sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Fecha o zoom!

A chamada TV aberta continua se esbaldando no sensacionalismo barato.
Por Fernando Fabbrini*
Claro que todo mundo sabe o que é o zoom, aquele recurso das câmeras de aproximar a imagem, permitindo closes. Mas não sei se todo mundo anda reparando numa das formas de uso cada vez mais frequentes do dispositivo ótico. Parece que há, no manual do jornalismo televisivo, uma norma assim estipulada pela alta direção da emissora:
“Artigo 1º, parágrafo único: Estando a equipe de jornalismo envolvida na cobertura de um evento catastrófico de qualquer natureza (desabamentos, enchentes, seca nordestina e similares), deverá o cinegrafista ficar atento ao menor sinal de emoção, constrangimento grave e, principalmente, lágrimas nos olhos do(s) entrevistado(s), fechando imediatamente o zoom de forma a exibir os sinais faciais de dor, desespero ou angústia extremada. Caso o(s) entrevistado(s) mantenha-se equilibrado(s) e sereno(s) nas respostas, deverá o repórter provocá-lo com perguntas íntimas (Ex: “Como ficará agora o quartinho de seu filho?” ou “Quantos anos você levou para construir sua casa?”) até que as esperadas lágrimas brotem da face do indivíduo, permitindo então o uso do referido zoom. Resumindo: chorou? Fecha o zoom, rápido!”
Na minha modesta opinião de telespectador assíduo de telejornais, acho isso uma tremenda sacanagem, um abuso desrespeitoso da dor alheia, uma invasão da alma de gente sofrida com a lente inescrupulosa de quem a manipula. É um dos sinais da baixaria da TV brasileira, sutil, mas sintomático. A chamada TV aberta continua se esbaldando no sensacionalismo barato, nas novelas idênticas, na violência como atrativo e nos BBBs da vida. E assim rasteja a humanidade.
Não é de hoje que as maiores redes de TV vêm transformando seus jornalismos em coletâneas de violências requintadas. Justiça (opa!) seja feita: o Jornal da Cultura – TV onde tive a privilégio de iniciar minha vida profissional – escapa com dignidade dessa lista suja. Dá show de inteligência, objetividade e reúne comentaristas dignos do nome. E ao tratar de casos escabrosos, mantém uma postura, no mínimo, elegante. Pelo que sei, é ainda o único interativo, aceitando pitacos e comentários online. Deve ser por tudo isso que ele foi excluído da grade de programação da TV Minas após a vitória do governo petista. Eles preferem outras coisas.
Também ando bastante implicado – como dizia minha mãe – com aquelas reconstituições virtuais de crimes. São bonecos muito bem moldados digitalmente, com armas na mão, disparando pistolas e escopetas, enquanto o locutor, em off, vai fazendo a narrativa dos horrores como se descrevesse um inocente piquenique de freiras. Me digam aí, senhores da TV, qual é a necessidade disso para a evolução cultural do chamado grande público? Num ambiente forense, vá lá, pode ser valioso no esclarecimento de detalhes do tal crime, mas para nós? Gato escaldado em horas e horas de ilhas de edição, imagino o diretor de cena, ao lado do operador de animação, montando a reconstituição e ajustando a coisa como melhor lhe parece:
- Ponha mais sangue ali no canto, o rapaz foi baleado cinco vezes...
- Deixo ele caído de bruços ou de peito para cima?
- Hum... Deixa eu ver.... De peito para cima, assim dá pra ver o buraco das balas...
- A cara do bandido está muito boazinha... Ponha ele mais bravo... De máscara...
Enquanto isso, os repórteres vão engrossando o rol das perguntas cretinas. Diante da casa em ruínas do pobre coitado, vítima de um desmoronamento no alto da favela, costumam perguntar ao homem:
- O senhor ficou muito triste? O que vai fazer agora?
Dá vontade de fazer um media-training com vitimados assim, ensinando-os a responder na bucha perguntas idiotas de repórteres, tipo:
- Triste, eu? Imagine! Claro que não! Tenho uma outra casa à beira mar, em Búzios, com um iate ancorado no píer privativo. Então, vou ficar no deque tomando sol e bebendo uísque até resolverem isso tudo. Apareça por lá, querida!
Só de desaforo, só de desaforo.
Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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