sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A força dos rituais religiosos

Pe. Geovane Saraiva - celebração da Santa Missa, 16/08/2015
Foto: Pe. Geovane Saraiva

Quando está em jogo a relação com Deus, os rituais têm mais força que a experiência humana.
Por José María Castillo*
É um fato que Jesus instituiu a eucaristia durante uma ceia. E é também um fato que os cristãos celebram a eucaristia na missa. Uma ceia é uma experiência humana. Uma missa é um ritual religioso. Em um assunto tão central como este, isso nos está dizendo que, no cristianismo, ao menos, e sem dúvida alguma, quando está em jogo a nossa relação com Deus, os rituais religiosos tiveram (e seguem tendo) mais força que a experiência humana, inclusive quando se trata de uma experiência tão importante como é a experiência de comer e beber. Comer e beber compartilhando mesa e toalha com quem dizemos que são nossos “irmãos”. Isto não é uma teoria. É um fato.
Por que, em um assunto que é capital para os fiéis, os rituais religiosos se sobrepõem à experiência humana e são mais determinantes que o humano, inclusive mais decisivos que a própria vida, em tantos casos e em tantos assuntos que são fundamentais para a felicidade ou a desgraça de muitas pessoas? E conste que, ao fazer esta pergunta, não estamos imaginando situações extravagantes nem acontecimentos pouco frequentes. Nada disso. Esta questão refere-se a coisas tão normais e tão presentes na vida de qualquer um, que, se começamos pelos Evangelhos, os constantes conflitos que Jesus teve com os dirigentes religiosos de seu tempo, referiam-se quase todos eles, de uma forma ou de outra, precisamente a este problema.
Se Jesus curava os enfermos no sábado, se comia com gente de má fama, se deixava de observar os jejuns que a religião impunha, se não praticava os rituais de purificação antes das refeições, se não mantinha a devida compostura e respeito no Templo, em definitiva, em todos estes casos nos encontramos sempre diante da mesma questão. Um assunto que Jesus formulou na formidável pergunta que fez quando, num sábado, curou um aleijado na sinagoga: “O que é que a Lei permite no sábado: fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matá-la?” (Mc 3, 4). Ou seja, o que é mais importante: submeter-se ao ritual do sábado ou tornar feliz a vida de um doente? Em suma, o mais importante é o ritual religioso ou a experiência humana?
E não pensemos que este tipo de história se apresentou exclusivamente na vida de Jesus. Pelo contrário. Com a passagem do tempo, o problema foi aumentando. Entre outras coisas porque sabemos que este assunto está presente em todas as partes do mundo. Onde há religião e, com ela, há dirigentes religiosos, ali está o problema. Na história do cristianismo, o desastre foi brutal. Desde as guerras religiosas, as cruzadas e a inquisição, passando pelo colonialismo e acabando com o integrismo dos fundamentalistas, católicos ou hereges, cristãos ou muçulmanos, no fim das contas dá no mesmo.
Além disso, o mesmo problema está presente todos os dias e em todas as partes: nos casais recasados que não podem se aproximar da mesa da comunhão, nos homossexuais que se veem desprezados até em sua própria casa, nos casamentos fracassados, nos amores impossíveis, na vida sexual de tantas pessoas, sei lá eu...
Isto é uma história que nunca termina. E sempre tropeçamos na mesma pedra. A pedra de algum estranho ritual religioso, que, no fundo, nos está recordando que, acima do humano, há algo que é mais forte que o humano, e ao qual o humano – quer gostemos ou não – sempre tem que se submeter. E se não se submete, deve sofrer as consequências. Algumas vezes, porque terá que arrastar, durante toda a sua vida, o pesado fardo da má consciência. Outras vezes, porque se verá rechaçado pela família, pelos amigos, pela sociedade... E outras vezes ainda, porque, para não passar vergonha, terminará sendo carne de confessionário ou do consultório de um psiquiatra, tendo além disso (tantas vezes) que ocultar zelosamente no armário aquilo que não é socialmente apresentável.
Existe um direito para que a vida seja assim? É tolerável que, por estas coisas, nos comportemos frequentemente como cachorros e gatos, tendo que ocultar em nossa intimidade secreta muitas coisas que nos fazem sofrer inutilmente e sem pés nem cabeça?
E como é lógico, sempre acabamos no mesmo: se Deus é Deus, como permite estas coisas? Como pode querer estas coisas? Como e por que não nos dá as forças necessárias para suportar estas coisas?
Vou continuar com o tema. Mas, antes de seguir com este desagradável assunto, apenas algumas perguntas: é Deus que quer, provoca ou permite todo este incrível embrulho de obscuridades, medos e tormentos? E se não é Deus, são seus representantes na terra (padres e rabinos, imãs e bonzos, xamãs e profetas...) que provocam essas coisas simplesmente porque lhes convém?
Blog Teología sin Censura, 13-08-2015.

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