Na maioria das vezes, a justiça é lenta e, quando há punição, ela ocorre muito tempo após o crime.
Por Daniela Galvão
Repórter Dom Total
Com o crescimento da frota de veículos no país, que em dezembro de 2015 chegou a 90.606.936 carros nas vias urbanas e estradas, conforme dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), aumentam também as irregularidades cometidas pelos motoristas. Ainda segundo o Denatran, somente no ano passado foram registradas mais de 13 milhões de infrações no território brasileiro, sendo que a principal delas o excesso de velocidade. Consequentemente, a segurança tanto de condutores, quanto de pedestres, fica prejudicada. E todas as vezes em que são registrados acidentes com vítimas, sejam elas fatais ou não, a primeira coisa que vem à cabeça de muitos é a impunidade.
Na opinião do advogado, professor de Processo Penal da Escola Superior Dom Helder Câmara e mestre em Ciências Penais, André Myssior, essa sensação de impunidade é geral, isto é, não se restringe ao crime de trânsito. “Ela decorre de uma percepção - frequentemente incorreta, mas compreensível - de que as penas são muito baixas, além do fato de que, na maioria das vezes, a justiça é lenta e, mesmo quando há punição, ela ocorre muito tempo depois do crime”.
Ele afirma que essa sensação de impunidade impulsiona um desejo de que sejam aplicadas penas maiores. “A tentativa de enquadrar o homicídio de trânsito como doloso é reflexo disso. O raciocínio é: a pena do homicídio culposo é muito baixa, então, admita-se o homicídio doloso, porque a pena é mais alta”, comenta.
De acordo com o advogado e professor da Dom Helder, frequentemente a linha que diferencia a culpa consciente do dolo eventual é muito tênue. André Myssior ressalta que uma e outra espécie pressupõem o conhecimento do risco. “A diferença é que, se o agente aceita e consente com o risco, não se importando com o resultado, há dolo eventual. Se, ciente do risco, não o aceita, acredita que o consegue evitar, há culpa consciente”.
Por sua vez, o dolo não é aceito pelo ordenamento jurídico quando o assunto é crime de trânsito. Ele explica que isso ocorre porque, salvo situações excepcionais, o fato não se adequa à definição legal de dolo eventual e, sim, à da culpa consciente. “Acidente é uma situação indesejada, é algo que, embora pudesse ter sido previsto, não foi desejado e nem aceito pelo agente. É aquilo que resulta da inobservância de um dever de cuidado. E, em termos jurídicos, isso se chama culpa. Não há como escapar dessa realidade sem violar a norma expressa no artigo 18 do Código Penal”.
Segundo André Myssior, em regra, quando há acidente com morte, mesmo quando o motorista estava embriagado e/ou em alta velocidade, não há como afirmar que houve assunção do risco. “Houve, sem dúvida, conhecimento do risco. Mas, o conhecimento do risco não distingue a culpa consciente do dolo eventual, ele é comum em ambas situações. A pessoa acredita que, mesmo dirigindo em alta velocidade e/ou depois de ingerir bebida alcoólica, conseguirá evitar o acidente, o que revela imensa e gravíssima imprudência. E imprudência é espécie de culpa, não elemento do dolo. Afirmar o contrário pressupõe dizer que o motorista consentiu em pôr em risco a própria vida”.
O advogado e professor da Dom Helder acredita que não se soluciona sensação de impunidade violando-se a lei. Conforme ele, o primeiro e mais relevante passo para reduzir essa sensação de impunidade é trabalhar para reduzir o número de mortes em acidentes de trânsito. “Isso passa por aumentar a fiscalização e melhorar as condições de tráfego nas estradas, tampando buracos e duplicando duplicar rodovias como a BR-381, por exemplo”, opina.
Quanto à lei, ele pontua que talvez fosse o caso de se modificar a pena prevista no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que prevê o crime de homicídio culposo na condução de veículo automotor. “Atualmente a pena prevista é de dois a quatro anos. Talvez fosse conveniente aumentar a pena máxima cominada de modo que o juiz, na fixação da pena, possa ter mais espaço para valorar a culpabilidade do motorista que age com tão elevado grau de imprudência ou, alternativamente, introduzir uma causa de aumento de pena para o caso de o motorista estar embriagado e/ou com velocidade maior que a permitida para a via”, conclui.
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Redação Dom Total
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