sexta-feira, 20 de maio de 2016

A morte do debate

A razão de ter me lembrado do grande Mário é a ausência completa do debate nas ruas.
“Filosofia da Crise”, é a causa, sem dúvida, do desespero que domina muitas consciências”.
“Filosofia da Crise”, é a causa, sem dúvida, do desespero que domina muitas consciências”.
Por Max Velati*
Mais uma semana de agitações políticas e o Brasil vai ficando cada vez mais dividido.  As opiniões são muros, grades, paliçadas e o debate transformado no ruído estridente de panelas em choque. Já disse aqui na coluna que perdi completamente o interesse em comentar neste espaço as loucuras de Brasília. Para mim a atual gerência do manicômio e a gerência anterior fazem parte da mesma loucura globalizada. Por esta razão, enquanto espero as minhas hortaliças despontarem nos canteiros, procurei na minha biblioteca o volume 1 da “Enciclopédia de Ciências Filosóficas”, em 15 volumes e escrita inteiramente pelo grande Mário Ferreira dos Santos.
Mário Ferreira dos Santos é um importantíssimo filósofo brasileiro que nasceu em Tietê, São Paulo, em 1907. Mesmo que você tenha doutorado em Filosofia conferido por uma grande universidade brasileira, provavelmente não conhece nem o homem e nem a obra, mas deveria. Encontrei dezenas de professores e doutores que jamais tinham ouvido falar no grande Mário e tudo se resume a mais um caso clássico de profeta que não é reconhecido na própria terra, coisa muito comum neste país.
Mário Ferreira percorreu uma rica jornada intelectual e este espaço é pequeno para registrar todas as suas atividades como intelectual e empreendedor. Traduziu Nietzsche e Walt Whitman para o português, aventurou-se em temas de Economia, Sociologia, História, Psicologia, Política e com absoluto brilhantismo abraçou como paixão a Filosofia, desenvolvendo os seus próprios métodos.
Conta a lenda que foi arranjado um debate público sobre política entre ele e Caio Prado Júnior, que defenderia os ideais comunistas. Mário Ferreira ouviu os argumentos do que deveria ser uma indestrutível apresentação de Caio e quando recebeu a palavra, passou meia hora dizendo tudo o que Caio Prado Júnior ainda poderia ter dito a favor do Comunismo. Só depois assumiu a tarefa de explicar as suas próprias convicções e então demoliu um a um os argumentos apresentados por Caio Prado. A lenda diz ainda que com esta surra intelectual Mário Ferreira conquistou muitos inimigos e teve que bancar do próprio bolso a edição dos seus livros.
Mário faleceu em abril de 1968 por problemas cardíacos. Em casa, rodeado por alguns amigos fiéis, sentindo que o fim estava próximo, pediu para ser colocado de pé e assim morreu.
A razão de ter me lembrado tanto do grande Mário por esses dias é a ausência completa do debate nas ruas, nos gabinetes e nas universidades. Não há mais debate no sentido mais rico e sensato do termo. Temos discursos inflamados, panelas e pneus queimados; temos bandeiras e cartazetes estratégicos na TV; temos o cassetete e o coquetel molotov, mas não temos mais o debate.
O volume 1 sobre a minha mesa oferece todas as ferramentas necessárias ao bom diálogo, ao embate inteligente de ideias, que quando feito sob certas regras simples de bom senso e polidez, podem provocar reações positivas e transformadoras. Nas palavras do próprio Mario no prefácio do volume 1, publicado em 1959, “Ninguém pode negar, ao examinar o espetáculo moderno, que a inteligência humana afunda-se nas brumas da confusão que invade todos os setores. Nunca se pensou de modo tão heterogêneo e tão vário, nunca as ideias mais opostas estiveram tão vivas em face umas das outras, e também nunca opiniões tão descabeladas conseguiram impor-se a vastos círculos intelectuais, como se verifica em nossos dias.
Na verdade, se observarmos com cuidado, as causas de factos que tanto entristecem os que desejam uma humanidade mais sã, temos que debitar tal estado de coisas à fraca maneira de pensar do homem moderno, que facilmente se enleia nas teias de aranha de abstrusas ideias, e acaba por perder o norte, e desviar-se por caminhos que cada vez mais o afastam do que deveria alcançar. Esse estado de crise intelectual que delineamos em “Filosofia da Crise”, é a causa, sem dúvida, do desespero que domina muitas consciências”.
Que falta nos faz o grande Mário!
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário