terça-feira, 5 de abril de 2016

A legalidade do golpe

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A legalidade do golpe
Quem tem legitimidade legal para julgar se houve ou não crime de responsabilidade?
Governo Dilma Rousseff sob julgamento do Congresso Nacional.
Governo Dilma Rousseff sob julgamento do Congresso Nacional.

Por Paulo U. Stumpf*

Pairam questionamentos sobre o processo de impeachment de Dilma relativamente à sua legitimidade legal e moral.

Quanto à sua previsão legal, não resta dúvida quando, por exemplo, a Constituição em seu Art. 86, § 1º, determina: “O Presidente ficará suspenso de suas funções: Inc. II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal”. Previsão esta já especificada pela “Lei do Impeachment” (Lei nº 1079/50), complementada pelo Regimento da Câmara, pela prática do Congresso e pelas decisões do STF.

Para sua efetivação, entretanto, há que se considerar aspectos formais e materiais. Formalmente, o processo de impeachment deve obedecer às normas processuais; materialmente, o mesmo precisa se fundamentar num fato legalmente tipificado pela legislação.

Sobre as formalidades, o próprio STF já se pronunciou (em julgamento de recurso interposto no dia 5/12/15, pelo Deputado Federal Rubens Pereira Júnior, PCdoB-MA, da base aliada do Governo), corrigindo alguns procedimentos como a exigibilidade de que a Comissão Especial seja composta por indicação dos líderes partidários; determinando que a eleição dos mesmos seja por voto aberto; negando provimento ao pedido de apresentação de defesa antes da Comissão Especial.

No mais, questionado quanto à legitimidade do Presidente da Câmara e sobre os quesitos fundamentais do pedido, o STF foi unânime ao decidir que, absolutamente, não há vício legal, pois eventuais motivações subjetivas do Presidente da Câmara não integram o pedido, devido ao princípio da impessoalidade dos atos da autoridade pública no exercício regular de sua função; acusações sobre a conduta pessoal do Presidente da Câmara ou de seus pares, somente são impeditivas se resultarem em afastamento do cargo, mediante processo e decisão praticada por instância legalmente competente.

Assim, sobre os questionamentos de que Senado, Câmara, seus integrantes e até o Vice-Presidente da República não têm legitimidade moral, os debates podem se estender interminavelmente e servirem para discurso de palanque eleitoral até o fim dos tempos. Enquanto os mesmos estiverem no exercício regular de suas funções, mantém as prerrogativas, direitos e deveres inerentes aos cargos que ocupam.

É possível que venha a se praticar vícios processuais e que os mesmos não sejam sanados no decorrer do processo; salvo melhor juízo, por ora, no entanto, não se percebe fundamento para advogar sua ilegalidade formal.

Resta a questão da materialidade, ou seja, sobre o mérito do pedido de impeachment: Dilma cometeu ou não crime de responsabilidade?

Embora se trate de um processo legislativo (político), a decisão deverá se fundamentar na demonstração de que determinado ato da Presidente efetivamente corresponde ao que a legislação tipifica como crime de responsabilidade.

Contudo, legalmente quem tem legitimidade para julgar se houve ou não crime de responsabilidade? Conforme a legislação do impeachment supracitada, somente, exclusiva e definitivamente, o Senado Federal e, no seu conjunto, o Congresso Nacional, respeitadas as atribuições específicas: o Presidente da Câmara que acolhe ou não o pedido de impeachment; os Partidos que indicam os componentes da Comissão Especial; o Plenário da Câmara que elege os integrantes da Comissão Especial; a Comissão Especial que elabora o Relatório com parecer favorável ou contrário; o Plenário da Câmara que instaura ou não o Processo; e, finalmente, o Senado que admite ou não o processo de impeachment e julga em última e definitiva instância o afastamento ou não da Presidente.

E a legislação atribui ao Congresso esta legitimidade legal a tal ponto que, se o STF quisesse promover qualquer interferência na decisão do mérito, a não ser que julgue ter havido descumprimento de preceitos formais não sanados, poderá ser considerado flagrante agressão à autonomia do Poder Legislativo.

*Paulo U. Stumpf é advogado, mestre e doutor em Direito Constitucional

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