domingo, 24 de maio de 2015

Memórias de Peter Hook, baixista do Joy Division, humanizam Ian Curtis

por Luciano Trigo

G1 Joy Division capaApenas 28 meses separam a primeira apresentação ao vivo da banda inglesa Joy Division, em janeiro de 1978, e a última, em maio de 1980. Nesse período foram lançados dois álbuns – “Unknown Pleasures” e “Closer” – e algumas canções avulsas, que redesenharam o cenário da música pop e influenciaram um sem-número de artistas em todo o planeta. Quando parecia que a banda ia decolar de vez, na véspera do embarque para sua primeira turnê nos Estados Unidos, o cantor Ian Curtis se enforcou. Ele tinha 23 anos.

A morte precoce de Curtis transformou o Joy Division em um mito até hoje cultuado. Com uma sonoridade sombria e contida, que reprocessa radicalmente influências do punk rock, seus dois álbuns são marcados por uma estranha tensão, que refletia a juventude depressiva do decadente norte industrial da Inglaterra daqueles anos e também o equilíbrio instável entre os temperamentos e os impulsos criativos de seus quatro integrantes – além de Curtis, o baixista Peter Hook, o guitarrista Bernard Summer e o baterista Stephen Morris – além do talento visionário e transgressor do produtor Martin Hannett.

Ian Curtis e o Joy Division já renderam literalmente dezenas de livros biográficos, mas o fato é que nenhum deles foi escrito por quem acompanhou a história toda de dentro. “Joy Division – Unknown Pleasures”, do baixista Peter Hook (editora Seoman, 392 pgs. R$ 52) é a primeira biografia da banda a apresentar uma narrativa, por assim dizer, interior, ainda que o próprio autor admita que muito do que ele escreve seguramente poderia ser contestado por personagens com lembranças diferentes dos mesmos episódios. Entre esses está Deborah Curtis, a viúva de Ian, que já lançou sua própria versão da história, “Touching from a Distance” – mais focada, naturalmente, na vida e na personalidade do marido.

Leia aqui um trecho do livro “Joy Division – Unknown Pleasures”.
O livro de Peter Hook é cheio de anedotas bem humoradas, às vezes escatológicas, sobre o convívio entre os quatro músicos, o que contribui para humanizar a imagem da banda e de Ian Curtis, que muitas vezes são retratados como figuras revoltadas e em permanente estado de melancolia suicida. Não faltam relatos, como é inevitável em livros sobre bandas de rock, sobre consumo industrial de drogas e álcool, nem detalhadas reconstituições dos bastidores das apresentações, marcadas pela precariedade e improviso. Mas o melhor do livro é o retrato sincero e sem filtros que Hook faz do convívio cotidiano de quatro jovens oriundos da classe operária de Salford, subúrbio de Manchester, sem muito dinheiro nem maiores perspectivas na vida, que se conheceram na plateia de shows da banda Sex Pistols, em 1976, e sua trajetória rumo ao sucesso improvável.

Hook reconhece que a morte precoce de Ian criou uma aura mítica em torno do Joy Division, mas em uma das passagens mais tocantes do livro resume a sua relação com a perda do amigo. “A morte sempre tem um impacto enorme no mundo do rock, basta olhar para Jimi Hendrix, Janis Joplin, Kurt Cobain. Ela cria um certo mistério. Mas o suicídio é uma solução de longa duração para um problema de curta duração. Uma das coisas mais frustrantes na minha vida é saber que o filho de Ian perdeu seu pai, e que uma banda perdeu seu líder para sempre. Isso é imperdoável.”
Joy Division













Ian Curtis sofria de epilepsia (chegou a ter crises no palco), já tinha uma filha para criar, passava por problemas emocionais e financeiros e se mostrou incapaz de suportar as pressões decorrentes de um estilo de vida marcado pelo consumo desregrado de álcool e drogas. Curiosamente, a sua morte não resultou na extinção total do Joy Division, como seria de se esperar mas na sua transformação em outra banda de enorme sucesso e influência – e de carreira mais longeva e lucrativa, ainda que bastante tumultuada, e que terminou numa dissolução litigiosa: o New Order, cuja história está contada de forma bastante livre no filme “A festa nunca termina” (“24 Hour Party People”), de Michael Winterbottom, de visão obrigatória para todos os interessados na história da música pop britânica.

Três anos atrás Peter Hook decidiu fazer uma bem-sucedida turnê, apresentando, com sua nova banda, a Light, todas as faixas do álbum “Unknown Pleasures”, o que deixou irritadíssimos Bernard e Stephen. No ano seguinte, quando planejava fazer a mesma coisa com o álbum “Closer”, Hook teve uma surpresa desagradável: seus ex-parceiros anunciaram a volta do New Order – sem incluí-lo na nova formação. Os três não se falam hoje em dia, mas outro ponto positivo de “Unknown Pleasures” é que Hook fala sem ressentimentos, e mesmo com generosidade, dos bons e intensos momentos que todos passaram juntos, com Ian.

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