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Se concretizada a farsa, o descendente de Joaquim Silvério do Reis ocupará o Executivo
Por Élio Gasda*
Um domingo para não ser esquecido jamais. O fato assombrou o mundo: Tragédia e escândalo (The Guardian). Um escárnio (CNN). Nunca vi o Brasil descer tão baixo (SIC TV Portugal). Uma pessoa honesta é julgada por ladrões (New York Times). O Brasil está à beira da ruptura (Le Monde). Cerimônia macabra de linchamento público da democracia (El País). A insurreição dos hipócritas (Der Spiegel). Não sabíamos que a Câmara dos deputados fosse tão ruim. Eduardo Cunha converteu o Congresso Nacional em sanatório geral (Chico Buarque). “De chorar”, lamenta Joaquim Barbosa que acusados de crime torturem a soberania popular em nome de Deus, da família e da propriedade (TFP!). Como é possível que a promulgação das leis de uma das dez nações mais poderosas do planeta dependa de pessoas desse quilate? (Pablo Gentile). A tragédia da democracia violentada sendo festejada numa tal República de Curitiba em transe foi ainda mais bizarra.
Se concretizada a farsa, o descendente de Joaquim Silvério do Reis ocupará o Executivo. Sua existência se deve a 367 maquiavélicos. Vale tudo para alcançar o fim desejado. Espezinham-se acordos, a Constituição e a ética. Faça o que deve ser feito para que aconteça aquilo que você quer que aconteça. O fim justifica os meios. Cínicos desprovidos de qualquer pudor desconhecem os limites da sua irresponsabilidade. Arautos de tempos sombrios.
Mas um Poder Judiciário omisso é tão noviço à democracia quanto um Congresso presidido por um criminoso e permissivo com fascistas defensores de assassinos. É perturbador ver o Supremo Tribunal Federal sem coragem de corrigir uma farsa tão monumental. A Constituição Federal é o esteio jurídico do fenômeno político. Questões constitucionais são, a um só tempo, jurídicas e políticas. Portanto, exigem das instâncias incumbidas de enfrentá-las e resolvê-las. Em Direito e Política não há separação. São forma e substância do único processo de ordenamento social. Embora distintos, não podem ser vistos separadamente. Não é tarefa do STF decidir sobre lutas políticas, mas é seu dever assegurar que se respeitem as normas Constitucionais. Paixão partidária de togados da Suprema Corte não só desprezam a Carta Magna, mas intimidam seus pares.
Sem ilusões. A normalidade democrática é uma exceção no Brasil. O sentimento antipopular das elites é tão antigo quanto as Capitanias Hereditárias. A solidariedade com o pobre é nula. Ela tem aversão ao povo, é autoritária, discriminatória e racista. Ao desestabilizar os Três Poderes da República, a plutocracia industrial-financeira-midiática (e sonegadora de impostos), transforma a democracia representativa em farsa. Dos 511 deputados que se manifestaram no domingo, apenas 36 se elegeram com votação própria. Os demais foram levados a reboque por suas legendas. A redução da política à força do dinheiro torna o sistema político impermeável à participação dos pobres e ao cumprimento do Direito.
Política (politiké) se refere a todas às coisas relativas à pólis. Ao concretizar os princípios éticos na vida pública (Aristóteles), o ser político (politikós) era a mais digna das atividades. Aquele cidadão que rompia o compromisso com o bem da pólis perdia seu status de político e tornava-se um idiotés (incapaz). Ou seja, pela qualidade do compromisso dos cidadãos medem-se as anomalias da política. Big Brother, Faustão, Pânico, Caldeirão do Huck, Ratinho, Jornal Nacional etc. retratam o esforço da elite em manter o povo na mediocridade e votando em pessoas incapacitadas (idiotés) a cada eleição. Logo, os políticos autênticos, em minoria, não evitaram o golpe parlamentar.
A ética cristã defende que a pessoa humana é fundamento e fim da política (Gaudium et spes, 25). A comunidade política procede da natureza das pessoas e tem na referência ao povo sua autêntica dimensão. O sujeito da autoridade política é o povo. O poder repousa na soberania do povo (cf. Constituição Brasileira art. 1). O desrespeito pela soberania popular fere de morte a democracia e compromete a estabilidade da nação, afirma João Paulo II (Centesimus annus, 44). A comunidade política existe para servir a sociedade civil. O envolvimento político do cristão deve se traduzir no serviço ao bem comum, mas principalmente dos pobres. Se quisermos a volta da democracia, precisamos arrumar a casa. Lutar pela ética na política, enfrentar a plutocracia e recuperar a participação das milhões de vozes sufocadas no dia 17 de abril de 2016. Que Tiradentes nos inspire.
*Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). Escreve às quartas-feiras.
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