sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Carnaval nas cartas chilenas

5 de fevereiro de 2016

Entrudo: quadro de Debret (1768/1848).
Entrudo: quadro de Debret (1768/1848).
Por Carlos Ávila
As famosas “Cartas chilenas” – longo poema satírico escrito na segunda metade do séc. 18, assinado por Critilo, pseudônimo de Tomás Antônio Gonzaga (1744/1810) – são uma crítica violenta e mordaz à administração do governador Luís da Cunha Menezes, ali representado burlescamente como o “Fanfarrão Minésio”.
No poema, Gonzaga usa toda a sua técnica verbal para fazer a “crônica” daquele período em Ouro Preto (então Vila Rica) assinalando o que ele considerava condenável, ou seja, os desacertos de conduta e administrativos de Cunha Menezes.
Na 11ª Carta há uma curiosa e precursora referência ao Carnaval (“Entrudo”, no texto), onde se descrevem batuques e danças na “casa aonde habita o grande chefe”, ou seja, a “orgia” no palácio de Cunha Menezes.
Segundo o poeta e ensaísta Affonso Ávila (1928/2012), pesquisador do Barroco mineiro, “o carnaval então como hoje, já constituiria a festa popular de sentido mais democrático, igualando ricos e pobres, humildes e poderosos”.
E mais: “O curioso governador Cunha Menezes, despindo-se dos foros de nobreza, alardeando o seu populismo, a sua ausência de preconceitos quase sempre mal interpretada pelo aristocrático poeta das ‘Cartas chilenas’, não deixava de aderir ao ritmo do Entrudo”.
“Precursor do atual samba” – ainda segundo Ávila – “o batuque começava a sua ascensão social, passando das senzalas aos salões, tendo ‘entrada/nas casas mais honestas e palácios’”.
Reproduz-se aqui um trecho das “Cartas chilenas” (na edição crítica do filólogo português Rodrigues Lapa) que mostra o carnaval na visão de Gonzaga – primeira referência literária em Minas Gerais a essa festa.
*****
Fingindo a moça que levanta a saia
e voando na ponta dos dedinhos,
prega no machacaz, de quem mais gosta,
a lasciva embigada, abrindo os braços.
Então o machacaz, mexendo a bunda,
pondo uma mão na testa, outra na ilharga,
ou dando alguns estalos com os dedos,
seguindo das violas o compasso,
lhe diz – “eu pago, eu pago” – e, de repente,
sobre a torpe michela atira o salto.
O dança venturosa! Tu entravas
nas humildes choupanas, onde as negras,
aonde as vis mulatas, apertando
por baixo do bandulho a larga cinta,
te honravam cos marotos e brejeiros,
batendo sobre o chão o pé descalço.
Agora já consegues ter entrada
nas casas mais honestas e palácios!
Ah! Tu, famoso chefe, dás exemplo.
Tu já, tu já batucas, escondido
debaixo dos teus tetos, com a moça
que furtou ao senhor o teu Ribério!
Tu também já batucas sobre a sala
da formosa comadre, quando o pede
a borracha função do santo Entrudo.

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