Como qualquer brasileiro a favor ou contra o impeachment fiquei horrorizado, estarrecido, enojado
Por Max Velati*
Quebrando o meu jejum de semanas afastado dos noticiários, assisti com o estômago embrulhado e gosto de metal na boca o show de horrores de domingo. Acompanhei por horas infinitas o desfile de deputados usando o microfone – pelo qual eu e você pagamos – para registrar nas páginas da História as justificativas mais delirantes para seus votos. Como qualquer brasileiro – a favor ou contra o impeachment – fiquei horrorizado, estarrecido, enojado. Aqueles senhores e senhoras de cabelos vermelhos e gordas papadas conseguiram o que parecia impossível: os militantes de ambos os lados se odeiam, mas concordam sem sombra de dúvidas que estão muito mal representados.
“O horror! O horror!”, para citar Marlon Brando.
Se colhi algo de positivo com a traumática experiência de domingo foi a certeza de que não posso, não devo e não mereço ter o meu destino decidido por gente daquele nível.
Se o leitor tem acompanhado os textos mais recentes desta coluna sabe que estou usando este espaço para registrar o dia a dia da minha pequena revolução pessoal. Estou convencido – e o triste espetáculo da Câmara só confirma – que não devo esperar nada de um Estado infestado de bandidos. Aquelas caricaturas de estadistas, mesmo que quisessem e se esforçassem muito, não teriam condições de organizar o que está bagunçado, moralizar o que só funciona com trapaças ou corrigir o que é feito só de enganos. Ninguém ali tem as virtudes e a competência necessárias para reconstruir o que está destruído. Posso gastar meu tempo lamentando isso ou cuidar da minha vida e deixar a tóxica política para políticos intoxicados.
Vou fazer a você algumas perguntas e a menos que seja um profissional da área de Saúde não terá as respostas na ponta da língua.
Quantos ossos você tem? Para que serve exatamente o baço e onde fica?
Não, não mudei de assunto.
Saber o número de ossos do esqueleto e conhecer o próprio organismo está diretamente relacionado com a qualidade de políticos que elegemos e com o poder que eles acabam tendo sobre os nossos destinos. Aposto que você também não lê os rótulos de todos os produtos que usa nas refeições, confia que a água que bebe é potável e considera que o profundo desânimo com o trabalho toda segunda-feira faz parte de uma vida normal.
O que quero dizer com tudo isso é que a vida moderna desorganizou as nossas prioridades, distorceu a nossa percepção da realidade abrindo caminho para infecções perigosas que podem ser contraídas pelo corpo e pela alma. Damos atenção ao que nem de longe é essencial, jogamos fora o que é precioso e nos empenhamos com unhas e dentes para conquistar o supérfluo. Ignorar do que somos feitos ou como funcionamos é o mesmo tipo de desinteresse que nos leva a ignorar se o que comemos todos os dias é afinal alimento ou veneno.
Ambos são comportamentos típicos de uma grave doença moderna, a mesma moléstia que produz o câncer, a síndrome do pânico, a depressão e os políticos da Câmara e do Senado, eleitos por cidadãos anestesiados contra a realidade. Outras evidências que confirmam esta grave doença é que não apenas ignoramos o essencial, mas idolatramos o desnecessário. Achamos perfeitamente justificado fazer hora extra num emprego que odiamos para poder comprar um celular mais moderno; comemos qualquer porcaria colorida e gastamos fortunas em remédios e produtos de beleza para disfarçar o nosso abatimento; trocamos de carro de dois em dois anos como se o petróleo nascesse em arbustos.
Perdemos perigosamente a capacidade de determinar o que é importante e o que não é, o que é bom para nós e o que não é.
Estou seriamente empenhado na minha pequena revolução. Meu entusiasmo em relação ao novo modelo de vida que estou buscando se renova a cada dia nas pequenas coisas. Estou lendo grossos volumes para entender o que aconteceu com a nossa comida nos últimos cem anos, estou correndo atrás de professores para que me expliquem o que sou e como funciono e a cada passo nesta direção digo a mim mesmo que me recuso a deixar que bandidos e incompetentes tenham autoridade sobre o meu destino. Minha vida ficou mais rica, meu corpo vai recuperando a saúde e sem infringir a lei estou quebrando o molde.
Talvez eu não tenha conseguido explicar o meu ponto de vista, o que é grave para um colunista. Estudar Anatomia ou aderir à dieta de orgânicos não vai resolver os seus problemas e nem melhorar a classe política deste país. Despertar para a realidade de que o Estado não deu certo é que vai fazer a diferença. Entender que você pode e deve buscar por si mesmo soluções melhores, mais saúde e uma profissão libertadora é que vai quebrar a maldição para sempre. Quando isso é feito coletivamente, sabemos o que precisa ser feito e cuidamos nós mesmos do que é essencial.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.
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