Marcus Eduardo de Oliveira
O aquecimento da Terra, a destruição da camada de ozônio, a extinção de várias espécies (defaunação), a devastação de florestas e a poluição dos grandes centros urbanos. Todos esses fatores têm uma causa em comum: a nossa maneira de se relacionar com a Terra.
A relação existente entre a civilização humana e o equilíbrio natural da Terra tem sido frequentemente alterada à medida que o homem, pós Revolução Industrial, ampliou o uso do carvão e do petróleo – respiração das economias industrializadas - culminando no dióxido de carbono resultante da queima desses combustíveis fósseis, servindo para dinamizar a atividade produtiva, desarmonizando assim a relação com os principais fundamentos ecológicos.
Dito em outras palavras, nossa nada amistosa relação com a Terra, a partir do excesso produtivo, condição que assegura o falso sucesso do progresso das economias, se dá, basicamente, devido a três amplas mudanças: em primeiro lugar, a explosão demográfica que fez a humanidade saltar de 1,5 bilhão de habitantes, em 1900, para os atuais 7,2 bilhões, com projeção de 9 bilhões para o ano de 2030; em segundo, a revolução científica e tecnológica, engendrada pela inteligência e perspicácia humanas, que aumenta o grau e o poder de manipulação do homem sobre a natureza, desfigurando-a por completo; e, em terceiro lugar, a maneira como pensamos e tratamos os recursos da natureza, usando-os em prol do modo como resolvemos organizar as economias mundiais, voltadas, quase que exclusivamente, à produção material para abastecer nossa cada vez mais insana e insustentável sede de consumo.
Colocando essas três mudanças num terreno mais sólido, cabe então algumas explicações mais bem detalhadas.
Primeiramente, a questão em torno do crescimento populacional, de longe, parece ser a que, no longo prazo, trará mais dissabores, uma vez que o excesso populacional exige muito mais uso da natureza (matéria e energia).
Ainda que o ritmo do crescimento populacional no mundo, na atualidade, esteja em declínio, apresentando uma taxa de 1,2% ao ano, o fato é que, em décadas anteriores, a população mundial cresceu (explodiu) muito.
Esse é o problema do chamado “crescimento vegetativo positivo”, ou seja, quando há um saldo superior entre as taxas de natalidade em relação às de mortalidade.
Exemplificando: se no começo do século XX demorava-se quase 40 anos para que 1 bilhão de pessoas a mais habitassem o planeta, oitenta anos depois, logo no início dos anos 2.000, essa mesma “marca” era conseguida num intervalo de apenas 12 anos.
Estamos então nos referindo, no momento atual, a uma taxa de nascimento de 220 mil bebês todos os dias que, multiplicados por 365 dias, chega-se a mais de 80 milhões de nascimentos por ano no mundo.
Portanto, a conta é bem simples: em termos populacionais, para cada intervalo de 12 anos, conheceremos uma “Índia” e um pouco menos de uma “China”, com 1 bilhão a mais de indivíduos habitando o mesmo espaço.
Seguindo esse panorama, não por acaso, China e Índia talvez sejam os dois casos mais paradigmáticos para se visualizar, com bastante precisão, o exagerado crescimento populacional e seus impactos ambientais decorrentes, que se convertem numa verdadeira ameaça à instabilidade do planeta, afinal, juntos, essas duas nações possuem mais de 2,4 bilhões de habitantes, ou seja, 1/3 da humanidade.
Quanto a isso, é importante não perder de vista que China e Índia são potências mundiais que dividem espaço físico e recursos naturais. Territórios como o Himalaia e o Tibete, por exemplo, são constantemente marcados por disputas políticas entre os governos dos dois países.
Além disso, diversos rios cortam a região e são alvo de poluição (vide o caso do Rio Amarelo, por exemplo) e profunda ação antrópica que altera seus cursos.
Se as populações chinesas e indianas se diferem em aspectos culturais, religiosos e políticos, o mesmo, contudo, não acontece em relação aos hábitos de consumo, uma vez que, juntos, chineses e indianos, para nos valermos de um único exemplo, utilizam 9 milhões de litros de óleo de palmeira por ano, quase um quarto de toda a produção mundial.
Estudos elaborados em 2010 por pesquisadores norte-americanos, chineses e indianos apontaram que, à época, China e Índia eram responsáveis por manter em “funcionamento” 8% do crescimento econômico mundial, mas, por outro, esses países podem ser considerados a dupla de consumo mais temerária em termos de destruição ecológica da Ásia.
Ainda de acordo com estudos, a expectativa era de que, caso continuassem nesse ritmo de crescimento e consumo, até 2020 essas nações responderiam por 64% do consumo total de madeira de todo o continente asiático.
Embora na atualidade a China, em especial, esteja numa rota de acentuada queda econômica, os anos anteriores que marcaram uma robusta taxa de crescimento econômico - próxima de 10% ao ano entre 2000 e 2011 – promoveram, como efeito colateral, uma das mais acentuadas taxas de poluição do planeta, razão pela qual, em estudo elaborado em 2013 pelo Banco Mundial, constatou-se que vinte das trinta cidades mais poluídas do mundo estão na China, principalmente em consequência do uso intensivo de carvão – um dos “combustíveis” do crescimento das economias globais, conforme aludimos anteriormente.
O segundo fator que precisa ser destacado diz respeito à revolução científica e tecnológica. É correto afirmar que foram os avanços verificados nos campos da ciência e da tecnologia que permitiram ao homem moderno abusar das máquinas para subtrair cada vez mais da natureza, quer seja, queimando, derrubando, escavando, afetando sintomaticamente a matéria física da qual a terra é constituída.
A ideia central do avanço científico e tecnológico sempre esteve vinculado à busca incessante por mais produtividade e lucros, mas nunca se preocupou em conciliar ambos com a eficiência ambiental.
Isso, por sua vez, provocou um considerável deslocamento entre a produção econômica e a conservação da natureza, e o homem, se julgando o “dono do mundo”, não titubeou em subjugar cada vez mais à natureza ao domínio das técnicas produtivas.
Por fim, esses dois fatores levam, inexoravelmente, ao terceiro ponto: a maneira como pensamos e tratamos os recursos da natureza, a partir da forma como organizamos as economias.
Se até o aparecimento da Revolução Industrial a economia “cabia” dentro da natureza, face ao baixo contingente populacional e, em decorrência das limitadas “necessidades” dos povos que eram prontamente atendidas com os abundantes recursos naturais, essa história mudou de configuração com o advento das máquinas.
A partir daí o homem dominou completamente a natureza, e a economia (atividade de produção) passou a ser muito maior que a disponibilidade de recursos. Como era de se esperar, nossa maneira de se relacionar com a Terra e com todos os elementos ecológicos dos quais dependemos foi transformada.
Com isso, a civilização, talvez pela primeira vez na história, se tornou capaz de se autodestruir. Lamentavelmente, a completa falta de cuidado com o meio ambiente, visíveis a partir do esgotamento dos principais serviços ecossistêmicos, provocado por ações antrópicas, tem deixado como herança às futuras gerações o peso de uma sobrevivência no limiar do risco, desde a mais singela das situações: a falta de bem-estar, ocasionada e impulsionada pelo desequilíbrio das condições climáticas até a mais grave de todas, como a crescente poluição nos principais centros urbanos, a contaminação dos solos, da água, a produção de alimentos quimicamente modificados, entre outros.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental | prof.marcuseduardo@bol.com.br
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