sábado, 7 de março de 2015

A Igreja de Bergoglio e os 'reprimidos'

Em carta, padre capuchinho pede a Francisco reconciliação com os incompreendidos.


Por Valerio Gigante

Ele tinha escrito a carta há dois anos. Mas, não tendo recebido nenhuma resposta até hoje, pensou em torná-la pública, por meio da revista Adista, com o objetivo de relançar os conteúdos à opinião pública laica e católica, hoje em particular sintonia com o clima de diálogo e pluralismo que parece caracterizar a atual fase eclesial. Ele é Ortensio Da Spinetoli, nascido em 1925, padre capuchinho desde 1949, um dos "grandes velhos" da teologia conciliar e progressista.
Especialista em Novo e Velho Testamento, dedicou grande parte da sua vida ao estudo da Palavra de Deus através da mediação da palavra humana e do aprofundamento do Jesus histórico. Não sem sofrer consequências pela sua pesquisa livre e pela sua contribuição inovadora para a exegese das Escrituras: investigado pela Congregação para a Doutrina da Fé (1974), não foi condenado, mas, no entanto, foi removido do ensino e limitado nos seus discursos públicos.
Assim começaram 40 anos de silenciosa marginalização por parte da Igreja oficial, caracterizados, no entanto, por uma intensa e fecunda atividade de pesquisa (entre os seus livros, devem ser indicados ao menos Luca. Il Vangelo dei poveri (Assis: Cittadella, 1982); Chiesa delle origini Chiesa del futuro (Roma: Borla 1986); La prepotenza delle religioni (Roma: Datanews, 1994); Gesù di Nazaret (Molfetta: La Meridiana, 2005); Bibbia parola di uomo (Molfetta: La Meridiana, 2009); Io credo (Molfetta: La Meridiana, 2012).
O padre Ortensio tinha escrito a sua carta ao Papa Francisco, pouco depois da sua eleição, pedindo-lhe aquilo que, na Adista, também invocamos recentemente – mas com uma voz muito menos autorizada: um gesto, um encontro, senão até um ato de reconciliação ou um pedido de perdão em relação a todos aqueles padres, teólogos, religiosos, leigos, mulheres e homens de fé que, em todos os níveis, sofreram o clima autoritário e repressivo na sequência dos anos da fermentação pós-conciliar, especialmente sob os pontificados de Wojtyla e de Ratzinger.
"Caro Papa Francisco – assim inicia a carta do religioso –, é a segunda vez que me dirijo tão alto. No tempo de Paulo VI, fui exortado a enviar uma carta 'à sua sagrada mesa', na esperança de me isentar de uma desmotivada 'atitude persecutória' por parte dos bispos da região, de dois dicastérios vaticanos e do L'Osservatore Romano".
Ele escreve, esclarece, porque pretende fazer chegar ao papa uma proposta "em sintonia com a renovação eclesial que o senhor parece querer pôr em ação. Ei-la": "Por que não pensar em uma reunião dos 'dispersos de Israel', isto é, daqueles que, na Igreja, sofreram incompreensões, obstruções, exclusões, condenações, por causa não de crimes, mas das suas legítimas convicções teológicas, bíblicas ou éticas? Quantas Lampedusas, não digamos gulag, podem ser encontradas na história da Igreja! O Papa Bento XVI, pouco depois da sua eleição, convidou Hans Küng à sua villa de verão, mas quantos outros que, embora tivessem direito, ele deixou de fora? Não para uma absolvição ou promoção, mas para aquele pouco de dignidade e de respeito que lhes é devido e sempre lhes foi negado".
Além disso, continua o Pe. Ortensio, "a Igreja é a pátria de todos, mesmo dos que pensam diferente e até dos dissidentes, como acontece em qualquer sociedade civil, onde coexistem orientações contrapostas, até mesmo hostis entre si, sem que, por isso, se vá para o precipício. A fé, que é comunhão com Deus, é a mesma em todos os fiéis, enquanto o modo de entendê-la, que é teologia, não pode ser senão múltiplo, de acordo com os lugares, os tempos, as culturas daqueles que a acolhem; ainda mais diversificados são os modos de externalizá-la, ou seja, de celebrá-la (religião)".
"Talvez não se saiba com certeza – continua – o que Jesus 'fez e disse' (At 1, 1), mas, dada a sua índole 'mansa e humilde' (Mt 11, 29), a sua pregação propositiva e não impositiva, o seu estilo parenético e não dogmático, os seus temas preferidos, como a acolhida, a caridade, o amor, o perdão, ninguém jamais pode pensar que ele possa ter negado a sua referência ou, pior, que tenha banido quem quer que seja, ou que tenha sugerido aos seus de fazerem o mesmo com quem não estava de acordo com o seu ensinamento. Ao contrário, parece que ele fez o oposto. 'Deixem-no', respondera ele a quem lhe tinha contado que tinha silenciado alguém que se valia do seu nome sem ser do seu grupo (cfr. Lc 9, 50)".
"O exclusivismo – afirmou ainda – começou com protagonistas da Igreja nascente, começando por Paulo, que, como bom judeu, aprisiona os discípulos de Jesus de Nazaré (At 8, 3) e, como convertido, faz ser expulso da comunidade de Corinto um pobre pecador (1Cor 5, 3). É a mesma atitude que se encontra na comunidade de Mateus, em que a presença dos errantes, por um certo tempo, é tolerada, mas, depois, segue-se a expulsão (18, 17). Na única Igreja de Cristo, já se instaurou um regime de obstruções e de exclusões que envolve presbíteros (João, Caio, Demétrio) e pastores (Diótrefes, Timóteo, Tito e os anônimos de Ap 2, 3) (cfr. Cartas Pastorais e Católicas) e se ampliará, enrijecendo-se cada vez mais ao longo do tempo até os nossos dias."
"O pluralismo de qualquer forma – continua o Pe. Ortensio – não é um desastre, mas uma riqueza, porque faz abundar sobre todos os carismas, as doações concedidas a cada um. Quantas energias foram desperdiçadas porque os super-homens de plantão impediram outros de se expressarem. O Papa João XXIII, realmente sábio, além de santo, repetia que a Igreja é um jardim ainda mais bonito quanto mais rico de multiplicidade e variedade de flores. É um campo em que se encontram todos os tipos de plantas, até mesmo aquelas que os profanas chamam de tóxicas, porque não conhecem as suas propriedades. Até mesmo 'os abrolhos e os espinhos' que estão atravancando o terreno têm a sua função, que é a de manter despertas as mentes das criaturas inteligentes. A aceitação do pluralismo não significa que todas as teorias ou doutrinas sejam iguais ou, pior, que todas são justas e verdadeiras, mas que todas têm igual direito de livre circulação na colmeia comunitária, justamente segundo os ditames do Vaticano II, que reconheceu pela primeira vez também ao cristão a 'liberdade de consciência', isto é, a faculdade de falar do próprio credo segundo os seus conhecimentos e competências. Não se trata de endossar um sincretismo religioso, mas de respeitar os dons que cada um recebeu de Deus."
Se essa reunião ocorresse, escreveu Ortensio Da Spinetoli, "seria um evento inesperado, mas verdadeiramente profético, seria o repúdio de um passado infeliz, antievangélico, ditatorial". Além disso, "seria extraordinário se a desejada 'reunião' pudesse coincidir com o encerramento definitivo do Supremo Tribunal ou o ex-Santo Ofício, por estar muito em contraste com a mensagem central do Evangelho, centrado na caridade e no perdão antes do que na justiça, muito menos a punitiva que é própria dos regimes totalitários. O Concílio tinha pensado e proposto isso, mas, apesar disso, manteve-se com todo o seu rigor."
"Desejo-lhe todo o bem e rezarei ao Senhor pelo senhor e pelo sucesso da sua missão; queira ter um pensamento por mim e por todos nós. Frei Ortensio Da Spinetoli."
Adista, 04-03-2015.
*Tradução de Moisés Sbardelotto.

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