175 milhões de pessoas vivem hoje fora dos seus países e não podem voltar para casa.
Por Marco Lacerda*
Refugiado é toda pessoa que, por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar.
175 milhões de pessoas vivem hoje fora dos seus países. O Brasil abriga apenas 5.208 delas, sendo colombianos e angolanos quase metade dos estrangeiros com esse status, segundo o Ministério da Justiça. A cifra brasileira é irrelevante se comparada com a do Paquistão com seus 1, 6 milhão de refugiados, a maior do mundo.
Os campos de refugiados estão espalhados por todos os continentes: pessoas que perderam tudo e conseguiram, a duras penas, salvar as próprias vidas deslocando-se para locais distantes de zonas de conflito. “Esse é um drama pouco mostrado pela imprensa e que a maior parte das pessoas desconhece ou não quer nem tomar conhecimento”, diz o professor Pio Penna Filho, da Universidade de Brasília.
No Brasil, por exemplo, o tema refugiados não costuma comover as pessoas, a não ser aqueles que se dedicam diretamente ao problema, recebendo e tentando resolver a situação dramática de quem teve que partir de sua terra para não morrer. É o caso da organização Cáritas que qualifica o fenômeno como “a pior crise humanitária do mundo”. Campos de refugiados são lugares marcados por dor, sofrimento, medo e mágoa.
No campo de Otash, no Darfur, “vivemos como animais, nossas vidas estão destruídas”, relata Abdall Karim. O choro de crianças desnutridas serve de pano de fundo à história de Abdall, cuja família foi atingida pelas milícias Janjaweed. “Eles mataram muitos membros da nossa família: primeiro vieram as metralhadoras, depois os Janjaweed em cavalos e camelos”, descreve.
Abdall explica que não pode voltar para casa, ao contrário do que o governo sudanês pretende. “Eles (as milícias) vão nos matar. Aqui, por outro lado, que vida poderemos ter?”, interrogam-se Abdall e a sua mulher, que querem dar a conhecer ao mundo as atrocidades que vive o seu povo desde 2003.
O testemunho da atriz Angelina Jolie
Desde 2007 a atriz Angelina Jolie já esteve no Iraque cinco vezes, mas nunca viu sofrimento maior como o que testemunhou dessa última vez, em 2015. “Fui visitar os campos e assentamentos informais onde iraquianos desalojados e refugiados sírios chegam desesperados em busca de abrigo e proteção contra a luta que toma conta das regiões onde vivem”, diz a atriz em artigo divulgado em todo o mundo.
Em quase quatro anos de guerra, quase metade da população da Síria, que é de 23 milhões de habitantes, teve que se deslocar. Dentro do Iraque, mais de um milhão fugiu do conflito e do terror impostos pelos grupos extremistas. Essas pessoas são testemunhas de uma brutalidade inominável. Seus filhos não podem estudar, elas lutam para sobreviver e se veem cercadas de violência por todos os lados.
“Há vários anos visito os acampamentos e todas as vezes procuro me sentar com os moradores e ouvir suas histórias”, conta a atriz que como enviada especial do Alto Comissariado da ONU para Refugiados. “Tento dar todo o apoio que me é possível, dizer algo que mostre solidariedade e oferecer uma diretriz, alguma referência de esperança – mas desta vez não encontrei palavras”.
O que dizer a uma mãe, com lágrimas nos olhos, que fala da filha que está nas mãos do Estado Islâmico e confessa que preferia estar com ela? Mesmo que fosse estuprada e torturada, afirma, seria melhor do que não ter a menina ao seu lado. O que dizer a uma garota de treze anos que descreve os galpões onde ela e outras ficaram e de onde eram tiradas, três por vez, para serem estupradas pelos homens? Quando seu irmão descobriu, se matou.
Como articular alguma coisa quando uma mulher da idade de Angelina olha em seus olhos e diz que viu a família ser morta na sua frente e agora vive só com um mínimo aceitável de comida para sobreviver?
“Em uma das barracas, conheci oito irmãos. Órfãos. O pai foi morto, a mãe desapareceu, provavelmente feita refém. O rapaz de 19 anos é o que sustenta a todos. Quando comento que é muita responsabilidade para alguém tão jovem, ele só sorri e põe o braço no ombro da irmã caçula. Afirma que se sente agradecido pela oportunidade de trabalhar e ajudar. E é sincero. Ele e sua família são a esperança de algum futuro. São fortes e determinados contra todas as expectativas”.
Não existem cursos preparatórios para a realidade de tanto sofrimento individual, para as histórias de dor e morte, o olhar traumatizado e faminto das crianças. “Quem pode culpá-los por acharem que desistimos deles? Estão recebendo uma fração da ajuda humanitária de que necessitam. Não houve nenhum avanço nas tentativas de acabar com a guerra na Síria desde que as negociações de Genebra fracassaram, há um ano. O país arde em chamas e várias regiões do Iraque estão em conflito. As portas de muitas nações se fecharam. Não há a quem recorrer”, constata Jolie.
Os países vizinhos da Síria precisam receber um volume de assistência muito maior para suportar o fardo insustentável de milhões de refugiados. As iniciativas humanitárias da ONU sofrem de uma carência drástica de fundos. As nações fora da região devem oferecer proteção para os mais vulneráveis se reerguerem – as vítimas de estupro e tortura, por exemplo. Acima de tudo, porém, a comunidade internacional tem que encontrar um caminho para o acordo de paz. Não basta defender valores em casa, nos jornais e nas instituições. É preciso fazê-lo nos campos de refugiados do Oriente Médio e nas cidades fantasmas, em ruínas, da Síria.
Dadaab, Quênia, o maior campo de refugiados do mundo. Veja o vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Domtotal.
175 milhões de pessoas vivem hoje fora dos seus países. O Brasil abriga apenas 5.208 delas, sendo colombianos e angolanos quase metade dos estrangeiros com esse status, segundo o Ministério da Justiça. A cifra brasileira é irrelevante se comparada com a do Paquistão com seus 1, 6 milhão de refugiados, a maior do mundo.
Os campos de refugiados estão espalhados por todos os continentes: pessoas que perderam tudo e conseguiram, a duras penas, salvar as próprias vidas deslocando-se para locais distantes de zonas de conflito. “Esse é um drama pouco mostrado pela imprensa e que a maior parte das pessoas desconhece ou não quer nem tomar conhecimento”, diz o professor Pio Penna Filho, da Universidade de Brasília.
No Brasil, por exemplo, o tema refugiados não costuma comover as pessoas, a não ser aqueles que se dedicam diretamente ao problema, recebendo e tentando resolver a situação dramática de quem teve que partir de sua terra para não morrer. É o caso da organização Cáritas que qualifica o fenômeno como “a pior crise humanitária do mundo”. Campos de refugiados são lugares marcados por dor, sofrimento, medo e mágoa.
No campo de Otash, no Darfur, “vivemos como animais, nossas vidas estão destruídas”, relata Abdall Karim. O choro de crianças desnutridas serve de pano de fundo à história de Abdall, cuja família foi atingida pelas milícias Janjaweed. “Eles mataram muitos membros da nossa família: primeiro vieram as metralhadoras, depois os Janjaweed em cavalos e camelos”, descreve.
Abdall explica que não pode voltar para casa, ao contrário do que o governo sudanês pretende. “Eles (as milícias) vão nos matar. Aqui, por outro lado, que vida poderemos ter?”, interrogam-se Abdall e a sua mulher, que querem dar a conhecer ao mundo as atrocidades que vive o seu povo desde 2003.
O testemunho da atriz Angelina Jolie
Desde 2007 a atriz Angelina Jolie já esteve no Iraque cinco vezes, mas nunca viu sofrimento maior como o que testemunhou dessa última vez, em 2015. “Fui visitar os campos e assentamentos informais onde iraquianos desalojados e refugiados sírios chegam desesperados em busca de abrigo e proteção contra a luta que toma conta das regiões onde vivem”, diz a atriz em artigo divulgado em todo o mundo.
Em quase quatro anos de guerra, quase metade da população da Síria, que é de 23 milhões de habitantes, teve que se deslocar. Dentro do Iraque, mais de um milhão fugiu do conflito e do terror impostos pelos grupos extremistas. Essas pessoas são testemunhas de uma brutalidade inominável. Seus filhos não podem estudar, elas lutam para sobreviver e se veem cercadas de violência por todos os lados.
“Há vários anos visito os acampamentos e todas as vezes procuro me sentar com os moradores e ouvir suas histórias”, conta a atriz que como enviada especial do Alto Comissariado da ONU para Refugiados. “Tento dar todo o apoio que me é possível, dizer algo que mostre solidariedade e oferecer uma diretriz, alguma referência de esperança – mas desta vez não encontrei palavras”.
O que dizer a uma mãe, com lágrimas nos olhos, que fala da filha que está nas mãos do Estado Islâmico e confessa que preferia estar com ela? Mesmo que fosse estuprada e torturada, afirma, seria melhor do que não ter a menina ao seu lado. O que dizer a uma garota de treze anos que descreve os galpões onde ela e outras ficaram e de onde eram tiradas, três por vez, para serem estupradas pelos homens? Quando seu irmão descobriu, se matou.
Como articular alguma coisa quando uma mulher da idade de Angelina olha em seus olhos e diz que viu a família ser morta na sua frente e agora vive só com um mínimo aceitável de comida para sobreviver?
“Em uma das barracas, conheci oito irmãos. Órfãos. O pai foi morto, a mãe desapareceu, provavelmente feita refém. O rapaz de 19 anos é o que sustenta a todos. Quando comento que é muita responsabilidade para alguém tão jovem, ele só sorri e põe o braço no ombro da irmã caçula. Afirma que se sente agradecido pela oportunidade de trabalhar e ajudar. E é sincero. Ele e sua família são a esperança de algum futuro. São fortes e determinados contra todas as expectativas”.
Não existem cursos preparatórios para a realidade de tanto sofrimento individual, para as histórias de dor e morte, o olhar traumatizado e faminto das crianças. “Quem pode culpá-los por acharem que desistimos deles? Estão recebendo uma fração da ajuda humanitária de que necessitam. Não houve nenhum avanço nas tentativas de acabar com a guerra na Síria desde que as negociações de Genebra fracassaram, há um ano. O país arde em chamas e várias regiões do Iraque estão em conflito. As portas de muitas nações se fecharam. Não há a quem recorrer”, constata Jolie.
Os países vizinhos da Síria precisam receber um volume de assistência muito maior para suportar o fardo insustentável de milhões de refugiados. As iniciativas humanitárias da ONU sofrem de uma carência drástica de fundos. As nações fora da região devem oferecer proteção para os mais vulneráveis se reerguerem – as vítimas de estupro e tortura, por exemplo. Acima de tudo, porém, a comunidade internacional tem que encontrar um caminho para o acordo de paz. Não basta defender valores em casa, nos jornais e nas instituições. É preciso fazê-lo nos campos de refugiados do Oriente Médio e nas cidades fantasmas, em ruínas, da Síria.
Dadaab, Quênia, o maior campo de refugiados do mundo. Veja o vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Domtotal.
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