terça-feira, 3 de novembro de 2015

Um pedaço escondido da alma brasileira

Festa dos Lambe Sujos versus Caboclinhos reconta a luta pela liberdade dos escravos de Sergipe
Por Marco Lacerda*
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
 
Um cortejo teatralizado em homenagem aos escravos de Sergipe<i></i>
Na cidade de Laranjeiras, Sergipe – fundada em 1605, na região do Vale do Cotinguiba, cerca de 20 quilômetros da capital Aracaju –, há mais de cem anos a festa dos Lambe Sujos versus Caboclinhos é preservada e encenada uma vez por ano, no segundo domingo de outubro.
Considerada um dos lugares, em Sergipe, onde a cultura negra floresceu, Laranjeiras mostra traços dessa cultura tanto na representação étnica como nos diversos festejos e rituais do calendário local, entre eles a Festa do Lambe Sujos oriunda da tradição nagô. O evento é desconhecido pela maioria dos brasileiros, embora famoso entre antropólogos e historiadores que desembarcam anualmente em Laranjeiras para estudar esse pedaço escondido da alma brasileira.
A guerra entre os Lambe Sujos e Caboclinhos é uma representação das investidas que os indígenas faziam contra os quilombos, a mando dos capitães-do-mato dos engenhos, para derrotar e aprisionar os negros escravos fugidos, já que os índios conheciam melhor a região e teriam como recompensa o que de bens materiais pudessem arrecadar dos negros. A luta do negro pela sua liberdade é seu principal tema, e tem na representação do seqüestro da rainha dos caboclinhos o fator chave para os combates também conhecidos como embaixadas.
O grupo dos Lambe Sujos é formado por moradores do município de Laranjeiras, em geral trabalhadores do meio rural e estudantes, e sua indumentária se limita a calções e guritas feitos de flanela vermelha, e uma foice preta, símbolo do trabalho nos canaviais. Uma combinação de mel de cabaú, tinta xadrez e sabão em pó dão a cor negra dos corpos dos participantes. Todos querem ser negros no dia da festa.
Começa então um cortejo teatralizado em homenagem à história dos escravos da região e a sua luta pela liberdade.  Os Lambe Sujos são guiados por um príncipe e pelo rei do quilombo. Atrás deles vão os Caboclinhos, de cocares na cabeça, e a pele pintada de vermelho. Representam os índios contratados pelos donos dos engenhos de açúcar para recapturar seus escravos, prática comum no Brasil até 1888, quando a escravidão foi finalmente abolida.
O ritual começa na alvorada, por volta das quatro da manhã, quando o grupo, ainda sem se pintar, se reúne na casa do rei. Soltam-se fogos de artifício e os tambores começam a rufar. Saem em cortejo pela cidade e recebem a primeira benção do padre na Igreja Matriz, depois da benção do rio.
O grupo é seguido por um público fascinado pela estética, o som e o entusiasmo desses atores que encenam a festa inventada por negros alforriados por volta de 1860 e desde então o festejo se repete no município de 27.000 habitantes. De uns anos para cá a festa passou a acontecer perto do aniversário da independência de Sergipe, que até 1820 vivia sob a tutela do Estado da Bahia.
O Lambe Sujos versus Caboclinhos, ou apenas Lambe Sujos, como é mais conhecida, poderia ser mais uma festa regional de uma pequena cidade em qualquer lugar do Brasil. Mas a quantidade de informações e sutilezas concentradas nessa narrativa folclórica é tão rica que já inspirou dezenas de textos e livros acadêmicos. “Estamos retratando a história da cultura brasileira, de um povo humilde do Brasil. Nada disse é encontrado nas universidades. As universidades é que vem aqui beber da fonte”, diz o mestre Zé Rolinha, rei dos Lambe Sujos há 30 anos, e considerado o dono da festa.
Laranjeiras foi uma das mais prósperas cidades do país nos tempos da escravidão, graças à riqueza proporcionada pela cana de açúcar. Chegou a ser candidata a capital da então província de Sergipe numa época em que as famílias brancas endinheiradas tinham acesso ao que havia de melhor no exterior, vindo de navio pelo rio Cotinguiba. Mas era o trabalho braçal de milhares de escravos que sustentava os engenhos. A aspiração à liberdade criou o movimento dos quilombos, negros fugitivos que formaram povoados vivos até hoje através de seus descendentes. 
Festa dos Lambe Sujos versus Caboclinhos. Veja o vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do DomTotal.

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