Explorados pelos traficantes, os refugiados morrem pelo caminho e aparecem boiando nas praias.
Por José Couto Nogueira*
A situação de calamidade no Oriente Médio está a trazer para o continente Europeu centenas de milhar de pessoas em condições sub-humanas. O fluxo de refugiados tem sido contínuo nos últimos anos, desde afegãos a subsaarianos, mas aumentou exponencialmente com a guerra civil na Síria. Uma indústria verdadeiramente esclavagista traz para as costas do Sul do continente, sobretudo Grécia, Itália e França, (e, por terra, pela Turquia e Macedónia) famílias inteiras, com muitas crianças, sem bagagem, sem documentos e , evidentemente, sem quaisquer meios de se sustentar.
Explorados pelos traficantes, morrem pelo caminho e aparecem a boiar nas praias, ou são encontrados congelados dentro de caminhões frigoríficos, ou vagueiam esfomeados pelas gares de trem da Hungria (que os repele) ou pelas estradas da República Checa (que os maltrata).
Os países europeus, agora divididos quanto a quase tudo – economia, cooperação, desenvolvimento, saídas para a crise – não sabem o que fazer. Não existe uma política comunitária nem, na verdade, condições de absorverem condignamente estes milhares de desesperados. Nem sequer se entendem quanto à classificação dos recém-chegados; serão emigrantes ou refugiados? (As condições de acolhimento são diferentes, conforme a Convenção de Genebra emendada em 1951).
O deslocamento maciço de pessoas por causa de perseguições e guerras não é uma novidade. Como conta Oliveira Antunes, membro português do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, entre 1939 e 1948, durante e no pós Segunda Guerra Mundial, o número de pessoas desenraizadas — devido às fugas, às evacuações, a deslocalizações e trabalhos forçados — chegou aos 46 milhões, só no centro e Leste da Europa.
Lembra ele que “foram as lideranças políticas democráticas do pós-guerra, socialistas e democratas cristãos, que tomaram a seu cargo a implementação de políticas de acolhimento e aprovaram os instrumentos jurídicos de protecção, nalguns casos contra os temores habituais e alguma xenofobia dos seus próprios eleitores.” Mas, acrescenta: “Tudo muito diferente do que se passa agora. Num continente em completa crise demográfica, envelhecido, com sistemas de pensões insustentáveis, no fundo a precisar de gente jovem, os dirigentes da União Europeia, bem secundados pelas televisões, limitam-se a botar gasolina na fogueira. Parece que não possuem capacidade política e intelectual para lidar com qualquer situação que ultrapasse a mera gestão de orçamentos, quotas, subsídios etc. Fazem trabalho de “amanuense” e são bem pagos por isso, nada mais.”
Uma pequena percentagem dos desenraizados pela II Guerra Mundial veio para o Brasil, alguns a duras penas, outros convidados pelo Governo brasileiro, por serem notáveis nas suas especialidades. Com o tempo foram absorvidos e deram boas contribuições para o país. Todavia foram poucos, comparativamente ao total de desalojados europeus.
A quantidade e a despreparação para viver segundo os padrões europeus – não só nas habilitações mas também, e sobretudo, pela religião – torna esta nova leva um sério problema. Ainda esta semana, na Áustria, os migrantes esfomeados recusaram pacotes de alimentos porque tinham o símbolo da Cruz Vermelha…
Que fazer com milhares e milhares de pessoas que não conhecem os idiomas europeus, não têm conhecimentos profissionais e desprezam a cultura a que pedem asilo? Além disso há a convicção, fundamentada, de que os movimentos radicais islâmicos – a Al Qaeda e o ISIS, sobretudo – estão a infiltrar terroristas no meio dos refugiados para num futuro próximo multiplicar atentados e massacres.
Enquanto as “autoridades” estudam o que fazer – está marcada uma reunião de alto nível para daqui a duas semanas, procurando uma politica comum – o fluxo inexorável continua, com imagens terríveis reproduzidas diariamente na mídia e nas redes sociais. Os cidadão europeus arrepiam os cabelos e sentem-se culpados, mas não conseguem – ou não sabem como – transformar essa culpa em soluções eficientes.
A crise dos refugiados acaba por ser mais um elemento da enorme crise que penetra nos ossos da Europa – os nacionalismos que renascem, alguns bem perigosos, a falta de apoio dos países ricos aos endividados, a ausência de dirigentes competentes e empenhados numa solução abrangente para um continente em decadência.
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.
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