sexta-feira, 1 de maio de 2015

A vaga música de Cecília

1 de maio de 2015

Cecília Meireles: “dona da poesia-canção”.
Cecília Meireles: “dona da poesia-canção”.
Por Carlos Ávila
Ezra Pound assinalava que poesia não é bem literatura, que a poesia estava mais perto das outras artes – como da música, por exemplo. A poesia de Cecília Meireles (1901/1964) parece evidenciar essa observação, enfatizar mesmo esse aspecto por meio de sua musicalidade intrínseca. Os versos parecem soar, e não “falar” ou significar, na poesia de Cecília; seus poemas “cantam” (ou fazem cantar).
As palavras acima foram sugeridas pela releitura de “Vaga música”. Trata-se de um livro de Cecília, editadoem 1942 (relançado pela Ed. Global em 2013), cujo nome explicita o aspecto musical de sua produção. Nesse volume, entre as formas poéticas mais utilizadas pela autora está a canção (do latim cantione(m); canto, canção – “de modo genérico, designa toda composição poética destinada ao canto ou que encerra nítida aliança com a música”, segundo Massaud Moisés).
O poema que abre o livro tem como título e tema justamente um dos elementos básicos da música – o ritmo: “O ritmo em que gemo/doçuras e mágoas/é um dourado remo/por douradas águas”. Na visão de Mário Faustino, Cecília “é dona da poesia-canção em nossa língua”; “ninguém canta, entre nós, melhor do que ela”.
“Vaga música” mostra o domínio da métrica e do ritmo, ou seja, o virtuosismo de Cecília no manejo das formas fixas, como a já citada canção, o epigrama, o romance e outras estruturas poéticas com quartetos e tercetos (para não falar no uso, aqui e ali, do verso livre e longo; leia-se, por exemplo, o seu “Solilóquio do novo Otelo”).
A poética de Cecília (“pastora de nuvens”, num poema-homenagem de Murilo Mendes) segue de perto a linhagem simbolista, numa releitura moderna da mesma, acrescentando novos elementos e efeitos sugestivos.
No plano do conteúdo, “Vaga música” traz as inquietações e interrogações relacionadas à existência humana, através de um filtro lírico – marca registrada de Cecília –, seguramente, uma das grandes poetas do século 20 em língua portuguesa, figurando ao lado, por exemplo, da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919/2040) e da nossa Henriqueta Lisboa (1901/1985).
Autora de um clássico, o “Romanceiro da Inconfidência” – texto de largo fôlego, talvez o mais bem realizado poema longo de nossa poesia (superior como unidade de composição à barroca e exuberante “Invenção de Orfeu” de Jorge de Lima) –, é nas peças mais breves, como as encontradas em “Vaga música”, que Cecília se realiza plenamente como poeta, com dicção e música próprias, uma voz única que vaga e voa transcendendo o tempo.

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