Ao longo dos anos, foram sendo criados perfis gloriosos e semblantes atormentados do Filho de Deus.
Era 1918, em plena revolução bolchevique, e Aleksandr A. Blok estava escrevendo os últimos versos do poema Os doze. Claro, eram 12 guardas vermelhos, mas, no fim, transfiguravam-se, assumindo os rostos dos 12 apóstolos de Jesus.
O poeta de Petersburgo, que três anos depois morreria com apenas 40 anos, confessava: "Quando acabei aquele poema, eu mesmo me admirei: por que Cristo? Realmente Cristo? Mas, quanto mais o meu exame se tornava atento, mais distintamente eu via Cristo. Então, anotei no diário: 'Infelizmente Cristo! Infelizmente Cristo, justamente!'".
Sim, crentes, ou não crentes, ou crentes de outra forma, não podemos ignorar essa figura. Kafka, ao amigo Gustav Janouch, que o questionava sobre Jesus, judeu como ele, reagia assim: "Jesus de Nazaré? É um abismo de luz. É preciso fechar os olhos para não cair nele".
Obviamente, o fio bibliográfico sobre ele nunca se rompe também. Ao contrário, é difícil escolher entre os volumes que ininterruptamente saem das tipografias de todo o mundo, porque, como escrevia Jaroslav Pelikan, "para além daquilo que cada um possa pensar ou acreditar pessoalmente sobre ele, Jesus foi por quase 20 séculos a figura dominante na história da cultura ocidental".
E ei-lo aqui, agora, diante de nós mais uma vez, fixando-nos os olhos que, ao longo dos séculos, os artistas de todos os estilos, lugares e épocas lhe atribuíram. Uma galeria excepcional dele foi reunida por um notável estudioso de iconografia e de história da arte, o francês François Boespflug, ao qual já devemos um imponente e suntuoso atlas de imagens de Deus, publicado em italiano pela Einaudi e por nós já apresentado nestas páginas. Da capa, traspassam-nos, oportunamente recortados de uma sobrecapa, os olhos do Pantocrator do mosteiro de Santa Catarina no Sinai, um encausto bizantino do século VI.
Na realidade, essa galeria de olhares cristológicos inicia dois séculos antes, com a arte paleocristã, e, se me permitem, gostaria de sugerir aos leitores dessa admirável antologia "visual" que se deixem capturar por um dos mais antigos retratos frontais de Cristo, realizado em torno de 385-88 em Ostia, segundo a técnica do opus sectile, na prática, uma espécie de mosaico de peças mais amplas (imagem acima).
Aquele rosto, emoldurado por cachos e marcado por uma barba muito cuidada, planta no nosso olhar dois grandes olhos exorbitantes e emocionantes, a ponto de – como nota Boepsflug – parecer quase aterrorizado com aquilo que vê ou espantado por ter sido surpreendido pela nossa atenção indiscreta.
Naturalmente, essa vasta exposição passa através dos séculos, introduzindo perfis gloriosos e semblantes atormentados, faces patéticas e rostos soberanos, fisionomias hieráticas e faces lacrimejantes (como não pensar no "Cristo", de Antonello da Messina? [imagem ao lado]).
A análise sóbria, mas incisiva, do estudioso de Estrasburgo consegue reencontrar também uma espécie de fio condutor evolutivo que não hesita em aportar também na eclipse anicônica daquele rosto com o impressionismo, a abstração e o cubismo.
Mas não teme avançar também no magma da ênfase do século XIX de implicações nacional-populares, mas deixando-nos, no fim, diante daquele perturbar, embora plácido, rosto cristológico de uma tela de Rouault dos Museus Vaticanos.
No entanto, permanece aos nossos olhos uma ''impressão" dificilmente apagável, que não é apenas visual e emotiva, mas que, também para o não crente, conserva todo o impacto existencial que Borges tinha expressado em um dos seus últimos textos poéticos, o Cristo na cruz: "A negra barba pende sobre o peito. / O rosto não é o rosto das lâminas. / É áspero e judeu. Não o vejo / e continuarei buscando até o dia / último dos meus passos sobre a terra".
Neste ponto, a referência necessária é aos Evangelhos, que, na ausência de outros retratos que chegaram até nós (o Sudário, contudo, é sempre hipotético), são quase a imagem em palavras daquele rosto do qual – para ainda citar o Borges do Paraíso XXXI, 108, evocação do véu lendário de Verônica – "perdemos esses traços (…) como se perde para sempre uma imagem no caleidoscópio".
Precisamente por isso, não hesitamos em propor uma leitura comentada dos quatro Evangelhos, assim como é oferecida de modo contínuo por um importante professor alemão, Klaus Berger, ao qual também somos devedores de um belo perfil sintético, que se tornou quase um best-seller, intitulado simplesmente Gesù e traduzido para o italiano pela editora Queriniana em 2006.
Esse comentário, embora seguindo página por página ou, melhor, trecho por trecho, os Evangelhos, perde a fragmentação típica das notas de rodapé do texto sagrado, como acontece em muitos outros comentários, e se transforma em uma espécie de exegese narrada (não "narrativa", que é uma abordagem metodológica particular).
Passo a passo, com toda a necessária instrumentação histórico-crítica, mas também com intuições temáticas e simbólicas, e até com referências pessoais e evocações contingentes, configuram-se não só os lábios de Cristo que falam e até comem, o seu olhar que conquista, as suas mãos que tocam e cuidam, mas também o enrijecimento final daquele corpo na morte e a sua misteriosa reapresentação na madrugada de Páscoa.
Falávamos de relato evangélico. Foi dito que os Evangelhos – além de serem o melhor retrato de Cristo – são também a única e autêntica "Vida de Jesus". E isso apesar da boa vontade e da criatividade de todos os seus biógrafos posteriores: pensemos apenas em Papini ou em Mauriac, mas também no jovem Hegel e em Renan, todos autores de uma Vida de Jesus (quem os venceu no tempo, porém, foi um monge certosino, um tal de Ludolfo da Saxônia, que, em 1474, publicou, em Estrasburgo, uma Vita Jesu Christi que foi reeditada nada menos do que 88 vezes!).
Entre os biblistas modernos, quem o tentou de maneira original, mas também atraindo algumas críticas, foi o exegeta alemão Gerd Theissen, conhecido pelas suas pesquisas de corte sociorreligioso aplicadas às coordenadas culturais, sociais, econômicas, políticas e religiosas em que foi encaixado o evento histórico de Jesus de Nazaré (significativo é o seu livro Sociologia del cristianesimo primitivo, que apareceu em 1979 e foi retomado pela editora Claudiana em 2007).
Agora é reeditado o seu "romance histórico" sobre Jesus, intitulado L'ombra del Nazareno [A sombra do Nazareno], um texto que se lê com gosto e que se abre, se desdobra e se encerra com um curioso debate dialético tecido com um hipotético interlocutor acadêmico, o professor Kratzinger, ao qual o colega passa, primeiro, um ensaio do seu projeto narrativo e, depois, todo o "romance", enquanto o está compondo.
Para concluir, porém, gostaria de voltar ainda a Borges e a uma sua fulminante intuição de matriz evangélica. Sabemos, de fato, que Cristo convida a reencontrar a sua presença atrás das faces dos últimos da terra, doentes, presos, famintos, sedentos, refugiados.
O escritor argentino, então, sempre no texto de título dantesco citado acima, convida a descobrir esse rosto de traços perdidos nos espelhos onde se refletem os nossos rostos: "Talvez um traço da cara crucificada espreite em cada espelho; talvez a cara morreu, se apagou, para que Deus seja todos".
Il Sole 24 Ore, 01-03-2015.
*Gianfranco Ravasi é cardeal, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura. Tradução de Moisés Sbardelotto.
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