quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O sangue ainda corre na floresta

Dez anos após o assassinato de Dorothy Stang, violência e impunidade mandam na Amazônia.

Rayfran das Neves, o assassino: testemunha das últimas palavras da irmã Dorothy Stang.
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus". Estas foram as últimas palavras ditas por Dorothy Stang antes de ser alvejada por seis tiros, em uma estrada deserta de terra batida no interior do Pará. A missionária norte-americana tinha 73 anos de idade. Segundo seu executor, Rayfran das Neves, quando percebeu a aproximação da moto que levava seus assassinos, a freira abriu a Bíblia que carregava debaixo do braço e começou a rezar. O livro, inseparável, foi seu único consolo naqueles solitários segundos finais.

Nesta quinta-feira, 12 de fevereiro, o assassinato de Dorothy Stang completa dez anos, sem que os mandantes pelo crime tenham sido, de fato, presos. Depois de sucessivos julgamentos e do polêmico cancelamento do veredicto que condenou Vitalmiro Bastos de Moura a 30 anos de prisão, tanto ele como o outro mandante, Regivaldo Pereira Galvão, continuam livres. O caso, ao invés de exceção, infelizmente é a regra e retrato fiel da violência e impunidade que assolam comunidades rurais de todo o Brasil e especialmente da Amazônia.

De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de 2005 a 2014, 325 pessoas foram vítimas de assassinatos motivados por conflitos agrários. Mais da metade destes casos (67,3%) aconteceram na Amazônia Legal.  O que mostra que, passados dez anos da morte de Dorothy, o sangue continua a correr na floresta.

Não bastasse o horror da violência, as famílias que sobrevivem às ameaças e os parentes das vítimas assassinadas ainda têm que conviver com seus algozes às soltas. De 1985 a 2013, a justiça recebeu 768 inquéritos de assassinatos no campo na região amazônica. Apenas 5% deste total chegaram a julgamento, segundo a CPT. Pior: somente 19 mandantes receberam algum tipo de punição, sendo que a maioria responde às acusações em liberdade.

Este círculo vicioso de mortes, impunidade e mais violência alimenta uma indústria que vem financiando há anos o desmatamento da Amazônia. As populações tradicionais da região vêm sendo exterminadas por motivos econômicos muito claros, seja para a posterior ocupação com atividades ligadas ao agronegócio, para a grilagem de terra ou para a exploração madeireira ilegal, considerada o principal vetor de violência na Amazônia.

Foi o que aconteceu com Dorothy Stang. A missionária atuou por mais de 30 anos no município de Anapu, sudoeste do Pará, prestando apoio a pequenos produtores agroextrativistas. Na época de seu assassinato, ela lutava pela implantação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, há cerca de 40 quilômetros da sede do município. O local, no entanto, era disputado por fazendeiros e madeireiros da região. De acordo com a investigação da Polícia Civil, Vitalmiro e Regivaldo pagaram R$ 50 mil pela morte de Dorothy.

Irmã Dorothy vinha denunciando a violência e as ameaças de morte há pelo menos um ano. Em 2004 a religiosa esteve em Brasília, por mais de uma vez, onde ofereceu denúncias ao Ministério da Justiça, à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, e participou da CPI Mista da Terra, na Câmara Federal. Nada disso adiantou para evitar seu assassinato.
“Infelizmente, o que vemos acontecer ano após ano é que as pessoas entram na lista de ameaçados de morte e só saem dela para entrar em outra lista, a de assassinados”, afirma Danicley Saraiva, da campanha Amazônia do Greenpeace. “Isso tem que acabar”.
Do Portal Greenpeace

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