raul Castro. Como muitos outros dissidentes ela mantem um pé atrás em relação à repentina reaproximação entre Washington e Havana, a começar pelas promessas de relaxamento do embargo imposto a Cuba pelos EUA.

“Um país que viola os direitos humanos dos seus cidadãos não pode ser desculpado sem mais nem menos”, disse Sonia em entrevista ao jornal The New York Times. “Aqui não existe liberdade de expressão, não existe liberdade nenhuma. Os acordos firmados só vão estimular o regime comunista a continuar operando com a impunidade habitual”.

Sonia já se habituou à rotina de uma dissidente cubana: de um lado, as manifestações semanais das Mulheres de Branco, as horas, dias ou anos passados atrás das grades; do outro, as multidões de apoiadores do governo e de agentes do estado de plantão em frente às casas dos opositores, atirando ovos e dirigindo insultos de todo tipo.

Traição ou solidariedade?

Até bem pouco, os EUA se mantiveram como sólido defensor daqueles que se atreviam a protestar abertamente contra o governo cubano. Agora Obama parece ter colocado um ponto final nessa linha de conduta. “Ele traiu todos aqueles que lutam há anos contra a tirania do governo cubano”, afirma Ángel Moya, ex-prisioneiro político cuja mulher, Berta Soler, dirige o grupo Mulheres de Branco, sobrea súbita decisão do presidente americano de normalizar relações com Cuba. “Vamos ter mais repressão e agora com a bênção dos EUA”

No momento em que Cuba e EUA entram num período sem precedentes de dialogo, muitos dissidentes que se mantiveram, durante décadas, leais à postura condenatória da Casa Branca às arbitrariedades cometidas pelos irmãos Castro, agora se sentem traídos. Para eles, Obama entregou demais em troca de muito pouco.

Como parte dos acordo com os EUA, o governo cubano libertou Alan Gross, empresário americano mantido preso durante anos, além de se comprometer em conceder liberdad a outros 53 prisioneiro que Washington afirma estarem detidos por razões políticas. Sonia Garro fazia parte dessa lista e foi liberada duas semanas antes o anúncio oficial dos novos acordos diplomáticos EUA-Cuba.

Uma nova geração de ativistas

Muitos dissidentes argumentam que a Casa Branca renunciou à sua influência sem colher mudanças políticas consistentes na ilha e já não tem certeza se os americanos continuarão em sua cruzada pela flexibilização do regime comunista agora que o acordo foi firmado. Outro temor é que nesses tempos de negociações dissidentes que rejeitam o diálogo sejam considerados irrelevantes. De agora em diante, a linha dura da dissidência terá que se engajar nos novos ares ou serão condenados ao ostracismo, até porque suas posições intransigentes não tem o apoio dos cidadãos cubanos comuns.

Enquanto isso, uma nova geração de ativistas e críticos do regime – dentro e fora da ilha – ganha corpo e já não é orientada pela velha polaridade ‘pró ou anti’ Revolução. São blogueiros, artistas, rappers, escritores e economistas de todas as idades, maioria experts em internet. Mesmo pró-revolucionários confessos tem expressado comentários ácidos sobre os fracassos do sistema cubano. Muitos acreditam que o fim das hostilidades levará ao debate amplo e, eventualmente, à democracia.

“A sociedade civil cubana é um grupo de atores com papel social e cultural, além de defender diferentes visões políticas”, diz Roberto Veiga, diretor da organização Cuba Posible, comprometida com o diálogo no país. “O recente boa-nova foi um grande gesto de ‘détente’ e nós, cubanos, temos que promover o mesmo gesto uns com os outros”.

Microfones desligados

As previsões pessimistas de Sonia Garro não demoraram a se confirmar. Na semana passada a artista cubana Tania Bruguera, que há muito divide seu tempo entre os Estados Unidos e Cuba, viajou à ilha com o objetivo de submeter a um teste a falácia dos líderes de ambos os países envolvidos na atual política de détente.

Tânia convidou toda a população cubana para um evento na famigerada Praça da Revolução em que cada um teria a oportunidade de fazer uso de um microfone para expressar suas opiniões e sentimentos sobre o momento político que o país atravessa. O encontro previsto para ser ao mesmo tempo uma performance e um protesto de rua, foi amplamente divulgado nas redes sociais

O plano da artista era submeter a um teste público a decisão do presidente Obama de normalizar as relações diplomáticas com Cuba e, sobretudo, deixar claro se a dinastia Castro está realmente disposta a ouvir críticas ao regime. O resultado foi decepcionante mas não surpreendeu ninguém. Tania Bruguera e outras vozes da oposição foram proibidas de sequer aproximar-se da praça no dia marcado. Alguns foram presos, outros impedidos de deixar suas casas. Resultado: o evento não aconteceu.

As forças atentas à segurança nacional detiveram o jornalista Reinaldo Escobar, marido da popular blogueira Yoani Sánchez que também foi proibida de comparecer à manifestação, segundo noticiário divulgado no site ‘14yMedio’ controlado pelo casal. Eliécer Ávila, líder do movimento ‘Somos +’, outra voz dissonante entre a juventude cubana de oposição também foi preso e levado no mesmo camburão que escoltou Escobar à cadeia.

“Todos falam em mudança e progresso, mas liberdade de reunião e livre expressão ainda são capazes de prejudicar a saúde política da família Castro”, disse Ávila em entrevista amplamente divulgada em todo o mundo. Com mais esse gesto repressivo, o governo cubano deixa clara mais uma vez sua renomada intolerância às liberdades básicas desfrutadas em todo o planeta. Infelizmente, a atitude dos Castro serve apenas para dar força aos reacionários cubanos - sejam residentes da ilha ou 'gusanos' de Miami - que se opõem à iniciativa histórica de Barack Obama ao buscar novos caminhos para a relação EUA-Cuba.
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Domtotal.

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