terça-feira, 8 de março de 2016

Igualdade de gênero: conquistas e desafios

Só com a CF/88 a igualdade de gênero teve destaque no rol de direitos e garantias fundamentais.
Por Lara Marina Ferreira*
A Constituição Federal de 1988 anuncia, já no inciso I do artigo 5º, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. O dispositivo constitucional não encerra uma questão. Como norma jurídica que se estrutura, portanto, como dever-ser, o texto constitucional aponta um horizonte de futuro e impõe a concretização de ações que realizem o princípio da igualdade de gênero.
A Constituição do Império de 1824 não tratava da questão. Sendo "cidadãos brazileiros” aqueles que estavam no gozo de seus direitos políticos, carregava em seu silêncio o entendimento - óbvio para a época - de que as mulheres não estariam incluídas nessa previsão.
A Constituição de 1891 também não se preocupou em tratar da igualdade entre homens e mulheres. No contexto de superação do regime imperial e de montagem de um ambiente republicano, a aplicação do princípio da igualdade era focalizada para combater privilégios de nascimento e títulos nobiliárquicos.
Mas, ao adotarmos pela primeira vez em nossa história a premissa normativa de que somos todos iguais, passamos a enxergar como problema as diferenças fáticas que encontramos. Não por acaso, os primeiros movimentos de afirmação do gênero feminino estão relacionados ao exercício do voto. O estado do Rio Grande do Norte tornou-se pioneiro ao assegurar, em 1926, o direito de votar e ser votado a todos os cidadãos “sem distinção de sexos”. Logo depois, o Código Eleitoral de 1932 estendeu os direitos políticos às mulheres em âmbito nacional.
Porém, foi somente com o texto constitucional de 1988 que a questão da igualdade de gênero passou a ocupar lugar de destaque no rol de direitos e garantias fundamentais. Reconhecendo que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nossa constituição atual, que é inscrita no paradigma do Estado Democrático de Direito, obviamente não propõe uma leitura que restrinja o princípio da igualdade ao princípio da isonomia.
É preciso ler as normas jurídicas - e sobretudo as normas constitucionais - a partir de uma perspectiva hermenêutica mais complexa e sofisticada. Se o legislador constituinte, que poderia ter se limitado a dizer que “todos são iguais em direitos e obrigações”, escolheu especificar que “homens e mulheres são iguais”, é porque ele reconhece que, na realidade sociológica, essa igualdade não é observada. Não se trata de mera declaração, portanto. É uma previsão que impõe ações de promoção de igualdade material.
A própria Constituição Federal autoriza hipóteses de desigualdades que se prestam a concretizar o princípio da igualdade material como, por exemplo, na previsão de licença-maternidade, de prazos diferenciados para a concessão de aposentadoria e de proteção especial ao mercado de trabalho da mulher.
Além de se preocupar com a mulher trabalhadora, o texto constitucional também se preocupa em proteger o papel familiar da mulher, prevendo que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelos cônjuges.
Os desafios atuais encontram-se nos extremos dessa equação. Embora a presença feminina nos postos de trabalho seja muito expressiva em termos quantitativos, qualitativamente, as possibilidades de trabalho mais complexas e mais bem remuneradas continuam restritas aos homens. Apesar de autorizadas a votar desde 1932, é absolutamente pífia a representatividade feminina nos cargos políticos. Ao mesmo tempo, na outra ponta, permanece alta a presença feminina nas estatísticas da violência doméstica.
É claro que todas essas questões estão assentadas sobre o aspecto cultural. Há sempre alguém pronto a argumentar que, “naturalmente”, as mulheres se interessam menos pelos ambientes corporativos e competitivos, e que são menos atraídas por carreiras políticas ou por concursos da magistratura. É fato também que, via de regra, a constituição biológica das mulheres é mais frágil que a do homem, constatação que justificaria o porquê de elas serem, “naturalmente”, as vítimas em potencial.
Mas é preciso lembrar e relembrar, exaustivamente, quais são os papéis que o Direito pode assumir diante das situações fáticas. O dever-ser é, precisamente, o salto para além da facticidade. E se é possível a instrumentalização do Direito para perpetuar estruturas de poder, é também possível sua utilização como ferramenta de transformação social.
As comemorações do dia 08 de março oferecem mais uma oportunidade de lembrança e renovam o convite para ação.

LEIA TAMBÉM:



*Lara Marina Ferreira é professora de Filosofia do Direito e Direito Constitucional II da Escola Superior Dom Helder Câmara, servidora da Escola Judiciária Eleitoral do TRE-MG, mestre em Direito e especialista em Temas Filosóficos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário