segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O ano da incerteza

Nestes primeiros dias de 2016, parece que todos concordam em ser pessimistas.
As mudanças nos países muçulmanos trouxeram instabilidade.
Por José Couto Nogueira*
No final do ano faz-se um balanço, no começo do novo traçam-se projetos – geralmente o mais otimista possível. Mas nestes primeiros dias de 2016, parece que todos concordam em ser pessimistas.
Joshka Fischer, que foi o ministro das Relações Externas da Alemanha entre 1998 e 2005, escreveu recentemente um artigo intitulado “O Fascismo dos Afluentes”. O título já diz muito do que pensa uma parte da opinião pública alemã e, também, da europeia. Para começo de conversa, a volta do termo “fascismo”, que parecia apagado do vocabulário político, em parte por se julgar extinto, em parte porque havia um certo pudor em usá-lo.  E não é só Fischer que o usa; em geral todas não direitas europeias – que são muito diferentes e variadas, inclusive muitas delas ao centro e não à esquerda – têm falado da ameaça dos movimentos e governos “fascistas”. O termo já não tem nada a ver com o rótulo histórico que era usado por Mussolini ou Hitler e praticado por Franco, Salazar, ou os coronéis gregos da década de 70. Este neo-fascismo não veste uniforme nem organiza paradas; utiliza o espaço de manobra democrático e apresenta-se como defensor dos valores caros a todos os ocidentais, como as suas tradições e o rico nível de vida.
Os “afluentes” são, evidentemente, os europeus, que têm um nível de rendimento abissalmente superior aos países que os rodeiam.
Exemplos desta agressividade para com os outros, disfarçada de preocupação com nós próprios, pode ser encontrado em Donald Trump nos EUA, em Marine le Pen em França, ou nos governos de Vítor Órban (Hungria) e Jarosław Kaczyński (Polónia). Mais exemplos: Geert Wilders e o seu Vlaams Blok na Bélgica, o Freedom Party austríaco, O Partido Democrata sueco, o
Finns Party na Finlândia e o Partido do Povo da Dinamarca.
Compreende-se que no Brasil, onde o problema reside num governo que se afirma de esquerda e é considerado por muitos como marxista, esta ameaça da direita radical pareça uma piração dos tais “afluentes”. Mas os desafios que a Europa – como um todo, ou cada país por si – e os Estados Unidos enfrentam neste período são completamente diferentes do que se passa na América do Sul.
Um aspecto comum a todos estes movimentos, tão diferentes em teorias e praxis, é a volta da xenofobia, pior que o velho nacionalismo, e da islamofobia, mais critica que o antigo racismo. Não se trata de defender a pátria, mas sim de preservar a “nossa” cultura contra costumes bárbaros; nem de desprezar as etnias “inferiores”, mas sim de recear que nos roubem a paz e o sossego. A confusão é o oposto da inteligência e o medo o combustível da estupidez.
É que realmente o mundo, visto do ponto de vista de um europeu (deixemos os norte-americanos para outra ocasião) está a tornar-se um lugar perigoso. A degradação da qualidade de vida e redução da liberdade tão duramente conquistada não é mais do que uma ameaça latente; está a acontecer à frente de todos e, por uma razão ou por outra, os governos não conseguem sequer entender-se quanto ao que fazer. As causas são conhecidas e sobejamente discutidas: o envelhecimento da população, os altos custos de produção, cem anos de políticas desastrosas em relação ao Médio Oriente, a ascensão da China e o reaparecimento da Rússia como major player, serão as mais evidentes.
Os acontecimentos sucedem-se vertiginosamente, como num jogo de xadrez em que as peças adversárias e os movimentos desconexos das nossas peças giram numa espiral inexorável. Para não recuar muito, as mudanças nos países muçulmanos trouxeram uma instabilidade que se repercute na Europa de várias formas, a mais visível sendo a entrada de mais de um milhão de refugiados, a juntar a uma população de milhões que há décadas vive nas cidades europeias completamente excluída.
Como afirma Nouriel Roubini, um analista internacional, até questões que não têm nada a ver com os europeus, como a antiga e incompreensível inimizade entre shiitas e sunitas, estão a arrastar o mundo para uma situação incontrolável. E as decisões e acontecimentos, completamente irracionais, afectam e desnorteiam toda a gente.
Veja-se, por exemplo, a situação da Arábia Saudita. Como disse outro analista, o Reino de Saudi é o verdadeiro Califado Islâmico (e não o Daesh): uma ditadura fundamentalista sunita em que as mulheres não podem nem dirigir automóvel e que executa diariamente todos os “desvios” da pureza islâmica, centenas de pessoas por ano. Mas, como detém as maiores reservas de petróleo mundial, de que os países ocidentais são dependentes, não só os seus sheiks se passeiam pelas capitais europeias gastando fortunas no luxo e na devassidão que não permitem em casa, como recentemente foi eleita para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Confrontado com esta situação numa entrevista à BBC, David Cameron não foi capaz de responder por que é que a Grã Bretanha votou a favor dos sauditas, tal é a incongruência indefensável.
Agora, a Arábia Saudita executou um clérico shiita iraniano e despoletou um crescendo de acusações entre os sauditas e o Irão. Uns apoiam o Daesh, os outros são contra. Os israelitas também apoiam o Daesh, porque lhes dá jeito que os muçulmanos se matem entre eles. E os turcos compram petróleo ao Califado, ao mesmo tempo em que deixam passar a onda de refugiados para a Europa.
Nesta passagem do ano, em Colônia, grupos de refugiados incomodaram, agrediram e violaram dezenas de mulheres alemãs. Apenas mais um episódio numa série de acontecimentos em larga escala; mas um episódio que exacerba as tensões e os medos no velho continente e alimenta os movimentos “fascistas” de que Fischer fala.
Neste começo de 2016 é difícil ser otimista. O melhor que se pode dizer é que será um ano cheio de incertezas. E o maior desejo é que a maioria delas não se realize.
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.

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