"O diálogo deve impor-se sobre o sistema de dinastia e de grupos”, disse o papa ao chegar a Cuba.
Por Juan Jesús Aznarez*
A Igreja católica cubana recebe o papa Francisco mais esperançosa do que nunca, pois, sendo o primeiro papa da história com uma sensibilidade latino-americana, não será necessário traduzi-lo, nem em público nem em reuniões privadas, e também porque ele se envolveu na pacificação das relações entre os Estados Unidos e Cuba, imprescindível para o crescimento eclesiástico em termos de paróquias, espaço público e recursos. A renúncia ao ativismo político foi fundamental na progressão do catolicismo no país caribenho: o episcopado fortaleceu sua interlocução com o Governo de Raúl Castro ao esfriar sua relação com os dissidentes.
Agora a Igreja pode receber recursos do exterior, recuperou dezenas de propriedades confiscadas e constrói, nos subúrbios de Havana, a primeira igreja desde o triunfo da revolução de Fidel Castro, em 1959. A instituição religiosa ajuda a manter hospitais, cuida de pacientes mentais e idosos e organiza cursos de capacitação e empreendedorismo. Gostaria de catequizar livremente com uma emissora de rádio, de administrar escolas privadas e de ter uma presença mais sistemática nos meios de comunicação oficiais, mas, por enquanto, isso é pedir demais.
A Igreja Católica em Cuba foi dizimada desde 1959 com acusações de atividade contrarrevolucionária e colaboração com o inimigo. Os templos foram transformados em museus e auditórios, e numa só ocasião, em setembro de 1961, 131 sacerdotes de seis dioceses embarcaram no navio Covadonga com direção à Espanha. “Nessa época a perseguição foi dura por parte do Governo. Tínhamos 700 sacerdotes para atender a seis milhões de fiéis”, contou certa vez monsenhor Agustín Román (1928-2012), também expulso. “As expulsões começaram com a desculpa de que eram estrangeiros. O plano era limitar o clero a 200 sacerdotes, com o que, pensavam eles [dirigentes do regime], a Igreja seria debilitada até se extinguir”.
Não desapareceu porque durante décadas optou pela hibernação e o encolhimento, cumprindo a taxativa recomendação do papa João XXIII ao conhecer as agruras do clero na ilha: “As relações diplomáticas não se interrompem nunca!”. Para isso, sua Igreja precisou se resignar às concessões governamentais, escalonadamente generosas conforme o episcopado se distanciava dos grupos opositores e das políticas norte-americanas voltadas para estimular sublevações em Cuba. Em suas visitas à ilha em 1998 e 2012, respectivamente, os conservadores João Paulo II e Bento XVI aceitaram os rumos traçados pelos também conservadores bispos cubanos, partidários da aquiescência com o castrismo e das discretas gestões pela libertação de presos políticos. Admitiram que a vocação para o martírio havia sido pouco rentável. O mesmo acontecerá com o pontífice argentino.
O desembarque providencial
O desembarque protocolar de Francisco na distensão entre EUA e Cuba provavelmente será muito providencial, mas nada terá de sublime, pois nem Deus nem o diabo teriam podido sentar os dois inimigos na mesma mesa se ambas as nações não tivessem tido a necessidade de fazer isso. O perfil do Santo Padre é semelhante àquele que Barack Obama e Raúl Castro buscam como avalista, porque ele concorda em parte com a Teologia da Liberação, aplaudida por Cuba, e é distante do conservadorismo dos bispos norte-americanos ligados às teses do Partido Republicano. Os bispos, por sua vez, acreditam que, se os países deixarem de guerrear e se o inimigo externo deixar de ser uma justificativa, o Governo cubano poderá suspender os obstáculos ao crescimento da Igreja num país majoritariamente católico, mas marcado pelo sincretismo religioso. As reticências não são poucas, uma vez que setores do Partido Comunista de Cuba consideram os católicos incompatíveis com o laicismo revolucionário e suscetíveis a se constituírem numa quinta coluna se tiverem condições favoráveis a isso.
A estratégia da Igreja não mudou desde que se multiplicaram os canais de comunicação com o Governo, os quais o Papa Francisco buscará ampliar. O objetivo é aumentar as concessões, reconstruir a infraestrutura em termos de templos, seminários e locais de culto, rejuvenescer o conjunto dos padres e freiras e agregar leigos. Provavelmente terá avanços, porque as relações se encontram em um “bom nível”, segundo fontes oficiais, mas o custo disso será debilitar sua interlocução com a paróquia católica dissidente, segundo seus representantes.
No entanto, a normalização entre EUA e Cuba e a ascensão de Francisco ao papado levaram alguns discursos opositores à introspecção. “Cuba está carente de mudanças e liberdade. A liberdade não será o Papa quem irá trazer, pois ele não é um libertador. As mudanças tampouco, estas devem ocorrer dentro de Cuba, e somos os cubanos quem precisamos buscá-las”, disse Berta Soler, líder do grupo oposicionista Damas de Branco, à agência Efe.
A chegada do papa Francisco a Havana. Veja o vídeo:
A Igreja católica cubana recebe o papa Francisco mais esperançosa do que nunca, pois, sendo o primeiro papa da história com uma sensibilidade latino-americana, não será necessário traduzi-lo, nem em público nem em reuniões privadas, e também porque ele se envolveu na pacificação das relações entre os Estados Unidos e Cuba, imprescindível para o crescimento eclesiástico em termos de paróquias, espaço público e recursos. A renúncia ao ativismo político foi fundamental na progressão do catolicismo no país caribenho: o episcopado fortaleceu sua interlocução com o Governo de Raúl Castro ao esfriar sua relação com os dissidentes.
Agora a Igreja pode receber recursos do exterior, recuperou dezenas de propriedades confiscadas e constrói, nos subúrbios de Havana, a primeira igreja desde o triunfo da revolução de Fidel Castro, em 1959. A instituição religiosa ajuda a manter hospitais, cuida de pacientes mentais e idosos e organiza cursos de capacitação e empreendedorismo. Gostaria de catequizar livremente com uma emissora de rádio, de administrar escolas privadas e de ter uma presença mais sistemática nos meios de comunicação oficiais, mas, por enquanto, isso é pedir demais.
A Igreja Católica em Cuba foi dizimada desde 1959 com acusações de atividade contrarrevolucionária e colaboração com o inimigo. Os templos foram transformados em museus e auditórios, e numa só ocasião, em setembro de 1961, 131 sacerdotes de seis dioceses embarcaram no navio Covadonga com direção à Espanha. “Nessa época a perseguição foi dura por parte do Governo. Tínhamos 700 sacerdotes para atender a seis milhões de fiéis”, contou certa vez monsenhor Agustín Román (1928-2012), também expulso. “As expulsões começaram com a desculpa de que eram estrangeiros. O plano era limitar o clero a 200 sacerdotes, com o que, pensavam eles [dirigentes do regime], a Igreja seria debilitada até se extinguir”.
Não desapareceu porque durante décadas optou pela hibernação e o encolhimento, cumprindo a taxativa recomendação do papa João XXIII ao conhecer as agruras do clero na ilha: “As relações diplomáticas não se interrompem nunca!”. Para isso, sua Igreja precisou se resignar às concessões governamentais, escalonadamente generosas conforme o episcopado se distanciava dos grupos opositores e das políticas norte-americanas voltadas para estimular sublevações em Cuba. Em suas visitas à ilha em 1998 e 2012, respectivamente, os conservadores João Paulo II e Bento XVI aceitaram os rumos traçados pelos também conservadores bispos cubanos, partidários da aquiescência com o castrismo e das discretas gestões pela libertação de presos políticos. Admitiram que a vocação para o martírio havia sido pouco rentável. O mesmo acontecerá com o pontífice argentino.
O desembarque providencial
O desembarque protocolar de Francisco na distensão entre EUA e Cuba provavelmente será muito providencial, mas nada terá de sublime, pois nem Deus nem o diabo teriam podido sentar os dois inimigos na mesma mesa se ambas as nações não tivessem tido a necessidade de fazer isso. O perfil do Santo Padre é semelhante àquele que Barack Obama e Raúl Castro buscam como avalista, porque ele concorda em parte com a Teologia da Liberação, aplaudida por Cuba, e é distante do conservadorismo dos bispos norte-americanos ligados às teses do Partido Republicano. Os bispos, por sua vez, acreditam que, se os países deixarem de guerrear e se o inimigo externo deixar de ser uma justificativa, o Governo cubano poderá suspender os obstáculos ao crescimento da Igreja num país majoritariamente católico, mas marcado pelo sincretismo religioso. As reticências não são poucas, uma vez que setores do Partido Comunista de Cuba consideram os católicos incompatíveis com o laicismo revolucionário e suscetíveis a se constituírem numa quinta coluna se tiverem condições favoráveis a isso.
A estratégia da Igreja não mudou desde que se multiplicaram os canais de comunicação com o Governo, os quais o Papa Francisco buscará ampliar. O objetivo é aumentar as concessões, reconstruir a infraestrutura em termos de templos, seminários e locais de culto, rejuvenescer o conjunto dos padres e freiras e agregar leigos. Provavelmente terá avanços, porque as relações se encontram em um “bom nível”, segundo fontes oficiais, mas o custo disso será debilitar sua interlocução com a paróquia católica dissidente, segundo seus representantes.
No entanto, a normalização entre EUA e Cuba e a ascensão de Francisco ao papado levaram alguns discursos opositores à introspecção. “Cuba está carente de mudanças e liberdade. A liberdade não será o Papa quem irá trazer, pois ele não é um libertador. As mudanças tampouco, estas devem ocorrer dentro de Cuba, e somos os cubanos quem precisamos buscá-las”, disse Berta Soler, líder do grupo oposicionista Damas de Branco, à agência Efe.
A chegada do papa Francisco a Havana. Veja o vídeo:
* Juan Jesús Aznarez, enviado a Cuba para cobrir a visita do papa para o jornal El País
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