A legalidade do golpe
Quem tem legitimidade legal para julgar se houve ou não crime de responsabilidade?
Governo Dilma Rousseff sob julgamento do Congresso Nacional.
Por Paulo U. Stumpf*
Pairam questionamentos sobre o processo de impeachment de Dilma relativamente à sua legitimidade legal e moral.
Quanto à sua previsão legal, não resta dúvida quando, por exemplo, a Constituição em seu Art. 86, § 1º, determina: “O Presidente ficará suspenso de suas funções: Inc. II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal”. Previsão esta já especificada pela “Lei do Impeachment” (Lei nº 1079/50), complementada pelo Regimento da Câmara, pela prática do Congresso e pelas decisões do STF.
Para sua efetivação, entretanto, há que se considerar aspectos formais e materiais. Formalmente, o processo de impeachment deve obedecer às normas processuais; materialmente, o mesmo precisa se fundamentar num fato legalmente tipificado pela legislação.
Sobre as formalidades, o próprio STF já se pronunciou (em julgamento de recurso interposto no dia 5/12/15, pelo Deputado Federal Rubens Pereira Júnior, PCdoB-MA, da base aliada do Governo), corrigindo alguns procedimentos como a exigibilidade de que a Comissão Especial seja composta por indicação dos líderes partidários; determinando que a eleição dos mesmos seja por voto aberto; negando provimento ao pedido de apresentação de defesa antes da Comissão Especial.
No mais, questionado quanto à legitimidade do Presidente da Câmara e sobre os quesitos fundamentais do pedido, o STF foi unânime ao decidir que, absolutamente, não há vício legal, pois eventuais motivações subjetivas do Presidente da Câmara não integram o pedido, devido ao princípio da impessoalidade dos atos da autoridade pública no exercício regular de sua função; acusações sobre a conduta pessoal do Presidente da Câmara ou de seus pares, somente são impeditivas se resultarem em afastamento do cargo, mediante processo e decisão praticada por instância legalmente competente.
Assim, sobre os questionamentos de que Senado, Câmara, seus integrantes e até o Vice-Presidente da República não têm legitimidade moral, os debates podem se estender interminavelmente e servirem para discurso de palanque eleitoral até o fim dos tempos. Enquanto os mesmos estiverem no exercício regular de suas funções, mantém as prerrogativas, direitos e deveres inerentes aos cargos que ocupam.
É possível que venha a se praticar vícios processuais e que os mesmos não sejam sanados no decorrer do processo; salvo melhor juízo, por ora, no entanto, não se percebe fundamento para advogar sua ilegalidade formal.
Resta a questão da materialidade, ou seja, sobre o mérito do pedido de impeachment: Dilma cometeu ou não crime de responsabilidade?
Embora se trate de um processo legislativo (político), a decisão deverá se fundamentar na demonstração de que determinado ato da Presidente efetivamente corresponde ao que a legislação tipifica como crime de responsabilidade.
Contudo, legalmente quem tem legitimidade para julgar se houve ou não crime de responsabilidade? Conforme a legislação do impeachment supracitada, somente, exclusiva e definitivamente, o Senado Federal e, no seu conjunto, o Congresso Nacional, respeitadas as atribuições específicas: o Presidente da Câmara que acolhe ou não o pedido de impeachment; os Partidos que indicam os componentes da Comissão Especial; o Plenário da Câmara que elege os integrantes da Comissão Especial; a Comissão Especial que elabora o Relatório com parecer favorável ou contrário; o Plenário da Câmara que instaura ou não o Processo; e, finalmente, o Senado que admite ou não o processo de impeachment e julga em última e definitiva instância o afastamento ou não da Presidente.
E a legislação atribui ao Congresso esta legitimidade legal a tal ponto que, se o STF quisesse promover qualquer interferência na decisão do mérito, a não ser que julgue ter havido descumprimento de preceitos formais não sanados, poderá ser considerado flagrante agressão à autonomia do Poder Legislativo.
*Paulo U. Stumpf é advogado, mestre e doutor em Direito Constitucional
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