Eventual excesso e cometimento de crimes devem ser devidamente coibidos pelo poder público.
Por Renato Campos Andrade*
Um assunto que merece a atenção dos brasileiros, operadores do Direito ou não, diz respeito ao direito de manifestação. Isto é, quais são os limites e regras que as pessoas devem seguir para, livremente, se manifestarem?
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos não deixa dúvidas quanto à liberdade de expressão. Seu artigo 13, que trata da liberdade de pensamento e de expressão, estabelece que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Além disso, esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. Esse mesmo dispositivo prevê ainda que o exercício desse direito não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei.
Além disso, trata-se de um direito constitucionalmente protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, incisos IV e XVI. Neles temos, respectivamente, que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; e que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.
A lei federal 1.207/1950 expressamente dispõe que “sob nenhum pretexto poderá qualquer agente do Poder Executivo intervir em reunião pacífica e sem armas, convocada para casa particular ou recinto fechado de associação, salvo no caso do § 15 do artigo 141 da Constituição Federal, ou quando a convocação se fizer para prática de ato proibido por lei”.
Ou seja, a legislação indica que apenas em caso de grandes calamidades que demandem a decretação do estado de defesa, ou em caso de guerra, em que seria decretado o estado de sítio, seria legal uma intervenção nesses direitos.
Pois bem, diante de um cenário de intensas manifestações e insurgência popular com o objetivo de participar diretamente ou, ao menos, influenciar decisivamente o desenvolvimento das políticas públicas, resta saber se o direito constitucional é absoluto e ilimitado.
A regulação da forma das manifestações impede o legítimo direito de ir e vir, bem como o direito de reunião? É necessário um aviso prévio às autoridades? Como fica a segurança pública?
A ideia, diante das diversas manifestações que ocorrem em nosso país, é abordar o conflito entre o direito de reunião e o direito de ir e vir. Ambos direitos constitucionais, sem hierarquia entre eles.
Em seu artigo “Direitos de reunião e de ir e vir sem intervenção policial”, a advogada, assessora jurídica da Comissão de Ética e Disciplina da OAB-MG e membro colaboradora da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB-MG, Liliane da Conceição Oliveira de Almeida, indica que é delicado tratar do poder de atuação do Estado e a limitação ao direito de ir e vir e de reunião. Ela recorda, com propriedade, que a segurança pública é responsabilidade de todos e dever do Estado. Diante desse cenário, Liliane de Almeida aborda que o STF tem adotado a ponderação entre esses institutos e finaliza dizendo que se deve sempre buscar a razoabilidade e o equilíbrio.
Recentemente, após as diversas manifestações do Movimento Passe Livre em São Paulo, as autoridades do estado de São Paulo decidiram criar uma lei que obrigue os organizadores de manifestações de rua a informarem previamente a data e o itinerário dos protestos. A atual legislação, regulamentada em 1997 pelo ex-prefeito Celso Pitta, exige aviso com ao menos cinco dias de antecedência à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). O decreto que regulamenta essa lei determina que, além do dia, horário e vias que serão percorridas, os organizadores devem informar o número estimado de participantes e assinar um termo de compromisso no qual se responsabilizam por danos ao patrimônio público e privado que venham a ocorrer durante o ato.
Sobre esta lei, vale a leitura do artigo “A lei paulista sobre manifestações seria inconstitucional?”, do advogado e assessor técnico-legislativo Thiago Ferreira Almeida. Ao indicar o próprio texto da Carta Magna, ele enfatiza que “o direito constitucional de manifestação é de efeitos plenos, ou seja, de plena eficácia ou aplicabilidade, não se exigindo regulamentação para ser observado”.
Além disso, em tempos grandes manifestações políticas, o direito de reunião se trata de uma importante ferramenta, como bem lembra a advogada e assessora jurídica da Prefeitura de Belo Horizonte, Vanessa Sousa Vieira, em seu artigo: “O direito de reunião como participação na formação da vontade política”.
Conforme ela, “considerando a importância desse direito, em face de um contexto histórico marcado pelo direito e o acesso às informações, as reuniões são meios pacíficos e legítimos de se atingir o consenso acerca de importantes questionamentos de cunho político. Sendo um meio para o exercício da liberdade de expressão, o direito de reunião é corolário da dignidade da pessoa humana, dentro das suas liberdades constitucionalmente asseguradas”.
Conclui-se que os direitos de reunião e liberdade de expressão fazem parte dos direitos fundamentais, estão inseridos na Constituição brasileira e precisam ser devidamente respeitados. Contudo, eventual excesso e cometimento de crimes devem ser devidamente coibidos pelo poder público.
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*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior Dom Helder Câmara, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.
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