Programa do jornalista espanhol Carlos Galilea é biscoito fino em rádio de Madri
Por Flávia Marreiro*
Eram os idos de 1980, uma época sem internet, YouTube e Spotify, e ao radialista e crítico de música Carlos Galilea só restava apelar a amizades feitas na loja da Varig no centro de Madri para saber sobre a cena musical brasileira. Nos recortes de O Globo e do Jornal do Brasil, amassados pela viagem transatlântica, ele se inteirava sobre os lançamentos, que depois encomendava a contatos em Paris e Lisboa.
Era assim que, nos primeiros anos, Galilea alimentava Cuando los elefantes sueñan con la música, seu programa de música brasileira da Radio 3 em Madri. Quase três décadas depois, o espanhol segue na rádio pública espanhola, de segunda a sexta, levando ao ar clássicos brasileiros, novidades como o baiano Russo Passapusso, joias do jazz e música cubana, com direito a revelações exclusivas, como uma inédita gravação de um show de João Gilberto em Madri em 1985 (veja abaixo).
“Eu gostava de jazz, e tinha chegado à bossa nova pelo jazz”, começa Galilea, ao telefone desde a capital espanhola. “Mas foi Vera Cruz, do Milton, que mudou tudo”, diz ele, sobre a música gravada em 1968.
Ele tinha lido um pequeno texto sobre Milton Nascimento no Le Monde e o jornal francês chamava o mineiro de “indispensável”. Galilea, agora, concorda. Ele incluiu Clube da Esquina (1972) na lista de “Dez discos imprescindíveis da música brasileira”, que ele fez a pedido do EL PAÍS, não sem sofrer pelas exclusões forçadas pelo exercício.
Este jornal, aliás, é parte da história do programa, conta Galilea. Ele começou como crítico de música do EL PAÍS no mesmo ano em que estreou o programa: 1987. Pelo jornal, entrevistou dezenas de artistas brasileiros. “Entrevistei Tom Jobim em Ipanema”, lembra. Com Caetano Veloso, falou mais recentemente em Lisboa, no meio da turnê europeia de Abraçaço, em 2014.
“Como pode ser que um país tenha uma música tão rica? Sou feliz de fazer o programa. Meu prêmio é falar com os músicos, que Caetano me trate com carinho”, diz Galilea, que, por causa do programa, ganhou do governo brasileiro a Ordem do Rio Branco.
“Escreveu Fernando Trueba que Fina Estampa foi uma resposta a uma longa espera, que Lara e Gardel, Lecuona e Piazzolla soaram novos de novo. Porque Caetano, o ator, é o melhor contador de canções. Na verdade, eu nunca entendi Help até ouvir Caetano cantar”, citou, sussurrado e cadente, o locutor antes de apresentar Caetano cantando Help em 9 de fevereiro.
Guardadas as proporções, o mesmo se pode dizer do próprio Galilea, que escreveu com Trueba um livro sobre música brasileira e ainda, como único autor, outras duas obras sobre o mesmo tema. No programa, não raro o crítico traduz (ou declama) as letras das músicas do português vertidas para o castelhano, e elas soam novas de novo. “Traduzo para que as pessoas entendam as letras. Os espanhóis entendem menos o português do que vice-versa, e não é por má vontade.”
Sobre o nome da atração ele não gosta de se alongar. “Não queria que fosse um título óbvio. São reticências. O que vai acontecer? Eu gosto dessa proposta aberta, de evocar a imaginação dos ouvintes.”
Galilea não soa nostálgico sobre a época dos recortes de jornal como fonte de informação. Na verdade, ele está encantado com as possibilidades que a Internet abriu para o rádio, com os podcasts disponíveis para download e aplicativos para escutar estações ao vivo de qualquer parte. Coleciona relatos dos ouvintes casuais (ou não) espalhados pelo mundo: um que escreveu enquanto pedalava no deserto da Mongólia, uma brasileira em apuros em Madri.
“Era uma mulher do Nordeste, que me escreveu dizendo que tinha conhecido o programa quando estava em Madri, internada num hospital, sem enxergar. Na escuridão, o contato dela com o mundo era o som, o programa. Essa emoção me acompanha", conta. "O rádio é isso, é uma experiência íntima. É como um irmão mais velho, um amigo, que diz: ‘Escuta isso'.”
Eram os idos de 1980, uma época sem internet, YouTube e Spotify, e ao radialista e crítico de música Carlos Galilea só restava apelar a amizades feitas na loja da Varig no centro de Madri para saber sobre a cena musical brasileira. Nos recortes de O Globo e do Jornal do Brasil, amassados pela viagem transatlântica, ele se inteirava sobre os lançamentos, que depois encomendava a contatos em Paris e Lisboa.
Era assim que, nos primeiros anos, Galilea alimentava Cuando los elefantes sueñan con la música, seu programa de música brasileira da Radio 3 em Madri. Quase três décadas depois, o espanhol segue na rádio pública espanhola, de segunda a sexta, levando ao ar clássicos brasileiros, novidades como o baiano Russo Passapusso, joias do jazz e música cubana, com direito a revelações exclusivas, como uma inédita gravação de um show de João Gilberto em Madri em 1985 (veja abaixo).
“Eu gostava de jazz, e tinha chegado à bossa nova pelo jazz”, começa Galilea, ao telefone desde a capital espanhola. “Mas foi Vera Cruz, do Milton, que mudou tudo”, diz ele, sobre a música gravada em 1968.
Ele tinha lido um pequeno texto sobre Milton Nascimento no Le Monde e o jornal francês chamava o mineiro de “indispensável”. Galilea, agora, concorda. Ele incluiu Clube da Esquina (1972) na lista de “Dez discos imprescindíveis da música brasileira”, que ele fez a pedido do EL PAÍS, não sem sofrer pelas exclusões forçadas pelo exercício.
Este jornal, aliás, é parte da história do programa, conta Galilea. Ele começou como crítico de música do EL PAÍS no mesmo ano em que estreou o programa: 1987. Pelo jornal, entrevistou dezenas de artistas brasileiros. “Entrevistei Tom Jobim em Ipanema”, lembra. Com Caetano Veloso, falou mais recentemente em Lisboa, no meio da turnê europeia de Abraçaço, em 2014.
“Como pode ser que um país tenha uma música tão rica? Sou feliz de fazer o programa. Meu prêmio é falar com os músicos, que Caetano me trate com carinho”, diz Galilea, que, por causa do programa, ganhou do governo brasileiro a Ordem do Rio Branco.
“Escreveu Fernando Trueba que Fina Estampa foi uma resposta a uma longa espera, que Lara e Gardel, Lecuona e Piazzolla soaram novos de novo. Porque Caetano, o ator, é o melhor contador de canções. Na verdade, eu nunca entendi Help até ouvir Caetano cantar”, citou, sussurrado e cadente, o locutor antes de apresentar Caetano cantando Help em 9 de fevereiro.
Guardadas as proporções, o mesmo se pode dizer do próprio Galilea, que escreveu com Trueba um livro sobre música brasileira e ainda, como único autor, outras duas obras sobre o mesmo tema. No programa, não raro o crítico traduz (ou declama) as letras das músicas do português vertidas para o castelhano, e elas soam novas de novo. “Traduzo para que as pessoas entendam as letras. Os espanhóis entendem menos o português do que vice-versa, e não é por má vontade.”
Sobre o nome da atração ele não gosta de se alongar. “Não queria que fosse um título óbvio. São reticências. O que vai acontecer? Eu gosto dessa proposta aberta, de evocar a imaginação dos ouvintes.”
Galilea não soa nostálgico sobre a época dos recortes de jornal como fonte de informação. Na verdade, ele está encantado com as possibilidades que a Internet abriu para o rádio, com os podcasts disponíveis para download e aplicativos para escutar estações ao vivo de qualquer parte. Coleciona relatos dos ouvintes casuais (ou não) espalhados pelo mundo: um que escreveu enquanto pedalava no deserto da Mongólia, uma brasileira em apuros em Madri.
“Era uma mulher do Nordeste, que me escreveu dizendo que tinha conhecido o programa quando estava em Madri, internada num hospital, sem enxergar. Na escuridão, o contato dela com o mundo era o som, o programa. Essa emoção me acompanha", conta. "O rádio é isso, é uma experiência íntima. É como um irmão mais velho, um amigo, que diz: ‘Escuta isso'.”
*Flávia Marreiro é repórter em São Paulo do El País, onde esta reportagem foi publicada.
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