terça-feira, 20 de outubro de 2015

Os pobres do mundo

Marcus Eduardo de Oliveira

Entre os especialistas em economia não existe dissenso em afirmar que, a partir do avanço verificado com a Revolução Industrial (RI), nos séculos XVIII e XIX, a saúde das pessoas e a expectativa de vida melhoraram substancialmente em alguns países.
O crescimento econômico, a partir de então, para os países que auferiram benefícios com a RI, livrou milhões de pessoas da privação material. Contudo, não é somente ao aumento da renda individual que se pode creditar a melhoria das condições de vida, mas sim ao conhecimento adquirido – principalmente em relação às medidas voltadas a prevenção de doenças – que tornaram as pessoas mais saudáveis, ampliando, por consequência, os anos de vida.
No bojo, renda, consumo, bem-estar, saúde, escolhas individuais e conhecimento (capacitações e acesso às informações) sempre “andaram” juntos, compondo assim um bom cardápio para uma eficaz análise econômica e social.
Desse modo, para desenvolver uma política econômica eficiente, capaz de promover e levar bem-estar às pessoas (incluindo principalmente a preservação e a melhoria das condições de sáude e de vida), concomitante à redução dos níveis abjetos de pobreza, primeiro deve-se entender as escolhas de consumo individuais, mesmo para os casos em que os padrões de rendimento individual sejam extremamente baixos.
Deve-se analisar, dentro dessa perspectiva, como as pessoas adaptam – independente dos seus rendimentos – os hábitos de consumo à renda individual que flutua de maneiras diferentes. Assim, ao ligar o processo de escolhas individuais detalhadas aos resultados agregados, intenciona-se transformar os diversos campos de conhecimento “dentro” da economia (ciência), desde a microeconomia, passando pela macroeconomia e, claro, chegando na chamada economia do desenvolvimento que incorpora ampla análise do comportamento das pessoas, uma vez que o termo desenvolvimento, nas páginas do dicionário de economia, é um verbete correlacionado à qualidade de vida.
Foi exatamente como parte dessa argumentação acima exposta que a Academia Real das Ciências da Suécia conferiu o Prêmio Nobel de economia de 2015 a Angus Deaton, professor na Universidade de Princeton.
Deaton tem destacado em diversos estudos, muitos deles bem recente, como as medidas confiáveis de níveis individuais de consumo das famílias podem ser usadas para discernir mecanismos por trás do processo que almeja alcançar o desenvolvimento econômico, melhorando, pois, o padrão de vida das pessoas.
Segundo a Academia sueca, o foco de Deaton em pesquisas domiciliares, por exemplo, ajudou a transformar a economia do desenvolvimento de um campo teórico com base em dados agregados em um campo empírico com base em dados individuais detalhados.
A Grande Fuga
A preocupação em entender as causas e as consequências da pobreza e a falta de bem-estar das pessoas, num primeiro momento, sempre esteve muito presente na vida acadêmica de Deaton, autor de “The Great Escape: Health, Wealth, and the Origins of Inequality”, (A Grande Fuga: Saúde, Riqueza e as Origens da Desigualdade), livro que mapeia origens e resultados da desigualdade socioeconômica no mundo em 250 anos de história.
O livro foi lançado em 2013, antes, portanto, do estrondoso sucesso editorial de Thomas Picketty (“O Capital no Século XXI), que faz abordagemsemelhante a de Deaton.
No entanto, o que mais chama a atenção em Deaton é a sua auto-descrição: “uma pessoa preocupada com os pobres do mundo, com o modo pelo qual as pessoas se comportam e com o que lhes dá uma vida boa”.
Por isso em Deaton está presente, de forma latente, a necessidade de entender a questão em torno da pobreza mundial, visando encontrar alternativas para sua superação. Angus Deaton, aos 69 anos de idade, é um verdadeiro economista social, carregado do sentimento de que, por meio de políticas econômicas, é perfeitamente possível melhorar a vida dos mais necessitados.
Não por outra razão, os termos econômicos “progresso” e “desigualdade social” ocupam espaço considerável nas análises e nos trabalhos de Deaton.
Quanto a isso, finalizando essas rápidas palavras, cabe trazer à tona a seguinte afirmação de Deaton: “Desigualdade é frequentemente uma consequência do progresso. Nem todos enriquecem ao mesmo tempo, e nem todos tem acesso imediato às medidas profiláticas mais recentes, seja o acesso a água limpa, vacinas ou a novas drogas de prevenção a doenças. Desigualdade, por sua vez, afeta o progresso. Ela pode ser boa; crianças indianas percebem o que a educação pode fazer e também vão para a escola. E pode ser má se os vencedores tentam impedir os outros de segui-los, puxando para cima as escadas atrás deles”.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo | prof.marcuseduardo@bol.com.br

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