Padre Geovane
Saraiva*

Assaz a participação
do artífice da paz no Concílio Vaticano II (1962-1965), agindo excepcionalmente
nos bastidores com um articulador muito especial. Certa vez Dom Hélder
confidenciou: “Uma de minhas maiores emoções, em toda minha vida, foi quando da
abertura da primeira sessão do Concílio Vaticano II”. Em sua aula inaugural, o
Papa João XXIII disse com força: “Aqui estamos para a nossa conversão” e ele
mesmo se incluía. Isso significava que nós, cristãos, padres e bispos e até o
Papa, precisávamos voltar às origens do cristianismo e a reaprender o
Evangelho. Devemos beber novamente da fonte d’água da vida que é o próprio
Deus.
O processo de
beatificação de Dom Helder faz-nos pensar em Karl Rahner, sacerdote jesuíta,
nascido na Alemanha (1904-1984); que foi um dos maiores e mais importantes
teólogos do século XX, certamente o influenciou enormemente, deixando marcas
profundas e forte presença no meio cristão, pela sua ação concreta em favor da
Igreja, também seus dons e inteligência privilegiada, destacando-se como assessor
do Concílio Vaticano II. Além de desempenhar um relevante papel, incentivando a
Igreja Católica para que se abrisse ao mundo e às diversas tradições e
culturas. Dizia ele com a coragem profética, bem dentro do espírito de Dom
Helder, que lhe era peculiar, que o cristão do futuro será um místico ou não
será nada.
Como místico,
tornou-se conhecido no Brasil e no mundo inteiro, por sua luta em favor de uma
humanidade livre, especialmente, os desafortunados da vida, os empobrecidos, os
“sem voz e sem vez”, como ele costumava dizer. O Papa Francisco, logo no início
de seu pontificado deu sinais concretos da importância do Concílio Vaticano II:
dispensou a cruz de ouro, recusou o carro de luxo, pagou a sua conta na pensão,
exortou os bispos a saírem dos palácios e a irem para as periferias, disse que
a Igreja sem a Cruz é tão somente uma piedosa ONG, pediu a bênção dos fiéis e
se esforça para dar rumo aos trabalhos pastorais nos nossos dias. Vejo a
essência do seu pontificado nas palavras daquele que era invocado com nome ‘Dom
da Paz’: “Que eu aprenda afinal, com a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, a
cobrir de véus o acidental e efêmero, deixando em primeiro plano, apenas o
mistério da Redenção".
Deveras Dom Helder, no seu sonho em favor de
uma Igreja povo de Deus, servidora e despojada, restaurada e renovando no amor,
dentro do espírito do Pacto das Catacumbas (16/11/1965), propôs ao Santo Padre,
o Papa Paulo VI, uma sugestão filial quanto profética: “Santo Padre, abandone seu título de rei e
vamos reconstruir a Igreja como nosso Mestre, sendo pobres. Deixe os palácios
do Vaticano, vá morar numa casa na periferia de Roma. Pode até ter uma praça
para saudar e abençoar as ovelhas. Depois, Santo Padre, convide a todos os
bispos a largarem tudo o que indica poder, majestade: báculos, solidéus,
mitras, faixas peitorais, batinas roxas. Vamos amontoar tudo na Praça de São
Pedro e fazer uma grande fogueira, dizendo de peito aberto para o povo: Vejam,
não somos mais príncipes medievais. Não moramos mais em palácios. Todos somos
pastores, somos pobres, somos irmãos”.
Ninguém melhor
do que Dom Helder para perceber o rosto de Deus na dor, na angustia e no
sofrimento do próximo: “...nos rostos gastos pela fome e esmagados pelas
humilhações vi o rosto do Cristo Ressuscitado”.
Apesar de não ter convivido com Dom Helder, ao ingressar no seminário em
1974, passei a admirá-lo. Tive a sorte de estar com ele em três ocasiões. Sua
vida foi um verdadeiro hino de louvor a Deus. Em 1948 como padre novo no Rio de
Janeiro se expressou de modo extremamente profundo e em tom poético, ao
externar: “Se eu pudesse sairia povoando de sono e de sonhos as noites mal
dormidas dos desesperados”.
Escritor, blogueiro, colunista,
vice-presidente da Previdência Sacerdotal e Pároco de Santo Afonso, Parquelândia,
Fortaleza-CE – geovanesaraiva@gmail.com
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