Para entender a política espanhola e os riscos do adeus a um clássico do futebol
Por John Carlin*
Existe um certo tipo de estrangeiro que adora a Espanha e se deleita com o futebol espanhol. Mas tendo mais do que suficiente entretenimento em casa com as trapalhadas domésticas, não costuma demonstrar o menor interesse pela política espanhola, ou a catalã. Mas de repente, após saber pela imprensa que a Catalunha flerta com a independência e que o clássico entre Barcelona e Real Madrid poderá desaparecer, ficou desconcertado. Em uma tentativa de esclarecer dúvidas e fomentar o entendimento entre as nações oferecemos hoje um guia, no formato de pergunta e resposta, para esses ingleses e demais estrangeiros perplexos diante do panorama político espanhol.
Antes de uma partida no estádio do Barcelona, às vezes aparece um enorme cartaz dizendo “A Catalunha não é a Espanha”. O curioso é que depois vemos as escalações e fica claro que “O Barcelona não é a Catalunha”. Como isso se explica?
Simples. Por um lado, o Barça é o mais parecido que os catalães têm com um exército nacional. Por outro, seu treinador é asturiano, seu capitão é da região de La Mancha, seu melhor jogador é argentino, outros titulares costumeiros nasceram no Brasil, Uruguai, Croácia, Alemanha e Chile, acabam de contratar um meio-campista turco e a pessoa que mais influenciou seu estilo de jogo é holandês.
Desculpe, mas não entendo. Ou na verdade todos os que vestem as cores do Barcelona sentem-se catalães?
Nem todos, mas é verdade que alguns também desenvolveram o costume de certos políticos nacionalistas de sonegar impostos. Ainda que, claro, isso seja feito em toda a Espanha, o que pode ser interpretado como um fator de unidade ao invés de divisão.
Na realidade, nós turistas que viajamos à Espanha não vemos diferenças entre os catalães e os demais. Cometemos algum engano?
Não muito. Todos adoram o presunto ibérico, o vinho de Rioja, a conversa pós-refeição, festas, a prazerosa autocomplacência provocada pela indignação. Outra coisa que compartilham: ao adotarem posições políticas seus processos mentais são guiados mais pela fé do que pelos fatos.
Ou seja, como no futebol. Mas por que, se gostam tanto do presunto da Extremadura e Huelva, os catalães não querem que cidades tão belas como Trujillo, Córdoba, Sevilla, Granada e Segovia continuem fazendo parte de seu patrimônio cultural?
Porque não viajam a esses lugares. Não os valorizam e detestam dar-lhes o dinheiro de seus impostos. O nacionalismo obstruí o encanamento mental por onde flui a razão. Sem excluir o nacionalismo espanhol.
Existe nacionalismo espanhol?
Sim. O nacionalismo é competitivo, paranoico e classifica os seres humanos da entidade rival como se fossem insetos. Por isso escutamos pessoas em Madri e Cádiz dizerem que “todos os catalães” são assim; as pessoas em Barcelona e Girona dizerem que “todos os madrilenhos” são assado. O nacionalismo se define mais pelo antagonismo ao outro do que pelo amor que alguém sente por sua pátria. Um exemplo: o torcedor fanático do Barcelona fica mais feliz quando o Real perde do que quando sua equipe ganha.
Por que hoje tantos catalães querem a independência?
A recusa de alguns juízes em Madri em acertar um acordo político entre a Catalunha e o resto da Espanha; a incerteza e a necessidade de soluções geradas pela crise econômica; a incompetência do partido do Governo espanhol; José Mourinho.
E o Mourinho?
Nunca houve tanto ódio na relação entre o Real e o Barça, a medida mais visível da rivalidade entre a Catalunha e o Estado central, do que quando o português estava lá colocando lenha na fogueira.
Se a Catalunha se tornar independente a catástrofe acontecerá? Diremos adeus aos clássicos entre o Real e o Barça?
De acordo com os ânimos hoje no resto da Espanha, sim. Dirão, “Certo, se a Catalunha não é a Espanha, o Barcelona não é da Liga Espanhola”.
Mas, como ficou comprovado, o Barcelona não é a Catalunha. Messi, Neymar, Suárez e companhia não irão jogar em uma mini liga catalã. Irão para o Manchester United, o Chelsea ou... o Real Madrid, não?
O risco é real. Veremos como isso influi no eleitorado catalão.
Antes de uma partida no estádio do Barcelona, às vezes aparece um enorme cartaz dizendo “A Catalunha não é a Espanha”. O curioso é que depois vemos as escalações e fica claro que “O Barcelona não é a Catalunha”. Como isso se explica?
Simples. Por um lado, o Barça é o mais parecido que os catalães têm com um exército nacional. Por outro, seu treinador é asturiano, seu capitão é da região de La Mancha, seu melhor jogador é argentino, outros titulares costumeiros nasceram no Brasil, Uruguai, Croácia, Alemanha e Chile, acabam de contratar um meio-campista turco e a pessoa que mais influenciou seu estilo de jogo é holandês.
Desculpe, mas não entendo. Ou na verdade todos os que vestem as cores do Barcelona sentem-se catalães?
Nem todos, mas é verdade que alguns também desenvolveram o costume de certos políticos nacionalistas de sonegar impostos. Ainda que, claro, isso seja feito em toda a Espanha, o que pode ser interpretado como um fator de unidade ao invés de divisão.
Na realidade, nós turistas que viajamos à Espanha não vemos diferenças entre os catalães e os demais. Cometemos algum engano?
Não muito. Todos adoram o presunto ibérico, o vinho de Rioja, a conversa pós-refeição, festas, a prazerosa autocomplacência provocada pela indignação. Outra coisa que compartilham: ao adotarem posições políticas seus processos mentais são guiados mais pela fé do que pelos fatos.
Ou seja, como no futebol. Mas por que, se gostam tanto do presunto da Extremadura e Huelva, os catalães não querem que cidades tão belas como Trujillo, Córdoba, Sevilla, Granada e Segovia continuem fazendo parte de seu patrimônio cultural?
Porque não viajam a esses lugares. Não os valorizam e detestam dar-lhes o dinheiro de seus impostos. O nacionalismo obstruí o encanamento mental por onde flui a razão. Sem excluir o nacionalismo espanhol.
Existe nacionalismo espanhol?
Sim. O nacionalismo é competitivo, paranoico e classifica os seres humanos da entidade rival como se fossem insetos. Por isso escutamos pessoas em Madri e Cádiz dizerem que “todos os catalães” são assim; as pessoas em Barcelona e Girona dizerem que “todos os madrilenhos” são assado. O nacionalismo se define mais pelo antagonismo ao outro do que pelo amor que alguém sente por sua pátria. Um exemplo: o torcedor fanático do Barcelona fica mais feliz quando o Real perde do que quando sua equipe ganha.
Por que hoje tantos catalães querem a independência?
A recusa de alguns juízes em Madri em acertar um acordo político entre a Catalunha e o resto da Espanha; a incerteza e a necessidade de soluções geradas pela crise econômica; a incompetência do partido do Governo espanhol; José Mourinho.
E o Mourinho?
Nunca houve tanto ódio na relação entre o Real e o Barça, a medida mais visível da rivalidade entre a Catalunha e o Estado central, do que quando o português estava lá colocando lenha na fogueira.
Se a Catalunha se tornar independente a catástrofe acontecerá? Diremos adeus aos clássicos entre o Real e o Barça?
De acordo com os ânimos hoje no resto da Espanha, sim. Dirão, “Certo, se a Catalunha não é a Espanha, o Barcelona não é da Liga Espanhola”.
Mas, como ficou comprovado, o Barcelona não é a Catalunha. Messi, Neymar, Suárez e companhia não irão jogar em uma mini liga catalã. Irão para o Manchester United, o Chelsea ou... o Real Madrid, não?
O risco é real. Veremos como isso influi no eleitorado catalão.
*John Carlin, jornalista inglês, é correspondente do El País em Barcelona
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