domingo, 28 de junho de 2015

Mudanças climáticas: uma questão moral

O futuro da vida humana na terra depende de um delicado equilíbrio.

"Precisamos, portanto, reduzir a influência da ganância, do ódio e da ilusão no funcionamento dos sistemas sociais. A formação política deve estar motivada não por um autointeresse estreito, mas pelo espírito magnânimo de generosidade, compaixão e sabedoria", afirma Ven. Bhikkhu Bodhi, monge budista, tradutor de textos budistas em língua páli e fundador do Buddhist Global Relief. Este artigo foi escrito originalmente para o OurVoices em conexão com a publicação da encíclica do Papa Francisco sobre as mudanças climáticas.
Eis o artigo:
Uma resposta budista à encíclica sobre as mudanças climáticas do Papa Francisco.
No dia 18 de junho o Papa Francisco emitiu uma encíclica papal que aponta para as mudanças climáticas como sendo a questão moral fundamental do nosso tempo. A encíclica proclama, ousadamente, que a capacidade da humanidade de alterar o clima nos coloca com a mais séria responsabilidade moral que já tivemos de suportar. As mudanças climáticas afetam a todos. As perturbações da biosfera que ocorrem hoje vinculam todos os povos, em todos os lugares, a uma única família humana, fazendo com que os nossos destinos estejam entrelaçados inseparavelmente. Ninguém pode escapar dos impactos climáticos, não importa o quão remoto alguém possa estar dos centros movimentados da indústria e do comércio. A responsabilidade pela preservação do planeta recai sobre todos.
O futuro da vida humana na terra depende de um delicado equilíbrio, e a janela para a ação efetiva está se fechando rapidamente. Pontos de ruptura e reações negativas da natureza nos ameaçam tanto quanto as ogivas nucleares.
O que aumenta o perigo é nossa tendência à apatia e à negação. Por esta razão, temos de começar a enfrentar a crise com um ato da verdade, reconhecendo que a mudança climática é real e resulta da atividade humana. Nisso, a ciência é clara: o consenso entre os cientistas do clima é quase universal. O tempo para a negação, o ceticismo e o atraso acabou.
As nossas economias baseadas em carbono geram não só montanhas de mercadorias, mas também ondas de calor e inundações, a elevação dos mares e a desertificação. O clima espelha o estado de nossas mentes, refletindo as escolhas que fazemos nos níveis regionais, nacionais e global. Estas escolhas, tanto coletivas quanto individuais, são inevitavelmente éticas. Elas estão espalhadas entre o que é conveniente e o que é certo. Elas determinam quem vai viver e quem vai morrer, quais comunidades irão florescer e que irão perecer. Em última análise, elas determinam nada menos do que se a própria civilização humana vai sobreviver ou desmoronar.
Uma vez que as religiões comandam a devoção de bilhões de pessoas, são elas que devem liderar os esforços na tentativa de combater as mudanças climáticas, usando suas convicções éticas para mobilizar os seus seguidores. Na qualidade de religião não teísta, o budismo vê os seus compromissos morais decorrerem não do decreto de um Deus Criador, mas a partir da nossa obrigação de promover o verdadeiro bem-estar de nós mesmos e dos outros.
O Buda traça toda a conduta imoral a três fatores mentais, os quais chama de as três raízes maléficas: a ganância, o ódio e a ilusão. A ganância impulsiona as economias a consumirem, com voracidade, os combustíveis fósseis, a fim de maximizar os lucros, destruindo os recursos finitos da terra e enchendo os seus sumidouros com resíduos tóxicos. O ódio subjaz não só a guerra e a intolerância, mas também a indiferença insensível que nos permite entregar milhares de pessoas a fome, a seca e a inundações devastadoras sem pestanejar. A ilusão – um autoengano e o engano deliberado dos outros – é reforçada pelas falsidades produzidas a partir dos interesses das empresas de combustíveis fósseis em impedir medidas corretivas.
Precisamos, portanto, reduzir a influência da ganância, do ódio e da ilusão no funcionamento dos sistemas sociais. A formação política deve estar motivada não por um autointeresse estreito, mas pelo espírito magnânimo de generosidade, compaixão e sabedoria. Uma economia baseada na premissa da expansão infinita, voltada para a produção e o consumo infinitos, tem de ser substituída por uma economia de estado estacionário regida pelo princípio da suficiência, que dá prioridade à satisfação, ao serviço aos outros e à realização interior como a medida da boa vida.
A maré moral de nossa época nos impulsiona em duas direções. Uma delas vai no sentido de elevarmos os padrões de vida das bilhões de pessoas atoladas na pobreza, que lutam a cada dia para sobreviver. A outra é a de preservar a integridade e a capacidade de sustentação do planeta. Uma rápida transição para uma economia alimentada por fontes limpas e renováveis de energia, com a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento, permitiria realizar tanto uma coisa quanto a outra, combinando justiça social com sustentabilidade ecológica.
De início, devemos começar esta transição assumindo compromissos nacionais e globais altamente específicos de reduzir as emissões de carbono, e devemos fazê-lo rápido. A Conferência das Partes, que se reúne em Paris no próximo mês de dezembro, tem de mostrar o caminho. Esta reunião deve culminar em um acordo climático que imponha metas verdadeiramente rigorosas, vinculantes e exequíveis para a redução de emissões de gases de efeito estufa à atmosfera. Promessas por si só não serão suficientes: os mecanismos de aplicação destas diretrizes são fundamentais. E, além de um acordo forte, vamos precisar de um esforço internacional, realizado com um sentido de urgência convincente, para afastar a economia global da dependência dos combustíveis fósseis, indo em direção a fontes limpas de energia.
O Papa Francisco lembra-nos que as mudanças climáticas representam não somente um desafio político, mas também um chamado à consciência moral. Se continuarmos a queimar combustíveis fósseis para empoderar o crescimento econômico desenfreado, a biosfera irá se desestabilizar, resultando em devastação inimaginável, mortes de milhares de pessoas, Estados falidos e caos social. Mudar para energia limpa e renovável pode reverter esta tendência, abrindo caminhos para uma economia de estado estacionário que eleva os padrões de vida de todos. Um caminho conduz a uma cultura da morte; o outro conduz a uma nova cultura da vida. Na medida em que as mudanças climáticas se aceleram, a escolha diante de nós mostra-se cada vez mais gritante, e a necessidade de escolhermos sabiamente torna-se cada vez mais urgente.
Instituto Humanitas Unisinos.

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