terça-feira, 24 de março de 2015

Último 'Menino de Brodowski' sonha em ver original da tela de Portinari

Arduíno Morando, de 76 anos, foi retratado pelo artista plástico em 1946.
'Demorou 7 ou 8 minutos', lembra aposentado, vizinho da Casa de Portinari.

Rodolfo TiengoDo G1 Ribeirão e Franca

Arduíno Morando, 76 anos, "menino de Brodowski" (Foto: Rodolfo Tiengo/G1)Arduíno Morando, 76 anos, "menino de Brodowski" (Foto: Rodolfo Tiengo/G1)
A Casa de Portinari tem um ilustre vizinho que a conhece por bem mais do que seus 45 anos comemorados como museu em Brodowski (SP). Arduíno Heitor Morando, de 76 anos, vive em uma das esquinas na Praça Candido Portinari, recinto em que viu sua infância passar ao lado de um dos expoentes da arte mundial.
Convívio que o fez ser um dos protagonistas de “Meninos de Brodowski”, série produzida na década de 1940 por Portinari com crianças de sua cidade natal. Arduíno é o único dos personagens que ainda está vivo para contar as memórias daquele tempo e revela uma vontade pessoal de ver de perto a tela de 96 centímetros por 56 que o tornou tão conhecido.
“Lá no fundo do quintal, ele pegou uma cadeira para mim e mandou eu me sentar. Aí ele me retratou. Demorou sete ou oito minutos, foi coisa rápida. Ele fazia como se fosse um rascunho, não reparei direito”, afirma o aposentado.
O episódio, que hoje o consagra com apelidos como “o menino de Brodowski” ou “o menino de Portinari” na fila do banco ou no supermercado, ocorreu em 1946. Antes de viajar a Paris, onde realizaria sua primeira exposição na Europa, Candido Portinari retratou com óleo sobre papel 21 garotos de Brodowski.
Nas figuras dos meninos em sua maioria descalços, trajes simples e de ossatura tipicamente desproporcional, o pintor conseguiu mesclar os símbolos de suas memórias pessoais com influências clássicas.
Lá no fundo do quintal, ele pegou uma cadeira para mim e mandou eu me sentar. Aí ele me retratou. Demorou sete ou oito minutos, foi coisa rápida"
Arduíno Heitor Morando,
"menino de Brodowski"
Assim como os outros, na data da elaboração da série, Arduíno era apenas um menino de 7 anos que gostava de brincar na rua, onde soltava pipa e andava de bicicleta. Seu mundo era a praça, em frente à residência de Portinari, pai de seu amigo de infância, João Candido. A proximidade com a família e com a casa, então frequentada por Portinari esporadicamente para descansar, era comum naquela época, lembra o aposentado.
“Eu não saía dali. Ficava muito lá. À noite minha mãe vinha fazer crochê com a dona Dominga [mãe de Portinari] e eu vinha fazer minha lição na casa dele. Às vezes a dona Dominga me chamava pra comprar alguma coisa para ela, às vezes eu almoçava lá. A minha infância eu passei bastante com João Candido, que me ensinou a andar de bicicleta”, diz.
"Menino de Brodowski", reprodução de obra de Portinari (Foto: Rodolfo Tiengo/G1)"Menino de Brodowski", reprodução de obra de
Portinari (Foto: Rodolfo Tiengo/G1)
O convite para ser retratado na série eternizada pelo pintor surgiu da espontaneidade daquela convivência e aconteceu sem muitos preparativos. Do jeito que estava, vestindo camisa e bermuda, e descalço, o pequeno Arduíno parou de brincar aquela tarde para ser desenhado. “Eu vinha muito à casa dele. Até que um dia ele me chamou e me retratou.”
Ao protagonizar uma rápida viagem pelo tempo, ele recorda que nunca passou por sua cabeça que aqueles sete ou oito minutos seriam tão importantes para a posteridade. "Eu sou o único vivo. (...) Não tenho palavras para comentar. Hoje é uma satisfação enorme, mas naquela época eu não ligava, só queria saber de brincar, soltar pipa.”
Hoje, 69 anos depois, Arduíno guarda com orgulho uma réplica da tela com sua ilustração, mas revela que nunca viu de perto a obra original, que não fica no museu em Brodowski e pertence a uma coleção particular. “Nunca tive acesso, mas tenho vontade de ver. Mas o quê posso fazer?”
Admirador confesso do conterrâneo, o aposentado, embora valorize o trabalho que inspirou, não considera sua tela o trabalho mais belo de Portinari. "Existem obras mais importantes que a minha. É só entrar na capelinha da Nonna [conjunto de imagens sacras produzido por Portinari para sua avó] que você vê. É uma maravilha. Tem muita obra que ele expôs pra fora, tem muita coisa", afirma.
Arduíno Morando, 76 anos, "menino de Brodowski" (Foto: Rodolfo Tiengo/G1)Arduíno sonha em ver original de "Menino de Brodowski" (Foto: Rodolfo Tiengo/G1)

 

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