terça-feira, 3 de novembro de 2015

Das ações de família

Procedimentos especiais de jurisdição litigiosa.
O NCPC no art. 693 e nos procedimentos especiais tratou das ações de família, nos processos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.

Note-se que o legislador olvidou da ação de partilha, geralmente cumulada com a ação de dissolução de união estável ou de casamento. Entretanto, a cumulação continua perfeitamente possível, ambas as ações tramitando pelo procedimento especial. Parece-nos que não passa tal fato de mero esquecimento do legislador. Porém, possível é a cumulação. Inadmissível é negá-la, por diversidade de rito ou  exigir que todas as ações tramitem no procedimento comum, em manifesto atraso  na resolução do conflito e também desprezando a conciliação ou a mediação, como  fase prévia obrigatória nestas ações de família. Parece-nos que o correto é entender que as ações aludidas no art. 693 são meramente exemplificativas e que todas as demais ações de competência das Varas de Família sejam ajuizadas pelo rito especial do artigo 693 e seguintes, na ausência de rito específico, ditados por lei própria.  Ressaltamos, em reforço a este entendimento, que a única diferença entre a petição inicial do procedimento comum e a petição da ação de família e não poder o causídico desprezar, na inicial, a fase conciliatória ou de mediação, como pode fazê-lo no procedimento comum.

O REQUERIMENTO E A AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICAL - RETROCESSO

Surpresa foi o NCPC mencionar acerca da separação litigiosa, bem como sobre a separação consensual, eis que até então havia entendimento, inclusive nosso, de que, a partir da Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010, não mais era correto falar em separação no direito brasileiro, face à seguinte redação dada ao art. 226, § 6º, da Constituição Federal: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”.  Portanto, a separação deixou de ser requisito ao divórcio. De imediato e desde a vigência desta aludida emenda constitucional, pode o divórcio ser, de chofre, almejado. Portanto, a conclusão era de que os artigos do Código Civil, e da Lei nº 6.515/77, alusivos à separação judicial ou consensual, estavam revogados.
Apenas para confronto e em reforço à nossa colocação, a de que não há mais separação no direito brasileiro, transcrevemos o art. 226, § 6º, da CF, antes da Emenda Complementar 66/10: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

Nota-se que, antes da EC 66/10 a regra era primeiro separar-se para depois divorciar-se. Assim, falava-se em divórcio indireto ou divórcio por conversão. A exceção estava na segunda parte do art. 226 § 6º da CF, ou seja, tínhamos o divórcio direito, ou seja, o que não dependida da separação. Após a EC/66 verifica-se que a separação deixou de ser fase antecedente ao divórcio.

A prevalecer a separação judicial litigiosa, o que será retrocesso, volta à tona a demonstração de culpa, por um dos cônjuges, no direito brasileiro. Insustentável é o entendimento de que a separação põe fim apenas à sociedade conjugal e que a dissolução do casamento acontece somente com a decretação do divórcio.  Depois e já pelo lado prático, proposta ação de separação por um dos cônjuges, se o outro ofertar ação de divórcio, os autos deverão ser apensados, para julgamento conjunto e o pedido divórcio deverá ser julgado primeiramente, eis que mais abrangente, levando à extinção do processo de separação, sem enfrentamento de mérito, eis que o pedido nesta ação restará prejudicado.

Depois, alguns paradoxos se fazem presentes, com a manutenção da separação no direito brasileiro, seja litigiosa ou consensual, a partir da EC 66/10. Com efeito, no requerimento de separação consensual necessário é que os cônjuges, para requerê-lo, estejam casados pelo prazo mínimo de um ano. Entretanto, o divórcio consensual poderá ser pleiteado de imediato.  O divórcio não exige a demonstração de culpa. A separação sim.  Portanto, parece-me que o NCPC, ao prever a separação, consensual ou litigiosa, é inconstitucional, neste artigo, eis que não observou a Ementa Constitucional 66/10 e também o forte entendimento jurisprudencial e doutrinário, ambos afirmativos de que não mais havia separação no direito brasileiro. Neste aspecto, o NCPC retrocedeu, sobremaneira.

E, se prevalecer essa proposta, de manutenção da separação, sob o argumento de que não houve a dissolução da sociedade matrimonial, então, primeiramente, não há que se falar, na separação consensual, em casamento por mais de um ano. Portanto, o art. 1.574 do Código Civil, ao exigir que os cônjuges estejam casados por mais de um ano, para requerer a separação consensual, restaria revogado, nesta parte. A justificação é que, se pode divorciar-se consensualmente, de imediato, que é o mais, ou seja, põe fim a sociedade matrimonial, também poderá separar-se consensualmente, de imediato, que é o menos, ou seja, apenas a sociedade conjugal foi desfeita.

E, no tocante à separação litigiosa, também estaria revogado o art. 1.572 do Código Civil, ao exigir a imputação ao outro cônjuge de qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. Assim e a exemplo do divórcio litigioso, não constaria da inicial a necessidade de demonstrar violação dos deveres do casamento, como causa próxima, da inicial da ação de separação.  

Nota-se que tais propostas conciliariam, em parte, a EC/66 com o NCPC, caso prevaleça o entendimento de que ainda permanece a separação no direito brasileiro, exigência de algumas religiões, que permitem a separação e não o divórcio e também considerando que, enquanto apenas separados, podem as partes a qualquer momento, por simples petição, restabelecer a sociedade conjugal, não havendo tal possibilidade, com a decretação do divórcio.

Com relação ao restabelecimento da sociedade matrimonial, após decretação do divórcio, ressaltamos que temos entendimento que tal proposta é possível e assim já fizemos, como juiz na primeira vara de família de Belo Horizonte,  com lastro no art. 226, § 3º da
Constituição Federal, ou seja, se o legislador constitucional permite a facilitação da conversão da união estável em casamento, entendemos também possível o recasamento, por simples requerimento dos divorciados, aplicando-se, por analogia, este citado artigo constitucional  e também o próprio art. 1.577 do Código Civil, a permitir o restabelecimento da sociedade conjugal.

MANUTENÇÃO DO RITO DA AÇÃO DE ALIMENTOS E OUTROS PREVISTOS EM LEI PRÓPRIA. 

Com relação à ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente, o parágrafo único do art. 693 manteve o procedimento previsto em legislação especifica. Porém, aplicando-se, no que couber, as disposições daquele capítulo X.  Assim, a ação de alimentos continua com o procedimento próprio, ditado pela Lei 5.478/68, bem como as ações previstos no ECA também seguirão  os procedimentos ditados por àquela legislação específica, aplicando-se o deste procedimento especial, na omissão da lei específica.

A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO

Pelo art. 694, nas ações de família todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. E o parágrafo único deste aludido artigo permite até mesmo que o juiz, a requerimento das partes, suspenda a tramitação do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.

Assim é que, recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela provisória, o juiz, pelo art. 695, determinará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 694, antes citado. Pelo art. 695, a audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito.

Nota-se que tal proposta, de conciliação e mediação, vai ao encontro do disposto no art. 3º do NCPC § 2º a determinar que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos e § 3º, deste mesmo artigo, a exigir que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.  Reforçando tal proposta, o art. 6º encampa o princípio da cooperação ao afirmar que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Pelo art. 165, os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflito, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. E os §§ 1º a 3º deste mesmo artigo preocupa com a atuação do conciliador e do mediador. Já o art. 166 encampou os princípios da conciliação e da mediação, ou seja, os princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada, ou seja, não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida (art. 9º).

O § 4º desse art. 166 afirma que a mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais. Nota-se que, do art. 167 a 175, o NCPC dedica exclusivamente à conciliação e a mediação, regulamentando cabalmente tais propostas e exigindo sua efetiva aplicação, permitindo, no § 6º do art. 16, que os tribunais possam optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as disposições do próprio Código de Processo Civil, ou seja, os artigos 165 a 175.

Os conciliadores e mediadores, que podem ser escolhidos de comum acordo pelas partes (art. 168) estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções (§5º do art. 167) e ficam impedidos, pelo prazo de 1 (um) ano, contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes (art. 172). O trabalho do mediador e conciliador é remunerado, caso não sejam do quadro do próprio tribunal, em consonância com a tabela fixada pelo tribunal e seguindo parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (art. 169), sem prejuízo do trabalho voluntário (art. 169, § 1º).

E pelo artigo 175, verifica-se que, na busca de uma resolução rápida (art. 4º) e consensualizada, não estão excluídas outras formas de conciliação e de mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser regulamentadas por lei específica.  

A PETIÇÃO INICIAL NAS AÇÕES DE FAMÍLIA

Ressalte-se que a petição inicial das ações de família deverá obedecer aos requisitos do art. 319, com exceção do disposto no inciso VII que, no procedimento ordinário, permite ao autor a opção pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação. Portanto, a petição inicial, nas ações de família, deverá observar todos os demais requisitos do art. 319, com exceção do inciso VII, já que, conforme visto acima, nas ações de família a tentativa de conciliação ou de mediação é obrigatória.

CITAÇÃO COM ANTECEDÊNCIA E SEM A CÓPIA DA INICIAL. 

Pelo § 1º do art. 695 o mandado de citação conterá apenas os dados necessários à  audiência e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo. Este salutar artigo já recebeu críticas diversas, alguns o rotulando de inconstitucional. Entretanto, pensamos diferente e falta militância dos críticos no direito das famílias. Com efeito, se o esforço é para a solução consensual, tal pretensão restará prejudicada se o réu, ao ser citado, já tomar conhecimento do conteúdo da inicial. Depois, o próprio artigo ressalva o direito de o réu examinar a inicial a qualquer tempo. Assim, o advogado de família deverá, pensamos nós, levar ao conhecimento do réu, seu cliente, o teor da petição inicial somente se superada a fase conciliatória. Ressaltamos ainda que o valor da causa nem sempre coincide com o valor do pedido. Por exemplo, na ação de alimentos é o valor pleiteado, a título de alimentos, vezes doze. E vários réus, ao lerem a petição da ação de alimentos, já se insurgiam contra a proposta alegando que o valor era alto, confundido pedido e valor da causa e se fechando, a partir do recebimento da contrafé, com cópia da inicial, à proposta conciliatória.

Pelo § 2º do art. 695 a audiência de mediação e conciliação ocorrerá somente se o réu for citado com antecedência mínima de 15 (quinze) dias e esta citação é feita na pessoa do réu, conforme exigência do § 3º deste art. 695.  Nota-se que o § 4º deste artigo exige que as partes compareçam acompanhadas de advogados ou de defensores. Assim, parece-me que não é mais correto homologar acordo, sem a presença de advogado ou de defensor público, o que entendemos como correta tal exigência, já que vai ao enquanto do devido processo legal. Não pode o leigo assinar acordo, sem a assistência técnica do advogado.

PRAZO PARA CONTESTAÇÃO, NÃO HAVENDO ACORDO. 

Não realizado o acordo, a partir daí passa a incidir as normas do procedimento comum (art. 697), devendo ser observado o art. 335, ou seja, o réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 dias úteis, contadas da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer da parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição.

A PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES DE FAMÍLIA

Com relação à participação do Ministério Público o art. 698 deixou expressos que somente ocorrerá nas ações de família, quando houver interesse de incapaz e que o “Parquet” deverá ser ouvido, nestes casos, previamente à homologação de acordo.
Pelo art. 699, quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista.
No próximo artigo comentaremos o procedimento de jurisdição voluntária no direito das famílias.
 

Newton Teixeira CarvalhoDoutorando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2013) em Teoria do Estado e Direito Constitucional. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1985). Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2004). Membro do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Especialista em Direito de Empresa pela Fundação Dom Cabral. Desembargador da 13ª Câmara Cível do TJMG. Professor de Direito de Família na Escola Superior Dom Helder Câmara. 

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