Meu favorito é a penalidade por "transportar criança sem observar normas de segurança do CTB".
Por Max Velati
Não, não vou falar dos mocinhos e bandidos, do "pega ladrão" que domina hoje os noticiários. Também não vou comentar a bagunça política, social e econômica, tanto acima quanto abaixo da linha do Equador, a leste e a oeste de Greenwich. Depois de um susto na estrada vou dividir aqui minhas reflexões sobre um assunto que produz tantas tragédias quanto a corrupção na política ou o caos da economia atual, mas ainda assim tratamos como se fosse uma catástrofe natural contra a qual nada pode ser feito.
Ontem, depois de ver dois carros apostando corrida na rodovia que eu e minha esposa usamos para ir para casa todos os dias, dei-me ao trabalho de consultar a tabela de multas e infrações de trânsito. Descobri que "disputar corridas" ou "participar na via de competições esportivas sem permissão" pode significar multa de R$ 1915,38 e sete pontos a menos na carteira. Este valor parece ser o teto para punir infrações graves ou pelo menos o que foi determinado na tabela como grave, mas que na minha conta são infrações absurdamente graves. A ultrapassagem pelo acostamento, por exemplo, tão comum nas nossas estradas, vale módicos R$ 957,69 e os mesmos 7 pontos. A própria exigência da carteira de habilitação fica questionável se a multa para dirigir sem o documento é de apenas 574 reais e os cabalísticos sete pontos a menos.
Meu favorito na lista é a penalidade por "transportar criança sem observar normas de segurança do CTB". Na tabela, colocar o futuro do pimpolho em risco custa apenas R$ 191,54 e 7 pontos. Outra pérola do bom senso é a multa por "confiar/entregar o veículo a pessoas sem condições físicas ou psíquicas para dirigir". Esta tragédia anunciada custa o mesmo que tratar criança como descartável: R$191,54. E por mais um cálculo misterioso decidiram que ambas infrações equivalem a ultrapassar um sinal vermelho. Nesta conta, se eu avanço um sinal em um cruzamento, levando uma criança de 5 anos sem cinto de segurança no banco da frente, posso ser obrigado a desembolsar R$ 383,08, ou seja, o mesmo que a conta de um bom restaurante. Se eu decidir no percurso atirar subitamente para fora do carro e no meio da via um cofre, pago um adicional de R$ 85,13 por "atirar do veículo objetos ou substâncias". Pelos valores da tabela, dirigir de
olhos vendados não é proibido, mas apenas desaconselhável, já que a penalidade por "dirigir sem atenção ou sem os cuidados indispensáveis a segurança" custa o mesmo que uma pizza gigante: R$ 53, 20 e 3 pontinhos a menos na habilitação.
Com esta tabela mostrando uma estranhíssima escala de valores, com as dificuldades de fiscalização, com a situação das estradas, então a catástrofe fica explicada. Saiba que a cada ano desaparece no trânsito uma cidade inteira como Rio Grande da Serra, em São Paulo, ou Vargem Grande Paulista. Isso mesmo. Matamos no trânsito a cada ano cerca de 40 mil pessoas, a população total de uma dessas cidades.
E tratamos o assunto com se fosse uma tromba d'água, a seca no Nordeste ou os temporais de Santa Catarina.
Fico pensando qual foi a matemática usada para tais cálculos. Um doido varrido caçando no trânsito a sua dose diária de adrenalina, aliviando o stress no seu carro de 100 mil reais, pouco se importa com uma multinha de R$ 1915, 38 e sete pontos a menos em um documento que só vai ter importância depois da tragédia.
Eu e você já vimos dezenas de campanhas de conscientização e responsabilidade no trânsito. Não adianta ficar criando slogans de impacto se a cada ano enterramos 40 mil pessoas.
Esta Roleta Russa, esta loteria da morte só vai acabar quando houver mais perigo e dano para o agressor do que para a vítima.
Não, não vou falar dos mocinhos e bandidos, do "pega ladrão" que domina hoje os noticiários. Também não vou comentar a bagunça política, social e econômica, tanto acima quanto abaixo da linha do Equador, a leste e a oeste de Greenwich. Depois de um susto na estrada vou dividir aqui minhas reflexões sobre um assunto que produz tantas tragédias quanto a corrupção na política ou o caos da economia atual, mas ainda assim tratamos como se fosse uma catástrofe natural contra a qual nada pode ser feito.
Ontem, depois de ver dois carros apostando corrida na rodovia que eu e minha esposa usamos para ir para casa todos os dias, dei-me ao trabalho de consultar a tabela de multas e infrações de trânsito. Descobri que "disputar corridas" ou "participar na via de competições esportivas sem permissão" pode significar multa de R$ 1915,38 e sete pontos a menos na carteira. Este valor parece ser o teto para punir infrações graves ou pelo menos o que foi determinado na tabela como grave, mas que na minha conta são infrações absurdamente graves. A ultrapassagem pelo acostamento, por exemplo, tão comum nas nossas estradas, vale módicos R$ 957,69 e os mesmos 7 pontos. A própria exigência da carteira de habilitação fica questionável se a multa para dirigir sem o documento é de apenas 574 reais e os cabalísticos sete pontos a menos.
Meu favorito na lista é a penalidade por "transportar criança sem observar normas de segurança do CTB". Na tabela, colocar o futuro do pimpolho em risco custa apenas R$ 191,54 e 7 pontos. Outra pérola do bom senso é a multa por "confiar/entregar o veículo a pessoas sem condições físicas ou psíquicas para dirigir". Esta tragédia anunciada custa o mesmo que tratar criança como descartável: R$191,54. E por mais um cálculo misterioso decidiram que ambas infrações equivalem a ultrapassar um sinal vermelho. Nesta conta, se eu avanço um sinal em um cruzamento, levando uma criança de 5 anos sem cinto de segurança no banco da frente, posso ser obrigado a desembolsar R$ 383,08, ou seja, o mesmo que a conta de um bom restaurante. Se eu decidir no percurso atirar subitamente para fora do carro e no meio da via um cofre, pago um adicional de R$ 85,13 por "atirar do veículo objetos ou substâncias". Pelos valores da tabela, dirigir de
olhos vendados não é proibido, mas apenas desaconselhável, já que a penalidade por "dirigir sem atenção ou sem os cuidados indispensáveis a segurança" custa o mesmo que uma pizza gigante: R$ 53, 20 e 3 pontinhos a menos na habilitação.
Com esta tabela mostrando uma estranhíssima escala de valores, com as dificuldades de fiscalização, com a situação das estradas, então a catástrofe fica explicada. Saiba que a cada ano desaparece no trânsito uma cidade inteira como Rio Grande da Serra, em São Paulo, ou Vargem Grande Paulista. Isso mesmo. Matamos no trânsito a cada ano cerca de 40 mil pessoas, a população total de uma dessas cidades.
E tratamos o assunto com se fosse uma tromba d'água, a seca no Nordeste ou os temporais de Santa Catarina.
Fico pensando qual foi a matemática usada para tais cálculos. Um doido varrido caçando no trânsito a sua dose diária de adrenalina, aliviando o stress no seu carro de 100 mil reais, pouco se importa com uma multinha de R$ 1915, 38 e sete pontos a menos em um documento que só vai ter importância depois da tragédia.
Eu e você já vimos dezenas de campanhas de conscientização e responsabilidade no trânsito. Não adianta ficar criando slogans de impacto se a cada ano enterramos 40 mil pessoas.
Esta Roleta Russa, esta loteria da morte só vai acabar quando houver mais perigo e dano para o agressor do que para a vítima.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de São Paulo.
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